O país tem estatais para privatizar e obras por fazer. O
ministro da Fazenda acha possível convencer o mundo de que a crise brasileira é
uma grande oportunidade
O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, avançou na
semana passada mais um trechinho da maratona que tem pela frente - o ajuste das
contas públicas no Brasil. Na quinta-feira à noite, o Senado aprovou o Programa
de Parcerias de Investimentos (PPI), com que o governo de Michel Temer espera
acelerar a venda de ativos estatais e atrair capital privado. Se der certo,
ajudará o governo federal a fechar as contas. Se der muito certo, ajudará
também a gerar empregos e a tirar os governos estaduais do buraco em que se
encontram. O ministro, porém, não arreda pé de seu otimismo cauteloso. E lembra
que o ajuste terá pela frente meses e meses de discussões difíceis no
Congresso.
ÉPOCA - O governo já decidiu os detalhes da reforma da
Previdência, como idade mínima e regras de transição?
Henrique Meirelles - A reforma não está definida ainda.
Não estamos prontos para anunciar detalhes. Ela será apresentada até o fim
deste mês. Basicamente, ela precisará ter uma idade mínima, como há em vários
países, para evitar que a pessoa se aposente quando ainda tem muitos anos de
mercado de trabalho pela frente. Isso é fundamental. E temos de assegurar que
haja um período mínimo de contribuição.
ÉPOCA - Ela segue este mês mesmo? Há políticos descrentes
com a possibilidade de avançar com a reforma.
Meirelles - Existe uma discussão técnica, que é a
reforma. E existe uma discussão política, que é o melhor momento de
apresentá-la ao Congresso. A decisão de apresentar neste mês foi anunciada pelo
presidente. Parece-me uma decisão boa, por dar um sinal forte à sociedade de
que o governo tem compromisso com o ajuste fiscal e a sustentabilidade do
Estado brasileiro, e que não obedece ao calendário eleitoral. Mas, no
Congresso, a proposta será objeto de debate por um período mais prolongado. Ela
demandará meses de discussão e votações, possivelmente avançando pelo ano que
vem.
ÉPOCA - A reforma dificultará o acesso à aposentadoria.
Como convencer a população de que ela é crucial? Como discutir mudanças
dolorosas enquanto o Congresso avalia dar aumentos para funcionários públicos?
Meirelles - Temos situações ameaçando diversos países e
alguns estados brasileiros onde a Previdência começa a se aproximar da
insolvência, isto é, o estado não tem condições de cumprir suas obrigações. O
convencimento se dará à medida que se mostre aos congressistas e à população
que a reforma visa garantir o acesso à aposentadoria e aos benefícios no
futuro. E que visa garantir que o Brasil cresça, que não tenha uma carga fiscal
que o inviabilize. A reforma é para o país crescer, gerar empregos e ter
recursos para pagar uma Previdência justa, correta, de acordo com a realidade.
A mensagem tem de ser: assegurar a todos o direito a algo que eles vão, de
fato, receber.
Sobre os salários do funcionalismo existe uma discussão
sobre alocação de despesas. O pressuposto é que o país e a máquina pública
continuem a funcionar. O que não podemos é manter uma Previdência que não seja
financiável. Os efeitos da reforma serão de longo prazo, e não necessariamente
dolorosos, de curto prazo. Não será algo a punir alguém de forma injusta.
ÉPOCA - Outro pilar do ajuste é a proposta de teto para o
gasto público. Os críticos dizem que ele pode piorar serviços públicos básicos,
como saúde e educação.
Meirelles - A proposta da equipe econômica é fixar um
limite para o crescimento do gasto público. Mas o Congresso continuará com a
prerrogativa de, dentro desse limite, alocar o orçamento de acordo com as
prioridades que definir. Não compete à Fazenda interferir nas prioridades e
atribuições do Legislativo e do resto do Executivo. Propusemos um regime fiscal
por 20 anos, com metodologia fixada por dez anos, depois a ser fixada por
proposta do presidente com aprovação do Congresso por mais dez anos. Os
parlamentares são eleitos pela população para fazer esse trabalho e serão
julgados pela população nas eleições, como é justo numa democracia. O ajuste é
da maior importância porque será a primeira vez que a despesa pública cairá,
como percentagem do PIB, desde a aprovação da Constituição de 1988. A despesa
pública federal cresceu de pouco mais de 10% do PIB, em 1991, para 19,5% agora.
