É
bem conhecido o caso do jornalista Pimenta Neves, que, inconformado com o
término de seu namoro com a também jornalista Sandra Gomide, assassinou a
ex-namorada com dois tiros à queima-roupa. Depois, ligou para a redação do
jornal O Estado de S. Paulo, do qual era diretor, e relatou o fato. Mais tarde,
sem vacilar, confessou tudo à polícia. Sequer seu advogado, Antônio Cláudio
Mariz de Oliveira, tentou afastar-lhe a autoria do crime. Em suma, jamais houve
qualquer controvérsia quanto ao seu ato.
Será razoável que, mesmo sendo iniludível a culpa do réu, como no exemplo
acima, se continue falando em presunção de inocência até que o último recurso
do recurso do recurso seja impetrado? É óbvio que não! Mas era assim até 2016,
quando o Supremo Tribunal Federal (STF) repôs a razoabilidade, convalidando a
execução da pena a partir do 2º grau.
Agora, beneficiários da impunidade, simulando defender o princípio da presunção
de inocência, querem que o STF reconsidere e diga: "Só haverá 'trânsito em
julgado' quando não restar mais nenhum recurso e o processo for
encerrado". É para tornar novamente possível o que se deu com Pimenta Neves,
que, depois de sentenciado, ele que admitira tudo, ficou quase 11 anos em
liberdade como presuntivo inocente.
Cabe ao STF dirimir dúvidas quanto à interpretação da Constituição Federal
(CF), que, alias, não contempla o que os espertos pretendem. E o que fala
especificamente? No art. 5º, LVII, a CF diz que "ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Não
fala em recurso. Não fala em grau de jurisdição.
Ora, trânsito em julgado quer dizer que determinada decisão judicial tornou-se
definitiva e irretratável, não admitindo, por conseguinte, novo recurso: é o
ponto final naquela matéria. Já sentença penal é a decisão do juiz de 1º grau
acerca da culpabilidade, condenando ou absolvendo o réu: se condenatória,
obviamente afirma a culpabilidade.
Essa decisão pode ser mantida ou derrubada na 2ª instância (TJ ou TRF). Se
mantida, então já não restará dúvida quanto a ser o réu culpado.
Agora isto: o que transita em julgado é a matéria decidida, não o processo nem
a ação. E o "trânsito em julgado de sentença penal condenatória" é a
culminância do debate que conclui pela culpa do réu, já não mais cabendo
presumir-lhe a inocência.
Sim, havemos de resguardar o princípio constitucional da "presunção de
inocência", elemento distintivo de um regime jurídico democrático: não
existia no chamado "direito inquisitório", que todo mundo já viu em
filmes sobre a Idade Média. Mas não pode ser absolutizado, sob pena de eliminar
qualquer noção de razoabilidade.
Pois a CF, em conformidade com tratados internacionais de direitos humanos, se
encarada como um sistema (não fragmentada para favorecer
"interesses") demonstra esse zelo, exigindo que a "culpa"
esteja legalmente comprovada e fixada por uma decisão que examine o mérito da
causa, o que ocorre, aliás, já no 1º grau e é revisado no 2º grau.
Depois disso, a defesa poderá ir aos tribunais superiores, impetrando, por
exemplo, recurso especial para discutir a dosimetria ou o regime inicial de cumprimento
da pena (matérias exclusivamente de direito), mas já sem rediscutir se o réu
praticou ou não o crime que lhe é imputado.
É
devido, pois, reconhecer que o trânsito em julgado da matéria atinente à
culpabilidade, sem prejuízo da presunção de inocência, ocorre no segundo grau
de jurisdição, última instância judicial em que as provas e os fatos são
examinados, a sentença penal torna-se definitiva e irretratável e ficam
exauridas as possibilidades de o réu contestar os fatores que o ligam ao crime.
Registre-se que, até 1973, o cumprimento da pena poderia iniciar logo após a
decisão do juiz de 1º grau. Mas, para reduzir a probabilidade de erro
judiciário, é razoável que se aguarde a revisão na 2ª instância. Ao passo que a
pretensão de ter, para o mesmo fim, o trânsito em julgado apenas depois do
último recurso cabível no processo implica tirar efetividade da lei penal, uma
anomalia jurídica com prejuízo para a sociedade inteira. Cadê a razoabilidade?
Renato Sant'Ana é Psicólogo e Advogado.
Excelente artigo. Precisamos de uma nova constituição de 7 artigos na qual os reais direitos sejam assegurados para todos e não somente para aqueles que escreveram a Constituição Cidadão em benefício próprio e de todos os corruptos de plantão.
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