A previdência nos Estados

Números e circunstâncias mostram a premência de uma ampla reforma da aposentadoria dos funcionários públicos para a busca do equilíbrio fiscal

O fato de que há mais de dez anos uma despesa pública obrigatória aumenta a um ritmo quatro vezes maior do que o do crescimento da economia deveria ter levado os responsáveis por esses gastos a contê-los ou, no mínimo, ter-lhes servido como séria advertência para a insustentabilidade desse quadro. Nada foi nem tem sido feito, porém.
A discrepância entre o aumento dos gastos e o ritmo da atividade econômica – e, portanto, da evolução das receitas tributárias – se refere aos benefícios previdenciários pagos pelos Estados entre 2005 e 2016. Levantamento feito pelo especialista em finanças públicas Raul Velloso, com base em informações que os governos dos Estados prestam regularmente ao Ministério da Fazenda, mostra um quadro dramático. É uma situação obviamente insustentável ao longo do tempo, pois, se mantida sem mudanças, acabaria por absorver praticamente todos os recursos financeiros dos Estados, inviabilizando as demais despesas, sejam de custeio ou de investimento.
Como mostrou reportagem do Estado, em pouco mais de dez anos, período em que o crescimento econômico foi de 28%, os gastos dos governos estaduais com a previdência aumentaram 111% em valores reais, isto é, descontados os efeitos da inflação (de R$ 77,3 bilhões para R$ 163 bilhões).
Essa evolução deixa claro que o problema da previdência dos Estados – e do setor público em geral, pode-se acrescentar – é muito mais grave do que o do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), gerido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Tais números tornam notória a insustentabilidade do regime de previdência do setor público, que já era conhecida – embora não com dados tão exuberantes –, mas não comoveu membros do Executivo e do Legislativo a ponto de levá-los a aprovar a mudança das regras de aposentadoria e pensões dos funcionários públicos. Também os pré-candidatos à Presidência da República preferem ignorar esse problema.
Trata-se, porém, de um problema tão grave que, como advertiu o economista José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas, “não faz o menor sentido” reformar o RGPS que atende os empregados do setor privado e não cuidar da previdência dos funcionários estaduais. Todos os regimes previdenciários devem ser revistos, “por razões de igualdade, individual e federativa”, como diz Afonso, para que se eliminem privilégios de uns (os empregados do setor público) em relação aos demais (os do setor privado, que são em número muito maior).
A recessão iniciada no segundo semestre de 2014, como consequência das aventuras econômico-financeiras da administração Dilma Rousseff, fez caírem as receitas tributárias em todos os níveis de governo. Mas, dada a discrepância entre o ritmo de crescimento das despesas previdenciárias e o da economia, o desequilíbrio do regime previdenciário dos Estados teria se agravado mesmo que o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro não tivesse encolhido. Basta ver que as despesas do governo de Sergipe com a previdência dos funcionários estaduais aumentou 455,6% entre 2005 e 2016, em valores nominais.
Os sistemas previdenciários dos Estados atendem 4,7 milhões de pessoas, sendo que 2,7 milhões são funcionários da ativa e 2 milhões, aposentados e pensionistas. Boa parte do crescimento do custo das aposentadorias nos Estados se deve a aumentos salariais generosos concedidos pelos governos no período analisado. O fato de que os funcionários públicos admitidos antes da vigência da reforma previdenciária para o setor público aprovada no governo Lula mantiveram o direito de se aposentar com vencimentos integrais também fez crescer mais as despesas.


São números e circunstâncias que mostram a premência da ampla reforma do regime de aposentadoria dos funcionários públicos para a busca do equilíbrio fiscal. Menos abrangente, o projeto de reforma previdenciária proposto pelo governo Temer parou no Congresso – onde enfrentava resistências – em razão da intervenção federal na segurança pública do Estado do Rio de Janeiro.

Balanço da Reuters sobre os dois anos do governo Temer


BRASÍLIA (Reuters) - Michel Temer completa dois anos à frente da Presidência da República no sábado e, embora tenha iniciado seu governo com a promessa de promover grandes reformas e com demonstrações de forte apoio do Congresso Nacional, chega aos últimos meses em clima de marasmo, à espera de um encerramento sem surpresas desagradáveis ou grandes sobressaltos.

