Segundo ex-presidente, essa é única saída para a crise
política e econômica do Brasil
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) afirmou
que a petista Dilma Rousseff precisa ser afastada da Presidência pelo
Congresso. Segundo ele, essa é a única saída para as crises políticas e
econômica.
No início deste ano, FHC chegou questionar a legitimidade
do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), réu no Supremo Tribunal
Federal, para conduzir o processo de afastamento. Mas, depois do último dia 13,
quando milhares de brasileiros se uniram no maior protesto contra Dilma e o PT,
ele afirma que a legitimidade do processo não vem do Congresso, mas das ruas.
FHC diz que o PSDB deve contribuir com eventual governo
do atual vice-presidente, Michel Temer (PMDB), com ou sem cargos na Esplanada
dos Ministérios. O ex-presidente negou que tenha enviado recursos de maneira
ilegal para a jornalista Mirian Dutra no exterior, com quem manteve um caso
extraconjugal, e disse que não participou da decisão
dela de deixar o Brasil.
Agência Estado: No fim do ano passado, o senhor mantinha
dúvidas em relação ao impeachment da presidente Dilma Rousseff. Mudou a
percepção do senhor?
Fernando Henrique Cardoso: Mudou. Eu fui passo a passo.
Cheguei a defender que ela tivesse um gesto de grandeza e renunciasse. Eu
sempre procurei ter uma atitude serena em relação a esses processos políticos e
especialmente em relação à presidente Dilma. Dificilmente você vai ver uma
palavra agressiva minha em relação à presidente Dilma. Não apenas pela
consideração institucional, mas também pessoal. Mas com a incapacidade que se
nota hoje de o governo funcionar, de ela resistir e fazer o governo funcionar,
eu acho que agora o caminho é o impeachment. Se eu bem entendi o que as ruas
gritaram, foi isso. As ruas gritaram (no dia 13) renúncia, fim, impeachment.
AE: Mas o senhor sempre alertou que esse era um processo
doloroso...
FHC: Continua sendo doloroso, mas os fatos se impõem. Tão
doloroso quanto o impeachment é a assistir ao desfalecimento da economia e da
sociedade.
AE: E a ação de seu partido, o PSDB, no TSE, para
impugnar o mandato?
FHC: Ela é demorada e permite recurso no Supremo. Deve
seguir, mas eu acho que, neste momento, se requer urgência para uma solução no
Congresso.
AE: E o pós-Dilma, caso o impeachment venha a se
concretizar?
FHC: As instituições brasileiras estão mais sólidas do
que estavam no impeachment do ex-presidente Fernando Collor (1992). Não há
temor de um retrocesso institucional. Tudo na política depende não apenas das
circunstâncias mas da capacidade de condução do processo. No caso do
impeachment, o natural é que assuma o vice, o Michel Temer. Vai depender dele e
das forças que ele for capaz de juntar. O País quer a continuidade da Lava
Jato, soluções para as questões econômicas prementes, respeito à
institucionalidade.
AE: Como senhor avalia a crise?
FHC: Eu fiquei chocado com o que vi nesta última semana.
A maneira pela qual pessoas que são detentoras de cargos públicos e, no
particular, nas conversas, alimentam motivações, ideias e desejos que não são
institucionais, usando inclusive palavras de baixo calão, falando "nessa
hora vamos quebrar o pau, você tem de fazer não sei o que não sei o que lá, tem
de forçar..."
AE: O senhor está se referindo as grampos do
ex-presidente Lula?
FHC: Não só do Lula. Do Lula eu fiquei mais estarrecido
com o depoimento dele à Polícia Federal. Eu fiquei estarrecido, sabe por que?
