Artigo, Guilherme Fiuza, O Globo - O Muro de Oprah
Catherine e suas colegas disseram, com jeitinho, que
suposto despertar feminista hollywoodiano é show autopromocional
Desta vez Meryl Streep não chorou. Na edição anterior do
Globo de Ouro, suas lágrimas roubaram a cena para anunciar o fim do mundo com a
derrota eleitoral da companheira Hillary. Os Estados Unidos tinham acabado de
cair nas mãos da elite branca egoísta, e a atriz estava inconsolável diante do
destino hediondo que colhera a maior democracia do planeta. Um ano depois, o
emprego entre negros e hispânicos no país alcançou nível recorde. E o tema
deixou de comover Meryl.
Ela e seus colegas preocupadíssimos em defender alguma
vítima de alguma coisa mudaram de assunto no Globo de Ouro deste ano. Com a
desoladora notícia de que os fracos e oprimidos tinham melhorado de vida no
primeiro ano do governo assassino, a brigada salvacionista concentrou-se nos
casos de assédio sexual. A convocação da estilista que organizou o protesto dos
trajes pretos era uma fofura, tipo “não é uma boa hora para você bancar a
pessoa errada e ficar fora dessa”.
Se uma intimação assim viesse do inimigo era assédio
moral na certa.
Mas o show tem que continuar, e a butique ideológica foi
um arraso. O stand up apocalíptico de Meryl Streep em 2017 deu lugar ao palanque
apoteótico de Oprah Winfrey — aclamada, eleita e já empossada como a nova
presidente dos Estados Unidos da América. Faltam apenas uns detalhes
burocráticos, bobagens da vida real — que só existem para atrapalhar, como
mostram os números do emprego. O ideal seria se Oprah pudesse culpar o agente
laranja da Casa Branca pela marginalização dos negros, mas a realidade
atrapalhou mais uma vez.
Aí ela gritou pela mulher. Coisa linda. Todo mundo
chorando de novo, que nem no apocalipse da Meryl. Se Obama ganhou o Nobel da
Paz antes de começar a governar, Oprah era capaz de levar o prêmio ainda no
tapete vermelho. Aí vieram os estraga-prazeres lembrar a bonita sintonia da
apresentadora com o dublê de produtor e predador Harvey Weinstein — sem uma
única palavra dela sobre os notórios métodos do selvagem de Hollywood. Ainda
veio o cantor Seal, que também é negro, dizer que Oprah é “hipócrita” e “parte do
problema”. Impressionante como essa gente não sabe assistir a um happy end em
paz.
O governo Oprah deveria começar construindo um muro para
os invejosos não secarem mais o Globo de Ouro. Quem viesse com comentários
desagradáveis sobre esse impecável espetáculo demagógico seria sumariamente
deportado. Não faz o menor sentido você ter um trabalhão montando a coleção
outono-inverno do luto sexual para vir um bando de forasteiros rasgar a
fantasia e deixar o heroísmo de ocasião inteiramente nu.
Como se não bastasse, aparece Catherine Deneuve para
jogar a pá de cal no picadeiro. Mais uma invejosa. Sobe logo esse muro,
presidenta Oprah. Catherine e suas colegas disseram, com jeitinho, que o
suposto despertar feminista hollywoodiano é basicamente um show autopromocional
e não ataca o problema real. Estaremos sonhando? Será que finalmente alguém
relevante teve a bondade de dizer isso?
Não, não é sonho. E La Deneuve disse mais: essas estrelas
falsamente engajadas trazem, na verdade, uma ameaça de retorno à “moral
vitoriana”, escondida nessa “febre por enviar os porcos ao matadouro”, nas
palavras do manifesto publicado no “Le Monde”. Ou seja: não há nada mais
moralista e reacionário que o politicamente correto. Até que enfim.
Claro que a patrulha já caiu em cima, acusando as
francesas de complacência com o machismo tirânico. Retocar os fatos, como se
sabe, é a especialidade da casa. Abuso de poder para chantagem sexual precisa
ser denunciado sempre — não só quando se acendem as luzes do teatrinho,
companheira presidenta Oprah Winfrey e grande elenco enlutado. Mas montar uma
caça às bruxas fingindo que sedução é agressão — e colecionando banimentos de
grandes artistas como troféu — é igualmente abominável. Tão feio quanto
abandonar o tema da opressão aos negros quando o script do tapete vermelho é
contrariado pela realidade.
Danuza Leão disse que o desfile dos vestidos pretos no
Globo de Ouro parecia um velório. Já está sendo devidamente patrulhada, porque
não se desmascara os retrógrados moderninhos impunemente (a patrulha não sabe
com quem está se metendo). Aguinaldo Silva também anda sendo patrulhado por ser
gay e não fazer proselitismo gay — veja a que ponto chegamos. É o ponto em que
uns procuradores iluminados resolvem obrigar (repetindo: obrigar) o Santander a
remontar a exposição da criança viada para fazer a selfie “heróis da
diversidade”. Perguntem a Catherine Deneuve se arbitrariedade promocional faz
bem à liberdade sexual.
Chega de dar plateia a esses reacionários trans. Melhor
deixá-los a sós discutindo se Anitta na laje é cachorra ou empoderada.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirSabe porque não há nenhum comentário? Porque o homem disse tudo!
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