Se o começo da gestão foi marcado por vitórias visíveis —como a aprovação no Congresso da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que instituiu um teto para os gastos públicos—, as denúncias contra o presidente e, mais recentemente, a proximidade das eleições reduziram drasticamente a força do governo e consequentemente o ritmo de adoção de novas medidas.

O vazamento de diálogo com o empresário Joesley Batista, um dos donos da J&F, holding que controla a JBS, e as posteriores denúncias criminais contra si, obrigou Temer a lutar por sua sobrevivência no cargo e a gastar boa parte do capital político que dispunha —inclusive emendas parlamentares— para garantir isso.

“O presidente Temer assumiu com um grande peso parlamentar, mas o que se viu é que era um gigante com os pés de barro”, disse à Reuters o líder do PCdoB na Câmara, deputado Orlando Silva (SP).

O líder, que faz oposição ao governo, explica que atualmente dois fatores contribuem para a fragilidade política do governo: a baixíssima popularidade —“os parlamentares vêm o governo como uma espécie de portador de uma doença contagiosa”, avalia Orlando— e a impossibilidade fiscal de negociar grandes projetos com os parlamentares.

“A política de austeridade que o governo implementou estrangula o orçamento público e inviabiliza a manutenção de um padrão de atendimento às demandas dos parlamentares que se viu no começo do governo”, disse.

“Isso fez desmoronar o gigante que aparecia após o impeachment e demonstrou que ele tinha pés de barro.”

Há quem diga, no entanto, que ainda que reduzida, há base para votar projetos que não exijam quórum qualificado para sua aprovação. Um desses projetos, inclusive, trata da privatização da Eletrobras.

Para um importante líder da base, que reconhece a redução de potência do governo no Congresso, há interesse de parlamentares —e do próprio presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ)— de tocar uma agenda de votações na Casa menos complexa nas últimas seis semanas de trabalho que restam antes do recesso do Legislativo.

Dentre essas propostas, além do projeto relacionado à Eletrobras, está a finalização da votação do chamado cadastro positivo, a regulamentação do distrato, e medidas provisórias, como a MP 811, que autoriza a venda direta de petróleo da União nos contratos do pré-sal. O polêmico projeto da reoneração da folha de pagamento de alguns setores da economia, no entanto, tem grandes chances de não chegar ao plenário antes do recesso.

Essa liderança admite a percepção de que o governo encontra-se em compasso de espera, aguardando o seu fim, e sem a intenção de promover grandes esforços, de forma a evitar qualquer desgaste adicional.

“O governo ainda tem uma maioria no Congresso, mas não a base que já teve no passado. Dá para votar algumas medidas ainda”, disse o líder, que preferiu não ser identificado.

A opinião de que ainda há espaço para algumas pequenas vitórias, ao menos no Congresso, é compartilhada pelo ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, para quem nenhum outro governo “fez tanto em tão pouco tempo”.

“A denúncia sem dúvida atrapalhou o governo e atrapalhou o país, mas aprendemos a navegar em mares de tempestade”, disse à Reuters.

Segundo o ministro, o governo já se “recuperou” e ainda há muito o que fazer.

“Até o final do ano queremos aprovar a pauta de melhoria do ambiente econômico com o cadastro positivo, etc, a capitalização da Eletrobras, a reoneração”, afirmou. “O governo ainda tem muito o que entregar até o final do ano.”

CONQUISTAS E DERROTAS

No cenário macroeconômico, uma das principais medidas implementadas pelo governo Temer foi a criação do teto de gastos, que limita os desembolsos do governo federal ao volume do ano anterior corrigido apenas pela inflação.

Prevista para durar 20 anos e encarada como essencial para colocar as contas públicas em ordem, já que  país não registra superávit primário desde 2014. A medida foi bastante comemorada pelos mercados financeiros.

Mas a mudança acabou se transformando numa armadilha. Sem apoio político no Congresso após as denúncias que atingiriam Temer em cheio, o governo não conseguiu tirar do papel a reforma da Previdência, peça essencial nas alterações fiscais pretendidas pelo governo, o que pode comprometer o teto de gastos.

