Lula, o Chefe
09/05/2015 - 02h15
O Brasil é o país dos segredos de domínio público, os
tais segredos de polichinelo. O da vez foi “revelado” pelo ex-presidente do
Uruguai, José Mujica, a quem Lula confessou, em 2010, não apenas saber do
Mensalão, mas de tê-lo promovido e sustentado, por entender que “não há outro
modo de governar o Brasil”.
O depoimento está no recém-lançado livro “Uma Ovelha
Negra no Poder”, em que Mujica conta a dois jornalistas amigos, Andrés Danza e
Ernesto Tulbovitz, sua passagem pela presidência do Uruguai. Não o faz com o
objetivo de denegrir Lula.
Muito pelo contrário, é seu amigo e o admira – e faz
questão de distingui-lo de Collor, que, segundo ele, seria um corrupto de
verdade, sem explicar exatamente o que os distingue. Talvez o fato de que
Collor não teve sucesso.
E aí está um dos aspectos mais interessantes dessa
história. Mujica supunha estar falando do óbvio (e estava): o papel de Lula no
Mensalão. Um papel que ninguém ignora, a não ser, claro, a Justiça brasileira e
a oposição de então, que evitou pedir o seu impeachment. Se suspeitasse dos
problemas que causaria ao amigo, provavelmente não falaria. Mas falou - e,
nestes tempos de Petrolão, recolocou em cena o perfil moral do Chefe do PT.
Em 2010, o Mensalão já tramitava há cinco anos no STF. E
Lula, em relação a ele, já havia se manifestado das maneiras mais
contraditórias. De início, disse que não sabia de nada; depois, que foi traído.
Chegou a dizer que o PT devia desculpas ao país.
Mas, à medida em que o tempo passava, convicto de que
nada iria ocorrer, assumiu tom desafiante. Disse que o Mensalão jamais havia
ocorrido, que era uma invenção da oposição (a mesma que o havia livrado do
impeachment) e que estava convencido de que não passara de uma tentativa de
golpe de estado.
Mais: prometeu que, tão logo deixasse a presidência, iria
se dedicar a investigar por conta própria o caso. Bravata ridícula, na medida
em que tal tarefa não cabe a um ex-presidente, que é um cidadão comum,
desprovido dos meios de investigação, que pertencem ao Estado. Se queria
investigar, o lugar de fazê-lo era na presidência – e não em São Bernardo ou no
sítio de Atibaia.
A alegação de que não sabia foi, de imediato, desmentida
por dois personagens: o então deputado Roberto Jefferson, delator do esquema
(em quem Lula dizia confiar ao ponto de não recear em lhe dar um cheque em
branco), e o governador de Goiás, Marcone Perillo – a quem chamava de
“companheiro” e a quem agradeceu publicamente a ideia de juntar as bolsas
sociais do governo FHC numa só, a Bolsa Família. Tornou-se seu inimigo figadal.
O importante nessa “revelação” de Mujica não é o fato em
si, que ninguém jamais ignorou – a não ser o então procurador-geral da
República Antonio Fernandes de Souza, que excluiu Lula da denúncia - mas a
justificativa do ex-presidente: não há outro meio de governar o Brasil. Só pela
corrupção.
Esse modo estrábico (e imoral) de enxergar o país explica
as inúmeras denúncias que envolvem os governos do PT, não apenas no âmbito
federal, mas também nos âmbitos estaduais e municipais. Explica os assassinatos
dos prefeitos Toninho do PT (Campinas) e Celso Daniel (Santo André), até hoje
sem solução.
Explica o Petrolão e os saques, entre outros, aos fundos
de pensão, BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica, Dnit, Eletrobras e onde
mais haja cofres abarrotados. Só roubando – eis o mote a aplacar eventuais
crises de consciência. Lula também disse a Mujica, em relação ao Mensalão, que
se sentia “um pouco” culpado. Só um pouco. Quando o caso se aproximava do
julgamento do STF, abordou o ministro Gilmar Mendes em busca de adiamento.
Tentou chantageá-lo, sem êxito, por meio da CPI do
Cachoeira, o bicheiro que financiava políticos (sobretudo do PT), em que seus
aliados buscaram transformar o papel investigativo de uma revista, a Veja, em
cumplicidade com o bicheiro.
Também não funcionou. Lula escapou do Mensalão – um crime
que, não obstante envolver menos dinheiro que o Petrolão, tem simbolismo mais
grave, por se tratar da compra de um poder da República (o Legislativo) por
outro (o Executivo). Os ministros Celso de Melo e Ayres Brito, do STF, o
classificaram de tentativa de golpe, de crime contra o estado e a democracia.
Nesses termos, tudo saiu muito barato: os agentes políticos estão todos soltos.
E aí surge o Petrolão. Lula repete a pantomima: não sabia
de nada, não fez nada – não houve nada. Tudo não passa de tentativa para
denegrir o PT e derrubar Dilma (cujo impeachment, clamado nas ruas, é mais uma
vez blindado pela oposição).
O serviço (involuntário) que o companheiro Mujica prestou
foi o de ter revelado (ou confirmado) ao país que o roubo, no PT, não deriva
apenas de uma fraqueza humana pelo enriquecimento fácil, mas da convicção
ideológica de que é uma ferramenta de governo. Sem ele – eis a lógica - não se
governa. Isso explica tudo o que aí está - e deixa claro que, com esses
pilotos, não há chance de a embarcação Brasil chegar a porto seguro.
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