Brasil está na criticalidade auto-organizada
Sistema está propenso a chacoalhadas
Modelo explica greve dos caminhoneiros
A economia brasileira não está estagnada por acaso. O
modelo de país consolidado a partir da redemocratização faliu, produzindo um
cenário de finanças públicas estraçalhadas e motores do crescimento econômico
enferrujados.
O Brasil vem em febre baixa há algum tempo e uma das
facetas mais visíveis do desconforto social é o assustador número de
desempregados, cerca de 13 milhões de pessoas, sem contar quase outros tantos
em ocupações precárias.
A própria eleição de Jair Bolsonaro foi uma resposta a
esse modelo disfuncional que, na esfera política, esteve sempre ancorado no
chamado presidencialismo de cooptação, fonte de escândalos de corrupção que
corroeram a legitimidade de mais de um governo.
Porém, mudar pessoas não muda o sistema, que continua aí,
firme e forte. Bolsonaro terá de ceder ao Centrão para governar, correndo seus
riscos.
O problema para ele, entretanto, é que a legitimidade de
um governo depende não apenas do aspecto moral, mas também do aspecto
pragmático, isto é, da capacidade de entregar resultados. O que, dadas as
condições estruturais da economia e do sistema político, será muito difícil em
um horizonte de curto e médio prazos.
A febre, desse modo, tem tudo para aumentar, mas isso não
significa necessariamente que o paciente convulsionará. O sapo das palestras de
autoajuda que se deixa cozinhar lentamente é um mito (em testes reais, ele
salta). O sapo, na verdade, somos nós: o ser humano se adapta a quase tudo e
uma forma comum de reação à água que esquenta é por meio da resignação.
Obviamente há casos em que a insatisfação popular ferve e
toma as ruas –esse é um dos principais riscos no horizonte de legitimidade do
atual governo.
Para entender como isso pode acontecer, é útil nos
socorrermos de um conceito de sistemas complexos com nome complicado: a
criticalidade auto-organizada (self-organized criticality).
Assim como acontece em sistemas naturais quando se trata
de terremotos, avalanches e incêndios florestais, a ideia é que sistemas
sociais também carregam consigo as sementes do ajuste brusco. Nessa visão, que
explica problemas diversos como acidentes aéreos, estouro de barragens e
protestos sociais, o sistema é inevitavelmente levado por seus agentes a
condições críticas, que se “resolvem” por meio de chacoalhões imprevisíveis e
de intensidade variável.
No Brasil, a insatisfação popular, alimentada pelo
agravamento do quadro socioeconômico, tem tudo para continuar deixando a
sociedade em estado crítico. Esse estado pode simplesmente se arrastar sem
grandes consequências por um bom tempo, na medida em que as pessoas internalizam
a resignação, ou pode evoluir para protestos de intensidade variável, com
potencial, no limite, para esgarçar o tecido social do país.
TSUNAMIS
O conceito de criticalidade auto-organizada já foi
empregado para entender como surgiram terremotos sociais de alta intensidade,
como a Primavera Árabe e a Revolta da Tortilha no México. São fenômenos com
causas múltiplas, que desafiam visões lineares de mundo.
No que é importante aqui, um sistema em estado crítico
frequentemente só precisa de um catalisador ou de eventos triviais para entrar
em ebulição, seja um cigarro jogado em folhas secas de uma floresta, seja um
pequeno protesto em uma sociedade irritada.
No caso da Revolta da Tortilha em 2007, o sistema foi
empurrado para um estado crítico em função da confluência de diversos fatores,
como o tratado comercial que favoreceu a entrada do milho americano subsidiado
no México, diminuindo a produção doméstica e empurrando agricultores
empobrecidos para as cidades. O terremoto aconteceu quando um súbito e
explosivo aumento do preço do milho tornou a tortilha, que é base da
alimentação mexicana, inacessível para os mais pobres, levando multidões às
ruas e estremecendo o país.
No caso dos países árabes, o estado crítico foi causado
por fatores que também incluíram o forte aumento no preço dos alimentos. A revolta se iniciou com a autoimolação de um
vendedor de rua tunisiano em 2010, em protesto contra o confisco humilhante de
sua balança. Rapidamente, o que era fagulha explodiu em incêndio social,
chacoalhando o sistema político da Tunísia e de diversos países próximos.
No Brasil, tivemos o exemplo dos protestos iniciados em
São Paulo a partir de 2013 contra o aumento das passagens de ônibus, que
rapidamente serviram de modelo e válvula de escape para a insatisfação popular,
culminando tempos depois nos protestos que esvaziariam a legitimidade do
governo Dilma.
O caso da greve dos caminhoneiros também é ilustrativo.
De causas diversas, a insatisfação da categoria explodiu, como argumentamos à
época, com a política de reajustes frequentes da Petrobras.
Esses são dois exemplos de terremotos sociais que
passamos a testemunhar no Brasil nos últimos anos. Como nosso modelo não mudou
e deve continuar produzindo insatisfação popular, é razoável esperar que o
sistema continue em estado crítico, propenso a chacoalhadas.
Bolsonaro não está errado, assim, em esperar por
tsunamis, como declarou semana passada.
Sr Hamilton; parabéns por ser artigo que deveria ser lido por todos nós brasileiros; pelo menos, não seremos pegos de surpresa! como diria: EU AVISEI!!!!
ResponderExcluir