Artigo, Tito Guarniere - Distribuir renda, sim, mas a dos outros
O debate sobre a concentração de renda, no Brasil e no
mundo, está sempre em alta temperatura. Há teoria para todos os gostos. Eu
mesmo tenho enunciado que com Lula e Dilma, ao contrário do que dizem e até do
que era de se esperar de um partido que se diz de esquerda, o perfil de
distribuição de renda no Brasil não melhorou em nada. Não é figura de
linguagem nem exagero. Ficou igual ao que existia em 2003 quando o PT
assumiu. Se houve um ligeiro avanço na renda dos mais pobres, foi compensado
por igual avanço em favor das camadas mais favorecidas.
Os processos de concentração de renda são
denunciados, nos meios acadêmicos e de esquerda, como um efeito colateral e
necessário do capitalismo. Eles têm razão. O capitalismo é o
sistema econômico dos desiguais. Está no seu cerne e na sua natureza.
Não é à toa que o socialismo atrai tantas vontades
generosas. Não seria mais habitável um mundo em que não houvesse tantas
diferenças entre as classes, entre pobres ou ricos, e onde todos pudessem
desfrutar de uma situação de vida decente e confortável?
O problema está em que (quase) todos que propugnam em
favor de uma distribuição mais justa da renda nacional, só querem distribuir a
renda dos outros.
É suprema ingenuidade achar que uma sociedade mais
igualitária possa ser alcançada através de medidas administrativas ou políticas
públicas. A discussão prospera até que alguém diga: muito bem,
companheiros; precisamos distribuir melhor a renda e a riqueza. Alguém tem de
ganhar: os mais pobres. E alguém tem de perder, os mais ricos. E de que modo podemos
tirar a parte dos mais ricos, mexer no seu rico dinheirinho?
Aí, não é que a discussão apenas patine. Ela simplesmente
congela. Porque os detentores da maior parcela de renda e da riqueza, não
têm a menor disposição de perder os anéis e muito menos os dedos. Querem a
prova provada? Olhem a atual polêmica sobre a previdência no Brasil. Todos
sabem que está quebrada, ou em vias de quebrar, até mesmo os maluquetes que
dizem se tratar de uma conspiração do governo de Temer, aliados aos patrões e
banqueiros. Ou os que fazem uma conta torta e falaciosa das projeções possíveis
da previdência brasileira, dizendo que ela não precisa de reforma.
O fato singelo, que ninguém gosta de admitir, é que a
concentração de renda mais injusta e desigual, é a da previdência dos
servidores públicos, face à previdência dos trabalhadores privados. No
agressivo corporativismo brasileiro, ninguém abre mão de um único
milímetro de suas “conquistas”, de seus “direitos adquiridos”. O Brasil gasta
com um milhão de aposentadorias do setor público mais do que gasta com 33
milhões de aposentadorias do setor privado.
E como fazer, se os defensores de uma distribuição mais
justa da renda nacional, são também os mais ferrenhos defensores dos seus
direitos, agora mais do que adquiridos, sagrados e intocáveis?
Ao menos no Brasil, a mais iniqua das concentrações de
renda não tem a mão invisível do mercado, mas a mão visível dos
tecnoburocratas do Estado, e dos altos estamentos da República.
titoguarniere@terra.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário