A ciência brasileira nada ganha com essa manifestação
explícita de obscurantismo.
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)
tem sido simpática a Lula da Silva, de modo que não surpreende o entusiasmado
apoio manifestado ao ex-presidente e hoje presidiário no 70.º encontro anual
daquela organização, aberto no domingo, dia 22, em Maceió. Pode-se apenas
lamentar que uma das principais entidades dedicadas ao fomento da ciência no
País continue a ser usada por alguns oportunistas para fins
político-partidários, que nada têm a ver com pesquisa e inovação.
Pretende-se invocar a importante atuação da SBPC durante
a ditadura, quando a entidade corajosamente franqueou suas mesas para
discussões políticas, como argumento para justificar a necessidade de denunciar
a “nova ditadura”, como se ouviu em um discurso no dia da abertura da mais
recente reunião.
Por “nova ditadura” entende-se, é claro, o governo do
presidente Michel Temer - que, na interpretação de muitos dos acadêmicos
presentes ao encontro, simboliza, em conluio com um Congresso corrupto, um
Judiciário manipulado e uma imprensa vendida, o “golpe” que, segundo eles,
resultou no impeachment da presidente Dilma Rousseff e na prisão de Lula da
Silva.
O padrão de denúncia desse “estado de exceção” foi
observado na solene homenagem prestada ao físico José Leite Lopes (1918-2006),
um dos mais importantes cientistas do País - preso pela ditadura militar,
exilado e aposentado compulsoriamente. Na ocasião, foi lida uma mensagem do
antropólogo José Sergio Leite Lopes, filho do cientista, na qual ele diz que o
pai, “se estivesse aqui hoje, (...) protestaria de forma veemente e irreverente
contra uma nova ditadura que se evidencia”, e “estaria clamando pela democracia
plena, pela justiça social e por Lula livre”.
No mesmo evento, o ministro da Educação, Rossieli Soares
da Silva, e outros representantes do governo federal foram vaiados por
pesquisadores, além de estudantes e servidores públicos presentes, que gritaram
“golpista” e o slogan “Lula livre”, revelando o já conhecido nível de
indisposição dessa turma para o diálogo.
O deputado federal Celso Pansera (PT-RJ) - cuja única
atuação conhecida na ciência foi ter sido escolhido como ministro dessa área no
governo de Dilma Rousseff, quando ainda era do MDB, tendo como qualificação
apenas o fato de ser dono do self-service “Barganha”, na Baixada Fluminense -
também discursou na SBPC e, claro, terminou seu pronunciamento bradando “Lula
livre”.
Não se sabe o que a prisão de Lula tem a ver com a
ciência nacional, mas essa evidente mixórdia não pareceu importante para os
proponentes de uma moção intitulada “Lula livre! Em defesa da democracia e do
Brasil!”. O texto, aceito pela direção da SBPC, diz: “Em defesa da democracia,
a SBPC se soma ao crescente clamor popular e a parte considerável do meio
jurídico nacional e internacional para exigir o imediato cumprimento da
Constituição Federal, garantindo assim a liberdade ao ex-presidente Lula”.
Nas assembleias da SBPC, conforme regulamento da
entidade, moções são “manifestações destinadas ao público externo (...)
envolvendo necessariamente temas de relevância para a Ciência e Tecnologia,
Inovação e Educação, para o país ou para a solução de problemas de grande
interesse regional, observados os objetivos da SBPC, estabelecidos no
Estatuto”. Explica-se, ainda, que cabe à diretoria da SBPC “retirar as
proposições que não se enquadrarem em nenhuma dessas categorias”. Portanto, é
prova de aparelhamento da SBPC o fato de que uma moção que, em nome da
entidade, demanda a liberdade de réu condenado repetidamente pela Justiça tenha
sido considerada “de grande relevância” num encontro de cientistas.
A ciência brasileira nada ganha com essa manifestação
explícita de obscurantismo. Não será deturpando o papel de uma organização
pública tão relevante como a SBPC, entregando-a de mão beijada para o
lulopetismo, que os cientistas terão melhores condições para desenvolver seu
trabalho.
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