Perdemos a capacidade de sonhar e a coragem de investir
em pautas criativas. É hora mudar
Muitos leitores, aturdidos com a extensão do lodaçal que
se vislumbra nos escândalos reiteradamente denunciados pela imprensa, cobram um
balanço do desempenho técnico e ético do jornalismo. Todos são capazes de
intuir que a informação tem sido a pedra de toque do processo de moralização
dos nossos costumes políticos. Alguns consideram que a imprensa estaria
extrapolando seu papel e assumindo funções reservadas à polícia e ao Poder
Judiciário. Outros, ao contrário, preocupados com lamentáveis precedentes de
impunidade, gostariam de ver repórteres transformados em juízes ou travestidos de
policiais.
Um balanço sereno, no entanto, indica um saldo favorável
ao empenho investigativo dos meios de comunicação. O despertar da consciência
da urgente necessidade de uma revisão profunda da legislação brasileira,
responsável maior pelo clima de estelionato e banditismo nos negócios públicos,
representa um serviço inestimável prestado pelo jornalismo deste país. A
imprensa não tem ficado no simples registro dos delitos. De fato, vai às raízes
dos problemas. Daí as consistentes denúncias contra figurões da política, o
desnudamento dos esquemas de corrupção, que, felizmente, já começa a se
traduzir em algumas condenações importantes.
A Polícia Federal, o Ministério Público e o Poder
Judiciário estão escrevendo um belo capítulo da nossa História. E os jornais
cumpriram o seu papel. Rasgaram a embalagem marqueteira e mostraram o produto
real. Lula, Dilma, Sérgio Cabral, Eduardo Cunha e numerosos outros políticos,
despidos das lantejoulas dos publicitários da mentira, deixaram uma imagem
lamentável. Sem os jornais não teríamos chegado ao divisor de águas.
O mensalão, que Lula pateticamente insistiu em dizer que
não existiu, explodiu no novo e gigantesco assalto planejado pela máfia que
tomou conta do País: o petrolão. Alguém imagina que o saldo extraordinário da
Operação Lava Jato teria sido possível sem uma imprensa independente? Os
envolvidos no maior escândalo de corrupção da nossa História podem fazer
cínicas declarações de inocência, desmentidas por um conjunto sólido de provas.
Mas a verdade grita na consciência da cidadania.
Sem jornais a democracia não funciona. O jornalismo não é
antinada. Mas também não é neutro. É um espaço de contraponto. Seu compromisso
não está vinculado aos ventos passageiros da política e dos partidarismos. Sua
agenda é, ou deveria ser, determinada por valores perenes: liberdade, dignidade
humana, respeito às minorias, promoção da livre-iniciativa, abertura ao
contraditório. O jornalismo sustenta a democracia não com engajamentos
espúrios, mas com a força informativa da reportagem e com o farol de uma
opinião firme, mas equilibrada e magnânima. A reportagem é, sem dúvida, o
coração da mídia.
As redes sociais e o jornalismo cidadão têm contribuído
de forma singular para o processo comunicativo e propiciado novas formas de participação,
de construção da esfera pública, de mobilização do cidadão. Suscitam debates,
provocam polêmicas – algumas com forte radicalização– e exercem pressão. Mas as
notícias que realmente importam, isto é, as que são capazes de alterar os rumos
de um país, são fruto não de boatos ou de meias-verdades disseminadas de forma
irresponsável ou ingênua, mas resultam de um trabalho investigativo feito
dentro de rígidos padrões de qualidade, algo que está na essência dos bons
jornais.
Grande é a nossa responsabilidade. A exposição da chaga,
embora desagradável, é sempre um dever ético. Não se constrói um país num
pântano. Impõe-se o empenho de drenagem moral. E só um jornalismo de buldogues,
comprometido com a verdade, evitará que tudo acabe num esgar. Sabemos, todos,
que há muito espaço vazio nas prisões de colarinho-branco. É preciso avançar, e
muito, no trabalho investigativo. Os meios de comunicação existem para
incomodar. Um jornalismo cor-de-rosa é socialmente irrelevante. A imprensa, sem
prejuízo do permanente esforço de isenção, deve mostrar disposição para
liderar. A mídia, festejada pela unanimidade nacional, necessita fazer um
balanço honesto, precisa ter a coragem de promover a sua CPI interna. Alguns
desvios éticos rondam as nossas coberturas: a frivolização da notícia, o vírus
do engajamento e o descompromisso com a exatidão.
De um tempo para cá, setores da grande imprensa
manifestam preocupante ambiguidade ética. O que é sensacionalismo barato numa
publicação popular é informação de comportamento nas respeitáveis páginas de
alguns veículos da chamada grande imprensa. O que interessa não é a informação.
O que importa é chocar. Ao tentar disputar espaço com o mundo do
entretenimento, setores da imprensa estão entrando num perigoso processo de
autofagia. Esquecem que a frivolidade não é a melhor companheira para a viagem
da qualidade. Pode atrair num primeiro momento, mas, depois, não duvidemos,
termina sofrendo arranhões irreparáveis no seu prestígio.
Perdemos a capacidade de sonhar e a coragem de investir
em pautas criativas. É hora de proceder às oportunas retificações de rumo. Há
espaço, e muito, para o jornalismo de qualidade. Basta cuidar do conteúdo.
Na outra ponta do problema estão as frequentes recaídas
no anacronismo do engajamento informativo. A batalha da isenção enfrenta a
sabotagem da manipulação, da preguiça profissional e da incompetência
arrogante. A apuração de faz de conta é uma das maiores agressões à imprensa de
qualidade. Matérias previamente decididas em guetos engajados buscam a
cumplicidade da imparcialidade aparente. A decisão de ouvir o outro lado não se
apoia na busca da verdade, mas num artifício para transmitir um simulacro de
imparcialidade.
O Brasil depende, e muito, da qualidade técnica e ética
da sua imprensa. A opinião pública espera que a mídia continue cumprindo a sua
missão.
*Jornalista. e-mail: difranco@ise.org.br