O país atravessa momento de aguda crise política, com a
dissolução de fato de seu sistema partidário, imerso na corrupção revelada pela
Operação Lava-Jato e com a deterioração de sua escora institucional, o sistema
judicial superior, vazado pelo casuísmo atrelado a interesses oligárquicos. O
estado brasileiro está, assim, em condição falimentar. Os partidos, numa
república constitucional, são entidades que representam o povo, em seus
diversos segmentos, apenas se tiverem a capacidade de o organizarem
politicamente e, nessa medida, o afastarem de tentações extravagantes, como a
salvação autoritária. Para isso, devem possuir capital moral e consistência
programática, justamente as virtudes cívicas das quais, nos últimos anos, os
grandes partidos nacionais se afastaram. Já no plano judicial, a
degeneração ocorre quando a aplicação da justiça se torna o seu contrário,
passando a ser condicionada pela proteção de grupos ou indivíduos
privilegiados. O Supremo Tribunal Federal, que se tornou palco rotineiro de
disputas de vaidade e de acusações de má conduta recíprocas por parte de seus
membros, de modo inaceitável ainda se expõe à sociedade como fonte de
insegurança jurídica, de desordenamento, pelo simples fato de admitir, ou pior,
ameaçar, alterar decisão consagrada em jurisprudência recente, quando está em
jogo a execução da pena de um ex-presidente, por corrupção e lavagem de
dinheiro. Uma interpretação vicária, nesse caso, não passará de casuísmo de
motivação inconfessável e indisfarçável, seja lá qual for a forma embelezada
com que venha a se apresentar. Não é por menos que essa ameaça motivou, de
forma inédita, a manifestação de milhares de juízes e membros do ministério
público pela manutenção da prisão após julgamento em segunda instância, o que,
por si só, revela a desorganização institucional interna vivida pelo poder
judiciário, com a corte suprema dissociada das demandas das instâncias
inferiores.
O pano de fundo político da crise é, assim, o
descompasso, hoje evidente, do que se espera das instituições numa sociedade
pacificada e o que, em contraste, estão nos oferecendo seus meios de
organização, os grandes partidos e o sistema judicial. Os partidos, dilapidados
pela ausência de capital moral, e a alta corte, imersa em degradada parcimônia
para com um criminoso, comportam-se passivamente diante da grotesca rebeldia do
ícone da mera ralé, que não pode ser confundida com o povo. A ralé não almeja a
ordem representativa ou jurídica, como o povo o faz, mas busca na figura de um
homem forte, de um líder, o modo pelo qual se expressa politicamente. É um erro
pensar que a ralé se compõe apenas do populacho ignorante. Dela também fazem
parte intelectuais e sectários de todo o tipo que odeiam a sociedade e a ordem.
Ela se vê representada na figura politicamente desafiadora de Lula, que
sobrevive, apesar dos crimes, dos escândalos e das trapaças públicas, nos ritos
de uma esquerda que não tem mais nada a oferecer ao povo além da integralidade
da mentira. E somente a ralé aceita esta aliança. A enganação metódica proposta
por Lula e pelo PT disputa espaço com a ação moral na política, e dela surgem
caravanas de um condenado, que ofendem o senso cívico comum. Esse mesmo senso
exige, hoje, a prisão de Lula. Assim, veremos, nesta quarta-feira, quem será
vitorioso no embate que se prenuncia: se a ralé, que deseja subverter a ordem
das coisas para impor seus instintos à nação, ou o povo que, mesmo de forma
inarticulada, não suporta mais ser o polo passivo da desordem institucional.
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