Trump e Clinton: não podem perder os dois?
27/9/2016, 4:46
Nestas eleições americanas, vai ser difícil que alguém
vença com um mandato forte. Derrotar o adversário não vai chegar para ganhar.
Mesmo o que for eleito, Trump ou Clinton, pode perder.
Esperava-se a maior audiência de sempre para um debate
presidencial. Durante dias, a imprensa antecipou e especulou, comparando a
experiência política de Clinton e o sentido do espectáculo de Trump. Como
previsto, Trump ameaçou a China e Clinton ameaçou os ricos, Clinton acusou
Trump de ser amigo de Putin e Trump acusou Clinton de esconder e-mails. Muitos
comentadores lamentam que não seja possível perderem os dois. Mas talvez seja.
O ponto mais relevante destas eleições é este: ambas as
candidaturas, de maneira diferente, traduzem o divórcio entre as elites
partidárias e os seus eleitorados. Trump foi imposto pelos eleitores à elite do
partido, enquanto Clinton foi imposta pela elite do partido aos eleitores. Na
liderança republicana, ninguém esperava Trump, que aliás só deixou de ser um
Democrata em 2009. A escolha era Jeb Bush, irmão do presidente George W. Bush.
Mas debate após debate, primária a seguir a primária, Trump surpreendeu,
persistiu e acabou por ganhar. Significativamente, os Bush recusaram-se até
agora a juntar-se à sua campanha. Do outro lado, a elite democrata estava com
Clinton. Foi necessário um neófito, Bernie Sanders, que aderiu ao partido
apenas em 2015, para haver alternativa. Os eleitores mostraram-lhe logo um
entusiasmo que Clinton nunca lhes mereceu, forçando a máquina do partido a
todos os truques para favorecer a candidata. Quantos democratas não votarão, ou
votarão sem qualquer ânimo?
Em grande medida, este divórcio entre líderes partidários
e eleitores foi, como noutros países ocidentais, provocado pela contestação ao
internacionalismo e à globalização. A elite política americana adotou as causas
da globalização e do internacionalismo desde a II Guerra Mundial, como uma
espécie de obrigação inerente à importância da economia e do poder militar
americano. Os EUA tinham obrigação de serem a esquadra de polícia e o albergue
do mundo. Precisamente, Trump e Sanders destacaram-se por não parecerem
dispostos a carregar o “fardo dos americanos” (com Sanders mais focado no
comércio do que na imigração). Foi assim que Trump prevaleceu entre os
republicanos, apesar de negar tudo aquilo que parecia ser o dogma do partido,
desde o Estado mínimo até à missão universal dos EUA e a intransigência perante
o aborto.
Quais são as suas hipóteses? Trump e Clinton são os
candidatos menos estimados de sempre. A esperança de cada um deles é que o
rival inspire um pouco mais de repulsa. Desenvolveram, por isso, uma original
sociedade de demonização mútua. Para Trump, Clinton é corrupta e mentirosa;
para Clinton, Trump é racista e imita Putin. Ambos sabem que, sem o outro, já
estariam fora de jogo. Perante um candidato republicano menos afetado por
demagogia, Clinton já teria sido vítima da desconfiança que suscita; perante um
candidato democrata sem tanta bagagem de escândalos, talvez Trump tivesse
parecido demasiado arriscado para subir tão alto.
A discussão neste momento centra-se no que cada um deve
fazer para derrotar o outro. De fato, Trump pode derrotar Clinton, e Clinton
também pode derrotar Trump. O que nenhum porventura pode é vencer as eleições
com um mandato forte para liderar o país. Numa sociedade tão polarizada, não
será fácil propiciar boas vontades; perante tantas incertezas, como cultivar
confiança? Até Obama, o messias de 2008, falhou. Trump talvez consiga dar voz
aos cidadãos fartos de um poder “politicamente correcto”, mas como vai lidar
com os compromissos externos dos EUA? Entregará a Europa a Putin, e o Oriente à
China? A União Europeia aguenta um Brexit, mas o mundo não suportará um
Americaexit. Quanto a Clinton, talvez mantenha o sentido de responsabilidade
diplomática das velhas elites americanas, mas como vai compensar, dentro do
país, a repugnância dos cidadãos pela sua falta de transparência? Sem maiorias
no congresso, não é impossível que acabe como uma espécie de Dilma Roussef
norte-americana. Estas são eleições em que derrotar o adversário não vai chegar
para ganhar. Sim, é possível que ambos os candidatos venham a perder, cada à
sua maneira.
(Rui Ramos / O Observador)
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