A proposta é para mudar a dinâmica da despesa pública no Brasil. Vai gerar
recursos para consumo, crédito e investimento na produção e na produtividade.
ÉPOCA - A tentativa de privatização mais recente, em
Goiás, falhou. Quando veremos a primeira privatização sob as novas regras,
aprovadas pelo Congresso na quinta-feira passada?
Meirelles - Não generalizo a partir de uma ou outra
situação. O plano de privatizações e concessões será anunciado ainda em
setembro, possivelmente até a sexta-feira, dia 16, com o detalhamento. O que
podemos dizer: o segredo de um projeto bem-sucedido diz respeito a três coisas.
Primeira, previsibilidade de regras; segunda, oferta de taxas de retorno
consistentes com alternativas de investimento no Brasil e no mundo; terceira,
preços mínimos compatíveis com o retorno previsto no investimento. O que nos dá
confiança no processo? Existe grande liquidez global, com a injeção de liquidez
dos grandes bancos centrais e a falta de oportunidades, dado o crescimento
sólido, mas baixo, da economia mundial. E existem oportunidades no Brasil. O
Estado é grande, existe um número razoável de estatais, muita coisa a ser
privatizada. E existe demanda. No Brasil, o tamanho continental, a produção no
interior do país, não só no agronegócio, e a deficiência de investimento em
infraestrutura fazem com que haja uma demanda grande. Quem viaja pelo Brasil vê
as filas de caminhões, as estradas ruins. O que se desperdiça no transporte
oneroso e ineficiente é mais que suficiente para pagar rodovias, ferrovias e
portos de qualidade. A previsão de receitas com concessões e outorgas em 2016 é
de R$ 22 bilhões, dos quais R$ 21 bilhões já foram arrecadados. Projetamos um
pouco abaixo de R$ 24 bilhões para essa arrecadação em 2017, um número
conservador e factível.
ÉPOCA - Houve críticas à lista para concessões do governo
anterior, vista como inflada. A lista será refeita?
Meirelles - As obras previstas não mudam. As listas são
bastante coincidentes, embora não totalmente. Foram criticados no governo
anterior os estudos técnicos e a taxa de retorno. Agora, estamos trabalhando
com projeções realistas de demanda e custo, com taxas de retorno que tornem os
projetos viáveis, com regras que garantam competição adequada.
ÉPOCA - Quais governadores já manifestaram intenção de
aproveitar as novas regras e privatizar?
Meirelles - Existem opiniões, mas não formalizadas.
Acredito que os governadores vão lançar também seus projetos de privatizações e
concessões.
ÉPOCA - Qual é o risco real de algum estado brasileiro
quebrar?
Meirelles - O que a União poderia fazer pelos estados, já
fez. Houve a renegociação da dívida, a concessão do prazo de carência até
dezembro deste ano, com uma posterior retomada progressiva dos pagamentos,
obedecendo à determinação do Supremo Tribunal Federal. Além disso, há o Rio de
Janeiro. Foi feita uma alocação de recursos especial para viabilizar todas as
despesas extras ocorridas com Olimpíada e segurança. O que estamos fazendo
agora é dar assistência técnica para que os estados contenham o crescimento das
despesas. É importante a aprovação do teto dos gastos para os estados nos
mesmos termos do federal, que já está incorporado no acordo e num projeto de
lei. Os estados já têm essa definição, que, de um lado, os obriga a cumprir
regras e, de outro, dá condições políticas para governadores negociarem com
servidores. Não é possível o estado dar mais aumento. Se der, viola o teto. Se
viola o teto, perde o direito à reestruturação da dívida. E aí vai ter de
voltar a pagar a dívida num patamar insustentável. Isso não significa que será
fácil. A situação dos estados é muito dura, e eles terão de tomar medidas
sérias.
ÉPOCA - Ser ministro da Fazenda é mais complicado
politicamente que ser presidente do Banco Central?
Meirelles - São situações muito diferentes. O BC se
reúne, tem instrumentos limitados e absoluto controle sobre o que faz. Aqui no
Ministério da Fazenda não é assim. Fazemos um trabalho intenso, num contexto em
que 80% das despesas públicas federais são definidas pela Constituição.
Trabalhamos intensamente numa proposta e, depois de ela terminada, não vamos
descansar. Vamos conversar. Essas conversas estão indo bem. Temos tido apoio da
sociedade e as conversas com congressistas vão bem, principalmente do ponto de
vista de conscientizá-los da necessidade de ajuste.
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