- Título original: O “operário” de FHC
Fernando Henrique redescobre um Lula que nunca existiu
Se Lula se livrar da penitenciária, ninguém do PT e da
“esquerda”, e muito menos o próprio Lula, vai dizer uma única palavra de
agradecimento a FHC (/)
O Lula que o ex-presidente Fernando Henrique deu para
elogiar de uns tempos para cá é um homem imaginário. Até agora ninguém parece
ter entendido direito o que ele está querendo dizer com essa súbita descoberta
de virtudes no personagem que até outro dia, pelo menos em público, o tratava
como o político mais desprezível do Brasil. Lula, na verdade, passou anos a fio
cuspindo em Fernando Henrique. Jamais admitiu que o seu antecessor na
presidência da República tivesse tido o menor mérito em nada do que fez durante
os oito anos em que esteve no governo. Ao contrário: inventou a mentira de que
tinha recebido dele uma “herança maldita”, responsável por tudo que havia de
errado no Brasil. Dirigiu-lhe ofensas pesadas. Tratou-o sempre com rancor,
despeito e inveja. Mais que tudo, Lula agiu no Palácio do Planalto de maneira
oposta às ideias gerais de Fernando Henrique. Agora, sem que se saiba por que,
tornou-se um líder político exemplar na opinião do adversário de sempre. Mudou
Lula ou mudou FHC? Lula, com certeza não mudou nada ─ ou melhor, mudou para
muito pior do que jamais foi em toda a sua carreira. Quem mudou, então, foi
FHC. É melancólico. Mas a vida tem dessas coisas ─ como mostra tão bem a
experiência, o cérebro humano não é necessariamente um lugar coerente.
Na falta de uma explicação capaz de fazer algum nexo, o
que se pode imaginar, com base no “Manual de Psicologia Para Amadores”, é que
Fernando Henrique está de volta aos seus sonhos de 40 anos atrás. Lembram-se
dele? Era, então, o retrato acabado do intelectual de esquerda brasileiro
enquanto jovem ─ ou, se preferirem, mais ou menos jovem. Trazia na alma e na
mente as fantasias clássicas do socialista de Terceiro Mundo, armado de
leituras europeias e à procura de um regime que até hoje só existiu na
imaginação das salas de aula da universidade: o “socialismo com liberdade”. Ou,
então, uma nova “ditadura do proletariado”, que viesse só com proletariado e
sem ditadura. Na São Bernardo do final dos anos 70, FHC e seus pares se
deslumbravam com a possibilidade de ver um operário de carne e osso, ou pelo
menos um líder sindical, virar uma força política de verdade. Até então, como
tantos dos intelectuais brasileiros, talvez nunca tivesse visto um operário ao
vivo e a cores. De repente, não só vê, mas descobre que um “homem do povo” como
Lula pode crescer num sistema de liberdades, com eleições, direitos
individuais, separação de poderes, etc. Bom demais, não é mesmo? Encantada, a
classe intelectual da época “pirou”, como se diz.
Depois, na vida real, Fernando Henrique esqueceu por
completo a figura da fábula ─ ao constatar que Lula, o herói das massas
populares que iria fazer a “passagem pacifica para o socialismo”, era apenas
uma invenção. Pior do que um simples equívoco, Lula era uma falsificação, como
ficou comprovado assim que passou a mandar. Junto com o PT, transformou o seu
governo, e o da sucessora que inventou, numa caçamba de lixo a serviço de
empreiteiras de obras públicas, fornecedores da Petrobras e outros marginais
hoje na cadeia, réus confessos e condenados por corrupção em massa. Onde acabou
caindo o líder operário? Foi apenas mais uma quimera desfeita ─ só isso.
No percurso entre São Bernardo e a 13ª. Vara
Criminal de Curitiba rolou uma vida inteira. Lula e FHC passaram a ser inimigos
─ os mais extremados da política brasileira moderna. Agora, aos 87 anos de
idade, Fernando Henrique faz um salto espetacular rumo ao passado ─ e passa a
orar para um herói que nunca existiu, nem na época e muito menos agora.
Justamente agora, aliás, Lula está no seu ponto mais baixo ─ condenado como
ladrão em três instâncias, por nove magistrados diferentes, abandonado pelas
“massas” e necessitado de um golpe no Supremo Tribunal Federal para não acabar
na cadeia. O ex-presidente, ex-sonhador e ex-inimigo migrou para o seu lado, é
verdade, mas nenhum dos dois parece ter grande coisa a ganhar com isso. Se Lula
se livrar da penitenciária
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