Cada vez mais, felizmente, verifica-se que as
investigações da Operação Lava Jato vão deixando de constituir um ponto fora da
curva no combate à corrupção no país.
Registraram-se, recentemente, iniciativas da Polícia
Federal fora do âmbito do chamado petrolão, em casos como o das contas de
campanha de Eduardo Campos (PSB), morto em 2014, e o da Operação Custo
Brasil —que levou o ex-ministro petista Paulo Bernardo a ser preso por
seis dias.
Numa ação conjunta da PF em São Paulo, no Rio e em Brasília,
abre-se agora a caixa-preta das irregularidades na Lei Rouanet. Segundo os
investigadores da Operação Boca-Livre, armara-se desde 2001 um esquema
destinado a obter vantagens dos mecanismos de isenção tributária previstos na
legislação de incentivo à cultura.
Ao longo desse período, cerca de R$ 180 milhões teriam
sido desviados em benefício de atividades estranhas aos projetos originais.
No exemplo mais gritante, uma cerimônia de casamento numa
praia em Florianópolis foi financiada com recursos oficialmente destinados a
atividades culturais.
O noivo era o herdeiro de um grupo empresarial
especializado em conseguir a benesse tributária, com atuação no Ministério da
Cultura e na Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo.
Apresentações musicais para público de baixa renda eram
irregularmente substituídas por shows de interesse privado, como os que,
segundo a PF, serviram para entretenimento de convidados de um escritório de
advocacia ou de uma empresa de produtos químicos.
Tudo, repita-se, financiado por isenções de impostos: o
que equivale a dizer que provinha do conjunto da população brasileira o
pagamento de tertúlias voltadas ao deleite de alguns convivas.
O escândalo coincide com uma crescente onda de críticas
ao funcionamento da Lei Rouanet, instrumento que sem dúvida necessita de
urgente aprimoramento.
O sistema de renúncia fiscal para incentivo à cultura não
se confunde, entretanto, com uma fraude em que não se incentivou a cultura, e
sim o puro proveito privado.
Por ausência de fiscalização, projetos em tese meritórios
—como a distribuição de livros à população carente— financiaram publicações de
cortesia para clientes de empresas ou a biografia de um empresário que, com
isso, liberava-se de pagar parte de seus impostos.
Abusos desse tipo haverão de se ter multiplicado ao longo
da vigência da Lei Rouanet. Cabe revisá-la em seus critérios e amplitudes, mas
nenhuma modificação terá eficácia se faltar a fiscalização adequada —e, sempre
que necessário, a pronta punição dos corruptos.
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