Diante de um Congresso indiferente aos grandes problemas,
os perigos externos ficam muito menos assustadores
A maior ameaça à economia brasileira, como quase sempre,
é tão nacional quanto o pato no tucupi. Se for para o brejo a recuperação
econômica, hoje um tanto cambaleante, mas ainda inegável, a causa principal
será certamente made in Brazil. Na escassa e rala discussão sobre planos de
governo têm surgido bobagens do tipo “crise fiscal se resolve com crescimento”,
ao lado de propostas quase incríveis, como a de retorno do chamado imposto do
cheque, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF).
Diante de um Congresso indiferente aos grandes problemas,
de um debate eleitoral indigente e de um cenário institucional confuso, os
perigos externos ficam muito menos assustadores do que devem parecer aos
cidadãos de outros países. Não há como desconhecer, é claro, a truculência do
presidente Donald Trump e seus efeitos sobre o comércio internacional, o preço
do dólar e o mercado do petróleo. É indispensável seguir o jogo no Oriente
Médio. É essencial acompanhar a inflação nos Estados Unidos e o ritmo de
elevação dos juros pelo Federal Reserve, o banco central americano. Esses juros
têm potencial para mexer em todo o mercado financeiro. Tudo isso pode afetar o
Brasil, mas o Brasil pode perfeitamente afundar sozinho, sem depender de
choques externos.
Choques podem vir, naturalmente, e seu efeito será tanto
pior quanto mais desarranjado estiver o País. O risco de contágio da crise
argentina pode ser muito limitado neste momento, mas o sinal de alerta é claro.
Com reservas em torno de US$ 380 bilhões, superávit comercial de US$ 20 bilhões
em quatro meses, uma boa safra para exportar e a inflação bem abaixo da meta
anual de 4,5%, o Brasil parece pouco vulnerável, pelo menos neste ano. Essa
avaliação pode ser hoje correta, mas o mundo continuará, muito provavelmente,
girando em torno do Sol depois do próximo réveillon.
No dia seguinte um novo presidente deverá ocupar a sala
principal do Palácio do Planalto. Como estará o País e como será sua imagem nos
mercados no começo de 2019? Por enquanto, a indústria produz mais que há um
ano, apesar de alguns tropeços. No primeiro trimestre a produção foi 3,1% maior
que a de janeiro a março de 2017 e o crescimento acumulado em 12 meses chegou a
2,9%. As vendas no varejo cresceram em volume 3,7% em 12 meses, sem contar o comércio
de veículos, componentes e material de construção. Incluídos esses itens, o
aumento bateu em 6,2% nos 12 meses terminados em março. A inflação continua
abaixo de 3%. Deverá subir um pouco até o fim do ano. Se isso refletir aumento
do emprego e do consumo, será um efeito bem-vindo.
Mas um Brasil mais próspero, com níveis mais altos de
atividade e de consumo, ainda poderá ter inflação civilizada se as contas
públicas forem arrumadas. O governo ainda poderá fechar 2018 sem romper a meta
fiscal e o teto de gastos e sem descumprir a regra de ouro, a proibição de
endividar o Tesouro para despesas de custeio. Mas o novo governo terá muita
dificuldade para atender a esses padrões, mesmo com a economia mais ativa.
Na melhor hipótese, passará por esses obstáculos, mas
ainda poderá chegar ao terceiro ou ao quarto ano de mandato sem ter contido a
expansão da dívida pública. Nenhum avanço duradouro será conseguido sem a
execução da pauta de ajustes e reformas. E é também preciso levar em conta as
condições de financiamento, se a avaliação de risco piorar e o mercado se
retrair.
O crescimento dependerá também da evolução da
produtividade – tanto do governo quanto do setor privado. Será preciso, além de
buscar o equilíbrio contábil das finanças públicas, elevar os padrões de
administração. Será necessário mexer na composição do Orçamento, para reduzir
as vinculações e aumentar a racionalidade na aplicação de recursos. Não se
consertará o Orçamento, nem a economia, com aberrações como a CPMF. Tributos
funcionais incidem sobre a produção de bens e serviços, a circulação, a
apropriação de renda e as operações financeiras. Aquele monstrinho incide sobre
a mera movimentação de dinheiro. Ao realizar um pagamento, o cidadão paga um
tributo sobre o ato de pagar. Esse é um tributo de incidência múltipla,
encarecedor de toda a atividade econômica, regressivo e, acima de tudo,
teratológico.
Mas qualquer projeção de crescimento continuado ainda
neste ano e também nos próximos tem como pressuposto um mínimo razoável de
normalidade, racionalidade e confiança. As expectativas quanto ao próximo
governo pesarão cada vez mais nos próximos meses. Por enquanto, o quadro
eleitoral é pouco animador. Há pouca conversa séria sobre os fundamentos
econômicos, sobre a agenda de reformas e sobre estratégias para tornar a
economia mais eficiente e mais competitiva.
Pior que isso: nem está claro se todos os pré-candidatos
à Presidência reconhecem como reais os desafios apontados no dia a dia do
debate econômico mais qualificado. Sem o claro reconhecimento desses problemas,
a campanha será de novo marcada por promessas tão sedutoras quanto distantes do
bom senso.
Não há como desprezar o risco de um novo governo
fantasiado de progressista e comprometido, de fato, com os interesses de
facções empresariais e sindicais sempre famintas de benefícios fiscais,
subsídios de crédito e protecionismo comercial. Foi assim no longo e desastroso
período petista e assim poderá ser, mais uma vez, se esse tipo de aliança
prevalecer. Nesse caso, o País estará de novo no rumo de um desastre, porque
nenhum desarranjo importante será corrigido e outros serão acrescentados. No
resto do cenário pré-eleitoral predomina, por enquanto, o marasmo.
O próximo governo, dizem os otimistas, será forçado a
reconhecer os problemas e a cumprir as tarefas necessárias. Por enquanto, as
falas e os movimentos táticos indicam a repetição de erros tão conhecidos.
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