O pedido de aumento da ministra escrava
Segundo ela, está sendo difícil “comer, beber e calçar”
O francês Alexandre Dumas Pai se gabava de ter escrito
mil livros. Exagero. Na verdade, escreveu só uns 350.
Já seu conterrâneo Georges Simenon, criador do Inspetor
Maigret, foi autor de nada menos do que 450 romances. Simenon tinha um método
de escrita brutal: trancava-se em seu gabinete e atacava a máquina
datilográfica com fúria sagrada, suando como se fosse um volante cobrindo os
laterais, perdendo até um quilo por dia. Chegava a escrever 80 páginas em uma
única jornada de trabalho. Certa vez, Alfred Hitchcock ligou para ele. A
secretária atendeu e disse que Simenon não poderia falar, porque estava
começando a escrever um romance. Hitch respondeu:
– Tudo bem, eu espero na linha até ele terminar.
Agora, o campeão dos campeões, o escritor mais prolífico
da história é... um brasileiro! Chama-se Ryoki Inoue. Como você deve ter
desconfiado, ele tem ascendência japonesa, mas é tão brasileiro quanto pão de
queijo com guaraná. Ryoki fez com os livros o que Pelé fez com os gols: mais de
mil. E o melhor: em geral, eles são bem vendidos.
Se você não conhece Ryoki é porque ele escreveu quase
sempre debaixo de pseudônimos. De qualquer forma, é certo que você já viu seus
livros: são aqueles pequenos romances policiais, de faroeste ou de espionagem,
que, nos anos 1980 e 1990, podiam ser encontrados em qualquer banca de revista.
Como Ryoki achava que um brasileiro de nome japonês não teria credibilidade ao
escrever uma história que se passa no Velho Oeste americano, ele inventava
nomes em inglês, tipo James Monroe, e botava para vender. E vendia, e vende
ainda.
Depois de reclamar que o Brasil "não está sendo
justo" com ela, jurou que trabalha "de segunda a segunda". Como
Luislinda encontrou tempo para cometer 207 páginas em seu bem sustentado pedido
de aumento?
Pensei nesses escritores prolíficos por causa da nossa
ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois. Hoje nós a entrevistamos no
Timeline, da Gaúcha, a propósito de uma polêmica envolvendo seu salário. Ocorre
que a ministra é desembargadora aposentada, o que lhe rende R$ 30 mil mensais.
O salário de ministro é de R$ 33 mil. Mas, como ela não pode ganhar mais do que
o teto do funcionalismo, fica com R$ 3 mil dos ganhos do ministério, mais os R$
30 mil da aposentadoria. Ou seja: R$ 33 mil. Luislinda acha pouco, por isso
apresentou uma petição ao governo para receber os dois salários, o que daria
mais de R$ 60 mil. Na petição, a ministra comparou sua situação com o trabalho
escravo. Na entrevista que nos concedeu, perguntou, comoventemente:
– Como vou comer, beber e calçar?
Responda-me você: como alguém vai comer, beber e calçar
ganhando R$ 33 mil?
Revoltante.
Mas não foi isso que me levou a escrever sobre a
ministra, até porque parece que ela desistiu do pleito. O que me motivou foi o
fato de que a petição que ela redigiu tem 207 páginas.
Você já pensou em escrever 200 páginas para pedir aumento
de salário? Fica a dica.
Agora calcule: Luislinda assumiu em fevereiro deste ano.
Suponho que ela deva ter se escandalizado com o salário ao ver o primeiro
contracheque, em março. De lá para cá, são oito meses. Dá para escrever 207
páginas em oito meses, eu mesmo já escrevi um livro dessas dimensões em 40
dias. Mas eu fazia quase que só isso. Luislinda é ministra, imagino que tenha
lá suas tarefas. Inclusive, no Timeline, depois de reclamar que o Brasil
"não está sendo justo" com ela, jurou que trabalha "de segunda a
segunda". Não tem nem o fim de semana de folga...
Sendo assim, como Luislinda encontrou tempo para cometer
207 páginas em seu bem sustentado pedido de aumento? Trata-se de um fenômeno de
produção. O Simenon de saias. O Dumas de Brasília. O novo Ryoki. Esse Temer
sabe escolher um ministro!
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