Porque eu também sempre que pude preservei a memória do Lula. Eu conheço o Lula
há décadas, vi o Lula em São Bernardo (do Campo). Você se lembra que quando o
Lula ganhou na eleição do candidato do meu partido e fiz tudo para que houvesse
uma transição dentro das instituições. Foi com emoção que eu passei a faixa pra
ele e vice-versa. São momentos densos historicamente. Você ver o Lula enterrar
a própria história? Isso me dá tristeza. Eu não comemoro esse fato, me dá
tristeza, bem ou mal o Lula teve um papel no Brasil. Você lê o depoimento dele
à Polícia Federal... As palavras que ele usa, a negativa sobre qualquer
responsabilidade sobre qualquer coisa. O Brasil está precisando do contrário
disso. Se alguém vier a suceder a Dilma, esse alguém tem de transmitir ao País
um sentido simbólico até de respeitabilidade, responsabilidade, cuidado com as
palavras, atenção ao povo e, sobretudo, um sinal de que é capaz de unir o País.
Não se trata apenas de coesão com os partidos, que estão na sua pior fase, se
trata de coesão com o País. Quem vão ser os ministros? Pessoas que sejam
comprometidas com as suas áreas.
AE: O PSDB, se for chamado a participar de um novo
governo, deve dizer sim?
FHC: O PSDB necessariamente deverá responder o que se
espera dele, que é ajudar dar rumo ao Brasil. Quem comanda é quem dá a
pincelada fundamental, é o presidente. O PSDB não pode dizer "eu quero ser
ministro". O PSDB tem de perguntar ao presidente o que ele vai fazer com o
País. Se estiver de acordo, tem apoiar. Necessariamente, não significa
ministério. Ir além disso, é fazer especulação.
AE: Qual a primeira tarefa do novo presidente?
FHC: Mudar a estrutura político-eleitoral. Isso não se
faz do dia para a noite. A eleição, com as regras de hoje, repete a Câmara e o
Senado. O sistema está truncado. Até 2018 de mudar isso. A rua não confia no
sistema.
AE: E o parlamentarismo?
FHC: Sou parlamentarista, mas hoje não há condição. Sem
haver base partidária sólida, não tem como. O futuro presidente pode criar
condições para. Parlamentarismo agora é o poder ao Congresso. Quem vai ser o
primeiro ministro? O presidente da Câmara também é atingido (pela Lava Jato).
AE: Eduardo Cunha tem legitimidade para conduzir o
impeachment?
FHC: A legitimidade do impeachment não está vindo do
Congresso hoje, está vindo da rua.
AE: O senhor é alvo de uma investigação da Polícia
Federal...
FHC: Ainda não, mas espero ser.
AE: De qualquer forma, já foi anunciado pelo ex-ministro
da Justiça José Eduardo Cardozo que o senhor será por conta das acusações da
jornalista Mirian Dutra de que o senhor fez remas para o exterior de maneira
ilegal.
FHC: Essa senhora foi contatada por uma empresa que não
era brasileira. Remeter o que? Para quem? Se o pagamento era feito lá fora por
uma empresa não brasileira? Se crime tivesse, já teria sido prescrito, foi em
2002. Ela foi contratada no meus últimos 15 dias de mandato. Nunca remeti
divisa nenhuma. Eu fui professor nos Estados Unidos, no Chile, na França, na
Inglaterra. Eu tinha conta em todos esses lugares, registrados, de maneira
legal. Eu acho bom (a investigação) para acabar com as suspeitas que foram
lançadas por uma única pessoa, sem nenhum documento,
nem nada. Agora, eu, com todo brasileiro, tenho obrigação
de esclarecer se me disserem o que eu fiz.
AE: Ela disse numa entrevista que foi exilada no exterior
(segundo a jornalista, em entrevista à Folha de S.Paulo, ela se sentia exilada
na Europa depois de ter deixado o Brasil quando teve um filho que chegou a ser
atribuído a FHC) e que o senhor teria participado desse exílio...
FHC: Nunca. Absolutamente, nunca. Pergunte a ela como foi
o processo dela ir para fora. Eu não sabia.
AE: É possível reverter o cenário atual com o curso em
curso ou a mudança é obrigatória na sua visão?
FHC: Quando há a ameaça de que esse governo vai ser
substituído, a bolsa sobe e o dólar cai. A questão fundamental é de credibilidade.
Chegamos a este ponto por erros acumulados de política econômica, mais da Dilma
do que Lula. O Brasil saiu um pouco da linha da história.
AE: Michel Temer tem condições de liderar esta momento?
FHC: A história faz o líder.
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