A recente eleição local na Grã-Bretanha revelou uma reviravolta histórica: o Reform UK, partido de Nigel Farage, superou o Partido Conservador, que ficou apenas em quarto lugar, atrás também dos Trabalhistas e dos Liberal Democratas.
Para muitos, foi só mais um tropeço eleitoral. Mas os números contam outra história: o Reform UK ultrapassou os Conservadores em diversos distritos-chave e conquistou um total de 677 assentos, enquanto os Conservadores perderam 635 cadeiras — um feito histórico para um partido que ainda não conta com estrutura nacional consolidada. Para quem acompanha a política britânica com lupa, trata-se de um colapso estrutural da direita tradicional, causado por traições internas, submissões externas e erros estratégicos fatais.
O colapso Conservador e o papel de Washington: um ponto de virada moldado por pressões internacionais
O ponto de ruptura desse colapso pode ser traçado com precisão: a queda do governo Liz Truss.
Eleita indiretamente como líder do Partido Conservador após a saída de Boris Johnson, com base em uma plataforma fiscal de redução de impostos e estímulo ao crescimento — em linha com o que boa parte do eleitorado conservador tradicional esperava — Truss teve sua política econômica brutalmente atacada pela Casa Branca, sob a administração Biden, por meio de pressões financeiras, ruídos diplomáticos e instabilidade nos mercados.
Desde o início da guerra na Ucrânia, o Reino Unido, sob a liderança de Boris Johnson, assumiu um papel decisivo e confrontador dentro da OTAN, contrariando a hesitação estratégica de países como Estados Unidos, França e Alemanha. A postura firme de Johnson, ao lado do secretário de Defesa Ben Wallace, foi fundamental para garantir o envio de apoio militar e diplomático imediato à Ucrânia, sendo reconhecida por muitos como crucial para a sobrevivência inicial do governo de Zelensky. No entanto, essa posição independente incomodou a administração Biden, que preferia uma gestão mais equilibrada e controlada do conflito. A ascensão de Liz Truss, herdeira dessa abordagem intransigente, representava a continuidade dessa política — agora combinada com uma proposta econômica liberal-conservadora. Esse duplo desafio à ordem estratégica e financeira levou à sua rápida desestabilização, patrocinada tanto por pressões americanas quanto por interesses do mercado londrino alinhados à Casa Branca.
O então presidente do Federal Reserve Bank of Boston, Eric Rosengren, alertou contra políticas expansionistas num contexto de inflação. E a administração Biden, especialmente pelo Departamento de Estado e pelo Departamento do Tesouro, pressionou diplomaticamente o Reino Unido, manifestando "preocupação" com os rumos de Truss. Sua proposta econômica liberal-conservadora desagradou profundamente o lobby financeiro da City of London, que articulou sua queda e a ascensão de Rishi Sunak ao cargo de primeiro-ministro. O recado era claro: a Casa Branca e os círculos globalistas — que, assim como Biden, não tinham real interesse em uma vitória decisiva da Ucrânia — não tolerariam uma liderança autônoma no Reino Unido em plena guerra, pois essa postura fortaleceria a posição política dos países do Leste Europeu dentro da OTAN, abertamente contrários à Rússia de Vladimir Putin.
O governo Truss caiu em 45 dias.
E o Partido Conservador nunca mais se reergueu.
Sob Rishi Sunak, o partido passou a operar como uma gestão técnica do status quo, sem identidade, sem base popular e sem discurso próprio. Isso abriu caminho para uma nova força política ocupar o vácuo.
O fenômeno Nigel Farage: consequência, não causa
A ascensão do Reform UK e a volta de Nigel Farage ao centro do debate político britânico são efeitos diretos da falência conservadora.
Farage surge como representante de um eleitorado órfão, cansado de partidos que fazem oposição de forma simbólica e governam sem convicção.
Durante a cobertura das eleições locais, Farage apareceu com fala clara, linguagem acessível e foco nos temas reais que preocupam a população britânica, como imigração, soberania, custo de vida e o papel da Inglaterra na guerra da Ucrânia.
Mais do que um político com opiniões fortes, Farage tornou-se um referencial de dissidência dentro do Reino Unido. Como ele próprio declarou em entrevista recente: "O sistema está podre, e alguém precisa ter coragem de dizer isso em voz alta."
Durante o governo Biden, a relação da Inglaterra com os Estados Unidos e a União Europeia tornou-se um problema de sobrevivência política para os conservadores.
Na prática, o tradicional Partido Conservador do Reino Unido abdicou de qualquer combate ideológico — abandonando pautas como o controle migratório, a valorização da cultura britânica, a soberania jurídica frente à União Europeia e a crítica aberta às agendas progressistas impostas por organismos internacionais — e com isso, perdeu o eleitorado.
O que resta ao Partido Conservador?
Diante desse cenário de colapso interno e perda de identidade, analistas apontam que a única via viável para a recuperação do Partido Conservador seria o retorno de Boris Johnson. Apesar dos escândalos e da sua saída conturbada, Johnson continua sendo o único nome com capital político, discurso mobilizador e uma base eleitoral expressiva. Ele é lembrado não apenas por seu papel decisivo no Brexit, mas também por sua postura firme e independente na guerra da Ucrânia, contrariando a linha da Casa Branca e assumindo a liderança dentro da OTAN ao lado do secretário Ben Wallace.
Se o partido quiser disputar seriamente as próximas eleições, terá de abandonar o tecnocratismo de Sunak e os gestos simbólicos, e encampar novamente uma agenda de confronto — tanto no plano doméstico quanto internacional. Com Johnson de volta, o Reino Unido pode ver algo raro na política europeia: uma eleição polarizada não entre direita e esquerda, mas entre duas direitas — o Reform UK, de perfil nacional-popular, e o Partido Conservador, marcado por uma condução tecnocrática.
Conclusão
A eleição local não apenas revelou a força de Nigel Farage, mas expôs a morte simbólica do Partido Conservador britânico.
Esse colapso não foi provocado por “populistas”, mas por decisões internas equivocadas e interferências externas que desestabilizaram toda a estrutura política tradicional.
Farage não criou essa crise. Ele apenas a nomeou.