Deem um microfone a Lula e ele comandará o show, mestre
do histrionismo, capaz de (se deixarem) encantar serpentes e levar ao delírio
as plateias de sua grei, que mesmo um tanto aflitas com as perdas recentes,
ainda têm amor para dar. Como disse uma vez a filósofa símbolo do PT, Marilena
Chauí, “quando Lula fala o mundo se cala”.
Bem entendido, se cala somente no intervalo entre os aplausos, que Lula
sabe puxar como ninguém.
Na véspera de ser declarado réu na Lava Jato, na Vara do
juiz Sérgio Moro – tudo o que ele não queria – Lula falou para os seus no
elogio que nunca cansa, da obra inexcedível dos governos do PT, ao mesmo tempo
em que lançou desafios de reação e resistência, contra a perseguição de que é
vítima.
Lula é bom no papel de vítima. Os algozes são os
suspeitos de sempre, as elites (embora ele não decline quem sejam, pois as
fatias mais poderosas do PIB nacional foram aliadas e beneficiárias dos
governos do PT e mamaram docemente nas tetas do Estado – banqueiros,
empreiteiras, multinacionais), a mídia golpista, os procuradores da Lava Jato,
o juiz Moro, as oposições golpistas, sedentas de revanche depois das sucessivas
derrotas.
Não duvidem, em algum momento ele perguntará: como ousam
duvidar de minha inocência, eu que tanto bem fiz a este País?. Nas entrelinhas
do discurso, lido com atenção, sempre estará explícito o subtexto pretensioso
de que “eles nos odeiam porque somos melhores”.
No destampatório choroso, nenhuma palavra sobre as
denúncias de que é alvo, como se não existissem, e nenhuma palavra de
autocrítica, como se ele e o PT jamais tivessem cometido um erro, nem mesmo na
indicação imperial da sucessora Rousseff, que se revelou um pesadelo, desses
que fazem acordar à noite e varar a madrugada lamentando a escolha. O equívoco
fatal, porém, em breve estará esquecido, graças ao providencial atributo da
memória, que tende a esquecer as más lembranças e as coisas ruins.
O papel de vítima lhe cai e lhe faz bem, uma vez que a
vida de Lula é um rolo só. Como diz Christopher Lasch, em “O Eu Mínimo”, a
“possibilidade de se declarar (vítima) é uma casamata, uma fortificação, uma
posição estratégica a ser ocupada”.
Lula poderia ter lido o primoroso tratado de Daniele
Giglioli sobre o vitimismo, que ensina:
“A vítima é o herói do nosso tempo. Ser vítima dá prestígio, exige
atenção, promove e promete reconhecimento, ativa um potente gerador de
identidade, autoestima, imuniza contra qualquer crítica, garante inocência para
além de qualquer dúvida razoável”.
Claro, Lula não leu o ensaio do historiador italiano,
porque, esperto e intuitivo, já sabia dessas coisas muito antes. Não é de graça
que todo pronunciamento do ex-presidente é vazado dos termos do conflito “nós”,
os oprimidos, as vítimas, e “eles”, os opressores, os algozes. Pode ser
primário e vulgar, mas funciona esplendidamente, diante das massas que adoram
definições simplórias, tendo especial predileção pelas mais erradas e
enganosas.
Claro, Lula, na sua intuição um tanto primitiva, não
chega a notar, como Giglioli, que na vitimização, “o protesto político se
degenera em uma choradeira de autocomplacência”.
titoguarniere@terra.com.br
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