Se nas contas públicas o desempenho não foi tão positivo, do lado da inflação foi o contrário. O Banco Central, comandando por Ilan Goldfajn, conseguiu reduzir a alta de preços para níveis recordes, bem como a taxa básica de juros, hoje em 6,50 por cento ao ano, depois de iniciar um ciclo de afrouxamento monetário em outubro de 2016, quando a Selic estava em 14,25 por cento.

Nestes dois anos, o país também saiu da maior recessão da sua história, entre 2015 e 2016, quando o Produto Interno Bruto (PIB) encolheu 7,8 por cento.

Ainda assim, a atividade econômica ainda patina e não tem dado sinais de recuperação mais consistente, em meio à falta de confiança generalizada e elevadas taxas de desemprego, que atinge cerca de 13 milhões de pessoas, mesmo após a reforma trabalhista, aprovada sob o argumento de que ajudaria na criação de empregos.

As incertezas geradas pelas mudanças na legislação trabalhista —o Executivo chegou a editar uma medida provisória para ajustar pontos da reforma demandados por senadores, mas ela sequer chegou a ser analisada pelo Congresso e perdeu a validade— criaram um ambiente de insegurança jurídica. O governo ainda avalia que instrumentos pode usar para alterar pontos da reforma.

Em outros setores houve mudanças positivas, como por exemplo na direção da agência reguladora do setor de petróleo (ANP) e em questões regulatórias que despertaram um maior apetite dos investidores globais, gerando bilhões de reais em arrecadação para a União.

Após uma licitação de áreas do pré-sal em outubro passado, que arrecadou apenas em bônus de assinatura 6,15 bilhões de reais, sem contar o óleo lucro do governo futuro, Temer declarou que a exploração das áreas geraria 130 bilhões de dólares em royalties e outras fontes de arrecadação.

No setor elétrico, as mudanças realizadas por uma equipe formada por técnicos conceituados no Ministério de Minas e Energia colaboraram para aumentar o interesse nos leilões de geração e transmissão no Brasil. Em dezembro do ano passado, após dois anos sem licitações, o governo brasileiro conseguiu contratar usinas solares e eólicas pelos menores preços já registrados no país.

Mas o governo ainda encontra-se em xeque para aprovar propostas relacionadas ao setor elétrico no Congresso, caso do processo de privatização da Eletrobras.

Um acerto atribuído ao presidente no setor de energia foi a indicação de Pedro Parente para a presidência-executiva da Petrobras, que conseguiu, entre outras coisas, implementar uma metodologia de reajustes quase que diários aos preços dos combustíveis, política celebrada pelo mercado.

Por outro lado, houve pouco avanço em concessões públicas relacionadas a ferrovias e a portos. No setor de aeroportos, por exemplo, o governo acabou por criar uma confusão em Confins, na região metropolitana de Belo Horizonte, ao permitir o retorno de voos para Pampulha, aeroporto localizado na capital mineira, caso que acabou sendo judicializado.

Artigo, Érica Gorga, Estadão - Assalto' recorrente a aposentadorias


Toda a sorte de desvios, como os verificados recentemente, é veladamente incentivada

Não bastassem as fraudes bilionárias nos fundos de pensão de empresas públicas (Postalis, Serpros, Funcef) e sociedades de economia mista (Petros, Previ) – que referi no artigo A outra previdência, de 15/11/2017 –, surgem novas modalidades de desvios bilionários da aposentadoria de servidores municipais em até 200 cidades (Estado, 7/5). Institutos de previdência municipais aplicavam recursos em fundos de investimento que adquiriram debêntures sem lastro, emitidas por empresas de fachada com patrimônio incompatível com os títulos de dívida lançados sem garantias adequadas (Folha, Estado e G1, 12/4).

Estima-se que o rombo de investimentos análogos em renda fixa alcance cerca de R$ 15 bilhões (Estado, 7/5). Além de empresários, ex-gestores de institutos de previdência e autoridades municipais, foram presos na Operação Encilhamento (desdobramento da Papel Fantasma) da Polícia Federal executivos de corretoras e bancos de investimento, consultores, advogados, contadores e gestores de recursos. Tais profissionais, chamados pelo professor John C. Coffee Jr. da Columbia Law School de “guardiões” do bom funcionamento do mercado, em vez de desempenharem suas funções de modo independente e efetivo, teriam contribuído ativamente para montar esquemas de desvios. Na obra Gatekeepers: The Role of the Professions in Corporate Governance (Guardiões: o papel das profissões na governança corporativa), ele conclui que falhas desses profissionais e do sistema de responsabilização e punição explicam as vultosas fraudes corporativas americanas da Enron e da WorldCom.

