A questão central está na mensagem que a Câmara transmite
à sociedade com mais essa tentativa de “estancar a sangria”, como se diz no
Congresso
É preciso reconhecer a persistência de um grupo de
parlamentares federais empenhados em “estancar a sangria”, via aprovação de
alguma forma de anistia a eles mesmos e aos aliados — investigados, réus ou
sentenciados por crimes contra a administração pública.
Já nem é possível contabilizar, de forma precisa, as
sucessivas manobras para induzir o Congresso a sancionar um perdão geral aos
envolvidos nas maracutaias reveladas pela Operação Lava-Jato.
Agora, pretende-se reverter um entendimento do Supremo
Tribunal Federal (STF) em benefício de, ao menos, duas centenas de políticos
passíveis de enquadramento na Lei da Ficha Limpa.
Com um projeto de lei complementar apresentado pelo
deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP), deputados de 19 partidos resolveram
“disciplinar” o alcance da lei que torna inelegível condenados por abuso de
poder econômico ou político.
A Lei da Ficha Limpa foi sancionada em junho de 2010 e
começou a valer nas eleições seguintes, de 2012. No mês passado, o Supremo
decidiu que os políticos condenados antes de a lei entrar em vigor também podem
ser atingidos por essa inelegibilidade de oito anos. Antes, o político
condenado ficava inelegível por três anos. A decisão foi tomada por maioria
apertada no STF, de 6 a 5.
É natural o debate sobre decisões judiciais e, no caso,
esgrime-se com o razoável argumento de que, filosoficamente, uma lei não pode
ter efeitos retroativos, exceto para benefícios.
“A lei brasileira, do ponto de vista de muitos, nunca
retroagiu para prejudicar”, argumentou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia,
“não se está alterando [a Lei da Ficha Limpa], está se tratando do caso
específico para a lei não retroagir” insistiu.
O problema, porém, não está nas eventuais zonas cinzentas
da legislação criada para barrar políticos infratores na disputa eleitoral, até
porque o Supremo já decidiu sobre o aspecto específico em discussão.
Alterar a Lei da Ficha Limpa é apenas mais uma iniciativa
na coletânea dos últimos 12 meses com o mesmo objetivo — retirar alguns do
alcance da lei em vigor.
Nesse curto período, em diversas ocasiões e até de forma
velada e anônima, muitos parlamentares insistiram na aprovação de anistia, sob
os mais diversos formatos.
A questão central está na mensagem que a Câmara transmite
à sociedade com mais essa tentativa de “estancar a sangria”, como se diz no
Congresso.
Arrisca-se a criar o precedente de que leis são passíveis
de mudança sempre que o Supremo apresentar, em apertada maioria, uma
interpretação contrária aos interesses e privilégios de qualquer fração da
elite política.
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