Artigo, Paulo Britto, Zero Hora - Passaram os limites

Passaram dos limites
Foram longe demais, ultrapassaram os limites do razoável e estupraram a legalidade. Pior ainda, igualaram-se aos mais terríveis delinquentes. Falo de todos os que permitiram a barbárie do aprisionamento de criminosos em viaturas policiais. Então, admito, todos fomos longe demais. Atuando diretamente ou simplesmente deixando que as coisas acontecessem à margem da lei, arrepiando os princípios fundamentais e rasgando os mandamentos constitucionais. Há dispositivos em nossa Constituição que vedam as penas cruéis e o tratamento desumano ou degradante. Pois o que está proibido é exatamente o que o Estado vem fazendo.
Não bastasse o conjunto de normas violadas em desfavor de quem foi preso, avulta o prejuízo causado à sociedade. As viaturas da Brigada Militar passaram a ser carceragem, estacionadas à porta de uma Delegacia de Polícia, enquanto as ruas ficaram sem ronda ou vigilância. O policiamento ostensivo fragilizado, com homens e carros parados para manter sob custódia quem deveria estar em uma casa prisional. Se em delegacias é uma ilegalidade a manutenção de presos, o que dizer da aberração do recolhimento em um carro policial.
Ouvi depoimentos veementes de alguns policiais, em clamor contra o absurdo. A ASDEP, entidade de classe dos Delegados, por sua presidente, Nadine Anflor, reiterou o propósito de "sempre denunciar o que tem ocorrido, para que o Estado tome alguma atitude". Modestamente, alinho-me com esse modo de pensar e de requerer. Há decisões judiciais que reafirmam ser ilegal o que vem acontecendo. Há, então, desobediência diária aos mandamentos da Justiça. E agiganta-se o dilema enfrentado pelos Delegados. Ou são cúmplices em desobedecer, prendendo, ou são prevaricadores, soltando quem chegou algemado, em flagrante delito, ou em cumprimento de algum mandado de prisão.

Espero da Defensoria Pública, do Ministério Público, da Ordem dos Advogados do Brasil e do Judiciário a rápida solução do quadro tenebroso que estamos testemunhando. Se ninguém pedir, que a Justiça conceda, de ofício, a liberdade aos que estão presos sob abuso e em quadro de visível degradação humana. Ou vamos admitir, que fomos muito além dos limites e estamos nos igualando aos bandidos que pretendemos punir.