- O autor é advogado, sócio da Nello Investimentos
Trago à tona duas histórias reais e emblemáticas no mercado de fusões e aquisições para confirmar a assertiva apresentada no título deste artigo.
História um: Abílio Diniz, ex-dono do grupo Pão de Açúcar, numa manifestação em vídeo (fonte Youtube), diz que o grande erro da sua vida foi ter feito o contrato com o grupo francês Casino, quando da venda da sua empresa, em 2005. Como empreendedor que é afirma que realizaria de novo o negócio, mas faria bem feito. Alega que o grande erro foi ter feito um mal contrato. Para ele o momento do contrato é o mais importante de tudo. Tem de prever todas as possibilidades e tudo que vem pela frente. Sugere que se vá a exaustão, tome o tempo que for necessário, para análise dos contratos. Finaliza dizendo que é preferível não fazer o negócio do que fazer um mal contrato.
História dois: Vale a leitura da entrevista publicada pela Revista Exame em março/18, com Victorio De Marchi, ex-presidente da Antarctica e conselheiro da Ambev, o qual conta em livro, os bastidores da fusão com a Brahma em 1999. Empresas concorrentes e grandes rivais, à época, Brahma e Antarctica demoraram apenas 45 dias para costurar o acordo e o mais revelador, nas palavras de De Marchi: “todos os contratos são muito bacanas, mas em 20 anos nunca precisamos abrir os documentos. Deu certo pelas pessoas envolvidas que queriam que as coisas funcionassem”. Quando comprador e vendedor entram numa negociação pensando em só tirar vantagens, depreciar ativos ou impor processos e visões a soma é igual a zero e a possibilidade de não sair negócio é muito grande. No caso da Brahma e Antarctica, as empresas decidiram contratar um só banco para fazer a avaliação de cada companhia. Mesmo a Antarctica sendo menor, decidiu-se, no controle, ter a nova empresa uma administração conjunta, com quatro conselheiros de cada lado e uma copresidência no conselho. Um grupo de trabalho escolheu ainda as melhores pessoas e os melhores processos de cada uma das empresas. O resto faz parte da história da gigante Ambev.
Talvez ambos empresários estejam certos em suas afirmações. Certo mesmo é que não há receita pronta em matéria de fusões e aquisições, processos em sua maioria longos, complexos, com uma gama de obstáculos e interesses muitas vezes difusos.
Raros são os casos similares. As transações são realizadas em momentos históricos diferentes, com atores e companhias diferentes, sofrendo riscos e efeitos diversos, nos mais variados campos, seja político, econômico, regulatório ou pessoal.
Para aumentar o desafio, temos na mesma operação, casos em que os participantes, que deveriam estar no mesmo lado, defendendo os mesmos interesses, possuem visões e sentimentos divergentes frente ao negócio. Ou mesmo comprador e vendedor com visões antagônicas sobre a própria operação. Um acredita que fez um bom negócio o outro não; ambos acham que fizeram um bom negócio, o que nos leva ao mundo ideal ou ainda, mais raro, mas possível, ambos concluírem que fizeram um mal negócio. Será que o Sr. Jean-Charles Naouri, Presidente do Conselho do grupo francês Casino, por tudo que passou, também acha que fez um mal negócio com Abílio Diniz? Questão interessante a aprofundar! Se, como sócios, tivermos ainda irmãos, marido e mulher ou amigos de infância com visões tão diferentes, tudo tende a se complicar! Como expus talvez todos tenham um pouco de razão. Não há receita pronta! Vender uma empresa é uma decisão de vida. É entender que um ciclo de encerra para outro se abrir logo adiante. É precificar o passado, sem muita certeza quanto ao futuro. Mas histórias como estas nos fazem refletir que, no mundo das operações de M&A, pessoas preparadas, a vontade de fazer o negócio e o equilíbrio de interesses podem ser mais decisivos que processos e contratos burocráticos num jogo de vencedores e vencidos. Abílio Diniz certamente cuidará mais dos contratos na próxima vez e, com mais amarras, provavelmente não venha a ter tanta dor de cabeça ou, talvez, corra o risco de perder o negócio. De Marchi, por sua vez, continuaria usando a empatia e a conciliação de interesses para fechar suas operações. Talvez deixasse uma brecha – jurídica ou não - para grupos e pessoas mais afoitas e maliciosos. Tenho a sensação que 30 anos atrás tudo era mais fácil e não tão complexo, sejam os contratos, sejam as pessoas. Era um mundo de menos contrato e mais confiança. Em resumo uma certeza: sabemos como um processo de M&A começa, mas nem imaginamos como e quando ele termina.
Por Fabrício Scalzilli
Sócio da Nello Investimentos
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