Guerra é guerra – Eliane Cantanhênde – OESP – 15/11/16
Tecnicamente, digamos assim, o presidente do Senado,
Renan Calheiros, tem argumentos de sobra para defender a Lei de Abuso de Autoridade,
a flexibilização dos acordos de leniência com as empreiteiras e,
principalmente, a comissão para identificar e cortar os supersalários dos três
Poderes. E qual é o problema? O problema é o próprio Renan Calheiros, ou a
falta de legitimidade dele para capitanear tudo isso, neste momento.
Ninguém, em sã consciência, defende abuso de qualquer
autoridade, nem de procuradores e juízes nem de um guarda de trânsito, um
auditor e um policial civil, militar ou federal. Não podem constranger quem
quer que seja, perseguir adversários, descumprir a lei, exorbitar penas ou
multas. Certo? Certo. Mas Renan, alvo de 11 inquéritos, pode capitanear esse
debate? E é hora de "cortar as asinhas" de investigadores, bem no
meio da Operação Lava Jato?
No caso dos acordos de leniência, faz sentido separar, de
um lado, empreiteiros e executivos corruptos e, de outro, empreiteiras que
empregam milhões de pessoas, contratam centenas ou milhares de outras empresas
de diferentes ramos e aquecem a economia. Mas, peraí, isso não pode anistiar
pessoas físicas e jurídicas que tanto prejudicaram o País e nossas empresas
públicas. E mais: que financiaram campanhas e carreiras políticas a vida toda.
Não haverá como convencer a opinião pública de que o Congresso quis fechar os
olhos para a corrupção, como forma de pagar os favores recebidos.
Bem, quando se fala nos supersalários, há uma
unanimidade. É indefensável sob qualquer aspecto, seja orçamentário, seja
legal, seja ético, que um juiz ganhe até R$ 200 mil por mês, quando a
Constituição, que ele é pago para defender, estabelece como teto os menos de R$
40 mil que os ministros do Supremo recebem. É óbvio para qualquer mortal que é
preciso acabar com jeitinhos e extras moldados para descumprir a lei no
Judiciário, Legislativo e Executivo. Mas Renan é o homem certo, na hora certa,
para fazer isso?
Muita gente, dentro e fora do Congresso, considera Renan
Calheiros um ótimo presidente do Senado. Tem força, liderança, diálogo com os
diferentes partidos e combate o bom combate, defende o regimento e as causas
certas. Mas Renan é Renan, entronizado na política por Collor, às voltas com
inquéritos, com uma rejeição popular gigantesca. Tudo o que ele faz está
automaticamente sob suspeição. Ainda mais se parece ser, ou é mesmo, contra a
Lava Jato.
Um outro projeto que irrita e incomoda os investigadores,
apesar de não ser diretamente contra eles, é o de repatriação de recursos não
declarados no exterior. Se o governo arrecadou R$ 46 bilhões só com 15% de
impostos e mais 15% de multas da repatriação na primeira leva, isso corresponde
a cerca de R$ 150 bilhões enviados para fora do País clandestinamente. Por
quem? Por quê? Qual a origem?
Nesse saco de gatos, há de tudo, desde sonegação de
dinheiro lícito até lavagem de dinheiro de corrupção e tráfico de drogas. E não
acabou. Vem aí a segunda leva da repatriação, com multas e impostos um pouco
maiores, para lavar a jato (mas na contramão da Lava Jato) o resto do dinheiro,
boa parte dele sujo, que andou passeando por paraísos fiscais e agora serve
para amenizar a imensa crise de União e Estados.
Mas, na guerra com o Congresso, o Judiciário também tem
suas armas, como a pressão crescente para acabar com o foro privilegiado dos
políticos, que sobrecarrega o Supremo e é fator de impunidade de políticos. Um
a um, os ministros do STF estão assumindo clara e publicamente a posição contra
o privilégio, em consonância com o que deseja a sociedade, cada vez mais bem
informada e cada vez mais sabendo o que quer – e o que não quer.
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