Artigo, Marco Antonio Villa, O Globo - O tenentismo quer voltar
Estamento militar quer se recolocar na política. Tenta
construir projeto intervencionista. Não sabe de onde partir
Em outubro de 1891, Joaquim Nabuco, em carta enviada ao
amigo Aníbal Falcão, escreveu: “Já lhe respondi que se quisesse entrar
novamente em política, primeiro assentaria praça (é um pouco tarde, não lhe
parece?) por estar certo de que o melhor governo que a República pudesse dar ao
país seria incapaz de receber direção que não partisse dos próprios quartéis.
Vocês, republicanos, substituíram a monarquia pelo militarismo sabendo o que
faziam, e estão convencidos de que a mudança foi um bem. Eu […] pensei sempre
que seria mais fácil embarcar uma família do que licenciar um exército.”
Até 1889, os militares tinham papel pouco relevante na
cena nacional. O militarismo era um mal platino. A sucessão de golpes de
Estado, típica da região, era inexistente no Brasil. No Segundo Reinado
(1840-1889), a maioria dos ministros do Exército e da Marinha foi civil. As
atribuições das Forças Armadas estavam determinadas nos artigos 145 a 150 da
Constituição. A obediência ao Poder Executivo era clara: “a força militar é
essencialmente obediente; jamais se poderá reunir sem que lhe seja ordenado
pela autoridade legítima.” (artigo 147)
As Forças Armadas foram arrastadas à política, agindo
corporativamente, quando da Questão Militar. Os liberais foram os principais
agentes naquele processo. Estimularam a desobediência castrense acreditando
que, dessa forma, enfraqueceriam seus adversários, os conservadores. Ironicamente,
em novembro de 1889, foram derrubados — e com eles, a monarquia — por um golpe
militar.
A entrada dos militares na política foi nociva ao país e
às Forças Armadas. Na maioria dos estados — antigas províncias — a República
foi proclamada pelas guarnições militares. O entusiasmo pela política foi tão
grande que para a Assembleia Constituinte, escolhida em setembro de 1890, foram
eleitos 54 constituintes militares: 40 deputados e 14 senadores. Desde então,
tiveram papel permanente na política, participando ativamente dos embates
eleitorais e agindo como uma corporação que estaria acima das instituições,
como uma espécie de reserva moral da nação, um caricato Poder Moderador.
Nos anos 1920, o militarismo renasceu como elemento
renovador da política. O tenentismo serviu como receptáculo reunindo a
insatisfação militar da jovem oficialidade com os rumos do país. Tinha apoio
civil. Mas, na sua essência, desprezavam a política e os “casacas”, forma
depreciativa como se referiam à elite dirigente. O salvacionismo levou às
rebeliões de 1922, 1924 e à Coluna Prestes. E, em 1930, chegou ao poder sob
direção — ironia da história — de um civil. Tomaram e expandiram o aparelho de
Estado.
Determinaram os rumos do país tanto nos momentos
democráticos, como nos autoritários. Basta recordar que durante o populismo
(1945-1964), nas quatro eleições presidenciais, sempre houve candidatos
militares. Mesmo assim — ou apesar disso — estiveram presentes nas conspirações
e golpes ocorridos no período, como na pressão contra a posse de Getúlio
Vargas, em 1951, na crise de agosto de 1954, nos dois golpes de Estado de novembro
de 1955, nas revoltas de Jacareacanga e Aragarças no governo Juscelino
Kubitschek, na crise da renúncia de Jânio Quadros, em agosto de 1961, e,
finalmente na derrubada de João Goulart, em abril de 1964.
De 1964 a 1985, o militarismo nunca foi tão dominante.
Determinou o rumo do país, inclusive do processo de transição para o regime
civil. Centenas de militares ocuparam postos na estrutura estatal. As polêmicas
castrenses ocuparam o espaço da política. Tudo era definido de acordo com os
interesses das Forças Armadas. Os cidadãos eram meros espectadores, pois havia
brasileiros mais iguais que outros. Isto foi absolutamente nocivo ao
aperfeiçoamento profissional das três armas e — por mais paradoxal que seja — à
segurança nacional, tão propalada pelos generais-presidentes.
Os governos civis não conseguiram colocar os militares
nas funções constitucionais e muito menos elaborar uma doutrina que definisse
claramente o papel das Forças Armadas. Também — forçoso reconhecer — as
lideranças castrenses não souberam produzir propostas que pudessem ser
debatidas pela sociedade destacando, por exemplo, a importância de um país com
as dimensões do Brasil ter um orçamento militar adequado. Ficaram na defensiva
tentando legitimar os atos dos anos 1964-1985. Perderam tempo. Este não era o
principal embate. Optaram pelo discurso, ao invés da ação.
Agora, ainda sem clareza do que fazer, o estamento
militar quer se recolocar na política. Tenta construir um projeto
intervencionista. Não sabe de onde partir, nem como fazer. Buscar no
guarda-roupa da história a roupagem tenentista vai transformar a ação das
Forças Armadas numa comédia pastelão. As sucessivas declarações políticas de
altos oficiais violam o regulamento disciplinar das três forças. E não passam
de respostas desesperadas, símbolos da esterilidade corporativa.
Pior será se os militares forem seduzidos pelas novas
vivandeiras que rondam os quartéis. São os oportunistas de sempre. Para as
Forças Armadas, quanto mais distantes da política partidária, melhor. Mais
ainda do atual processo eleitoral para a Presidência da República. Desenterrar
o modelo do soldado-cidadão, que serviu para justificar o golpe militar
republicano e as diversas intervenções ao longo do século XX, conduzirá o país
e as Forças Armadas a uma grave crise política e institucional. A advertência
de Joaquim Nabuco está de pé. Não foi ouvida em 1889. Espero que seja ouvida
agora.
Mas que cagaço!
ResponderExcluirFaltou dizer que o único civil doa Dezoito do forte era um gaucho de Quarai, Octavio Correa, tombou com um certeiro tiro no coração, sem saber ao certo o que estava acontecendo.
ResponderExcluirhttp://blogdopolibiobraga.blogspot.com.br/2018/02/dica-de-livro-o-gaucho-otavio-e-os-18.html
Concordo. Mas é preciso lembrar que certa esquerda que sempre está a ameaçar tomar o poder no Brasil e implantar sua ditadura, não está enquadrada na definição de "política partidária". Eles são conspiradores e devem ser contidos, se necessário, pelos militares.
ResponderExcluirO nobre historiador coloca muito bem os perigos de uma intervenção militar, porém esquece que o regime atual é muito mais deletério que o corporativismo das FFAA. Será que o Marco Antônio acredita que o congresso pode fazer as reformas estruturais que necessitamos? E um planejamento de governo? Infelizmente a hora é de se centralizar poderes e não de manter a difusão que não resulta numa ação eficaz de atendimento ao interesse coletivo. Do jeito que estamos, nosso destino é a estagnação com uma tendência de sermos vítimas de mais um episódio de populismo com tendências de degeneração tipo Venezuela. Intervenção militar não é solução definitiva, nem nunca foi, mas é um remédio eficaz para casos crônicos como o que vivemos atualmente. Vivi o regime militar, não gostava, mas confesso, vivia-se infinitamente melhor que nesse arremedo de regime democrático.
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