Delfim Neto, Valor - Enfrentemos o problema da siderurgia

Depois de mais de 100 mil anos de experimentação na sua aventura para ocupar o mundo, as várias tribos do "homo sapiens-sapiens" encontraram através de uma seleção histórica quase natural, uma particular organização social a que chamam de "civilizada". 
É uma sociedade que combina a relativa liberdade individual que empodera na urna (a democracia) o cidadão para a redução das desigualdades e gera relativa eficiência econômica pelo uso de mercados bem regulados. Não é nem "justa", nem "estática", mas tem enorme capacidade de adaptação. 
Cada tribo procura três autonomias: 1) a alimentar; 2) a energética; e 3) uma capacidade de defesa dissuasiva, que lhes garantem o desenvolvimento, a troca pacífica entre si e a paz no longo prazo. Ela se reconhece em todos os países desenvolvidos. Está, também, implícita na nossa Constituição de 1988. 
Pois bem, que decisão os brasileiros precisam tomar agora se desejam conservá-la? Exigir que o governo assuma suas responsabilidades e apoiá-lo no convencimento da sua "base" (o PT) sobre a necessidade urgente de aprovação das reformas institucionais que estabilizarão a situação fiscal no longo prazo. Com isso, ele recuperará a confiança da sociedade, e o Brasil o seu desenvolvimento, sem o que nem o ajuste fiscal terá sucesso. 
Mas há problemas de curto prazo que exigem ação imediata. Por exemplo, nos últimos anos perdemos a produção de alumínio (onde nossas vantagens relativas eram imensas) e a do níquel (onde a tecnologia era a do estado da arte). Estamos agora a assistir, perplexos, a mesma paralisia governamental levar à destruição o setor siderúrgico nacional, cuja demanda desabou em 2015. 
O governo finge esquecer que nos últimos 20 anos estimulou a importação da China para controlar a inflação. Roubou-lhe, lentamente, as condições isonômicas de competição que tinha: tributação moderada, taxas de juros e de câmbio reais competitivas, desoneração completa dos impostos na exportação e razoável tarifa efetiva. 
Existem, ainda, "idiots savants" que creem que a China é uma economia de mercado que exporta ao custo marginal? Ou que seus preços de exportação vão continuar os mesmos quando destruir seus competidores? É inegável que a economia chinesa ajudou a mundial. Ela é, pelo menos parcialmente, fruto da estratégia geopolítica dos EUA que, para acelerar a destruição da URSS, abriu-lhe seu mercado interno. Sua mão de obra barata e sem assistência social, permitiu a todos os governos mitigarem a sua inflação importando da China e jogando no lixo as regras do comércio razoavelmente moralizado que se propunha na OMC, como se esse processo fosse durar eternamente... 
A siderurgia não é uma indústria qualquer. Uma nação com 200 milhões de habitantes e US$ 11 mil de renda per capita em paridade de poder de compra e mais de 100 mil empregos diretos na siderurgia (cerca de 3 milhões entre diretos e indiretos), não pode dar-se ao luxo de perdê-la, porque com ela se irão partes importantes da nossa autonomia alimentar, energética e militar. 
O setor é altamente complexo. Mas não há dúvida que, no chão da fábrica, o nosso é competitivo. Se considerarmos o nível da capacidade e as tecnologias, não somos muito diferentes da Alemanha ou da Turquia. Do portão da fábrica para fora, entretanto, onde se depende do governo, a situação é desastrosa!
Não há como competir com a China, uma economia basicamente estatizada, num setor com incontáveis distorções de preços que nada têm a ver com os de mercado. Em 2003, ela produzia 220 milhões de toneladas de aço bruto (23% da produção mundial) e em 2014 produziu 823 milhões de toneladas (49% da produção mundial). No mesmo período, suas exportações de aço passaram de 7,4 milhões de toneladas para 93 milhões (três vezes a nossa produção), graças a artifícios que todos fingem não ver. Certamente, não por conta da mítica eficiência dos seus burocratas, mas pelo efeito do subsídio adicional visível que só em 2015 foi da ordem de US$ 10 bilhões! 

Que em Brasília, "nessum dorma"! Nas próximas semanas o setor precisa de um programa ágil e inteligente: 1) que lhe permita, no curto prazo, operar em torno de 85% da capacidade (uma demanda total da ordem de 40 milhões de toneladas) ao nível de preços internacionais sustentáveis no médio prazo; 2) que altere as tarifas efetivas para reduzir a quantidade de aço importado; e 3) que estimule fortemente as exportações com prazos e juros internacionais. O setor não precisa de subsídios, mas, apenas, da volta das condições isonômicas de competição que lhe tiramos! Não será fácil. Mas a relação custo/benefício é tão pequena, e a siderurgia tão importante, que vai excitar a responsabilidade ativa e o senso de urgência do governo.

Um comentário:

  1. Caro Políbio

    Sen vc um jornalista que respeito faça o favor até de publicar os artigos do Delfim Baleia mas coloque uma manchete o esculachando já que sempre apoiou o governo petralha e agora vive dando receitas milagrosas , faça-nos este favor. Vagabundos tem de ser tratados como vagabundos !!! Obrigado !

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