Quero o meu, e que se dane o mundo
O agravamento da crise não foi suficiente para convencer
os gaúchos de que o Estado chegou ao fundo do poço e que alguma coisa precisa
ser feita
Parece incrível que depois de nove meses de atraso no pagamento
dos salários dos servidores do Executivo, boa parte da população do Rio Grande
do Sul ainda não tenha se convencido de que o Estado chegou ao fundo do poço.
Cada um quer preservar as suas "conquistas" – ou feudos, privilégios,
benefícios e direitos adquiridos de forma legítima ou ilegítima. Como a
arrecadação não cresce na proporção das necessidades e foi seriamente afetada
pela recessão, a conta não fecha. No puxa e estica, quem pode mais chora menos.
E a maioria da população, que deveria receber serviços públicos de qualidade
como contrapartida aos impostos que paga, assiste à progressiva descida rumo ao
abismo, sem perspectiva de recuperação no curto e médio prazos.
Aqui não se está falando apenas das corporações que lotam
as galerias da Assembleia quando está em jogo a aprovação de reajustes,
benefícios ou planos de carreira que oneram o Estado. De certa forma, cada
gaúcho vê o Estado pela ótica do seu interesse, pequeno ou grande. Se o seu
lado estiver garantido, que se dane o resto. À maioria silenciosa, que nunca
entrou nas galerias da Assembleia, resta conformar-se com os sucessivos
aumentos de impostos, a transferência de obrigações, a falta de serviços.
Os empresários que
criticam as corporações de servidores públicos são os primeiros a pleitear
benefícios fiscais e a não aceitar uma revisão de isenções concedidas em tempo
de vacas gordas. As federações empresariais se mobilizam para impedir o aumento
de impostos, mas não movem um dedo para evitar o aumento de gastos, quando
estão em debate projetos do Executivo, do Legislativo, do Judiciário e do
Ministério Público que oneram os cofres do Estado. Encastelados em sua redoma,
os integrantes da casta conhecida como "carreiras jurídicas" tratam
de garantir seus acessórios, como o auxílio-alimentação retroativo, mesmo
quando aos outros falta o principal, que é o salário em dia.
As mesmas corporações que apontam as isenções fiscais
como vilãs da crise são incapazes de reconhecer que não há mais como manter a
estrutura pesada e ineficiente que resultou nesta equação perversa, com toda a
arrecadação sendo consumida na manutenção da engrenagem.
A sociedade, em geral, também não quer abrir mão de nada.
Mesmo quando se fala na venda de prédios subutilizados, para fazer frente aos
gastos, ensaia-se uma revolução. Qualquer pequena solução apontada é recebida
com desdém: "Isso não resolve". A verdade é que não há e não haverá
uma solução milagrosa, que resolva os problemas de uma tacada só. A única seria
o crescimento da economia, que não depende somente dos governos, mas que
esbarra em obstáculos como a falta de investimentos em infraestrutura para
atrair empreendimentos.
O Rio Grande do
Sul precisaria de um pacto, essa palavra desgastada e tantas vezes mal
empregada, que passou a ser vista com desconfiança. Quem haverá de liderar uma
empreitada dessas, se além de dinheiro faltam líderes com capacidade de
convencimento?
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