Tal e qual devem ser apontadas condutas questionáveis e até espúrias de tais profissionais nos casos nacionais de corrupção sistêmica. Aqui sobressai a incapacidade dos reguladores, em especial da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) de supervisionar entidades emissoras e gestoras de investimentos.

Foi preso o irmão do presidente da CVM, Henrique Santos Barbosa, que, segundo a revista Veja (12/4), supostamente “atuava como operador financeiro do esquema no Postalis” ligado ao empresário Arthur Pinheiro Machado, também detido. A emissão das debêntures frias pelas empresas fantasma foi chancelada pela CVM, indicando fragilidades na sua função fiscalizatória (Folha, 12/4). O referido empresário possui nada menos “que 100 empresas ligadas ao CPF dele” (G1, 12/4).

Ao que consta, a agência reguladora teria autorizado a emissão dos títulos de dívida por diversas empresas legalmente representadas pelo empresário. Supõe-se que a CVM tenha um sistema de informações que discrimine, no mínimo, o número de emissões de títulos, o valor dos recursos a serem captados e os responsáveis legais pelas emissões das empresas envolvidas e das instituições intermediárias e custodiantes, incluindo o agente fiduciário dos debenturistas.

Afastada a remota hipótese de o empresário ser o “Warren Buffet brasileiro”, ou seja, um megainvestidor com reputação por empreender ao mesmo tempo inúmeros negócios sólidos, surpreende que a CVM tenha deixado passar inúmeras operações com títulos de dívida de empresas por ele representadas, sem verificar se elas efetivamente existiam no mundo real e com capacidade para assumirem dívidas a serem pagas com remuneração aos adquirentes dos títulos – os fundos. Afinal, nenhum sistema ex-ante de controle funciona sem a mínima verificação de legitimidade das operações financeiras submetidas à apreciação da agência reguladora, sem o que a finalidade preventiva de fraudes – uma das funções primordiais do regulador – é seriamente comprometida.

Resulta que os recolhimentos de servidores ao Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) aplicados em fundos que investiram em títulos não pagos ocasionam prejuízos para o pagamento a aposentados e pensionistas, expondo mais uma vez grave problema do sistema previdenciário, negligenciado pelo debate atual das reformas: prejuízos bilionários causados por fraudes e custeados forçadamente por funcionários da ativa, aposentados e pensionistas. Por isso as propostas de reforma da Previdência não podem englobar apenas a questão do envelhecimento da população ou as benesses da elite do funcionalismo.

Não se mensura hoje nos cálculos atuariais das contribuições previdenciárias quanto é impingido aos trabalhadores em decorrência de perdas com fraudes e má gestão do sistema previdenciário. É problema metodológico sério, já que prejuízos por má gestão e fraudes não devem recair sobre os contribuintes, mas, sim, sobre os responsáveis pela gestão dos recursos e perpetradores de ilícitos.

Pior, a Lei 109/2001, em seu artigo 21, § 1.º, prevê que o equacionamento de déficits das entidades de previdência poderá ser resolvido “por meio do aumento do valor das contribuições, instituição de contribuição adicional ou redução do valor dos benefícios a conceder”. Assim, onera somente os trabalhadores pelos déficits de fraudes bilionárias, relegando a busca de indenização a eventual “ação regressiva contra dirigentes ou terceiros” que deram causa ao dano.

Hoje inexiste a obrigação da propositura das ações regressivas indenizatórias, que muitas vezes nem sequer são iniciadas na Justiça, dependendo da vontade dos dirigentes da entidade previdenciária, que poderão até ser os mesmos envolvidos nas fraudes.

Como se vê, o sistema é eivado de conflitos e alicerçado sem tutela ou segurança jurídica adequadas que propiciem a responsabilização de infratores. A conclusão é que toda sorte de desvios como os recentemente ocorridos é veladamente incentivada.

*DOUTORA EM DIREITO PELA USP, COM PÓS-DOUTORAMENTO NA UNIVERSIDADE DO TEXAS, FOI PROFESSORA NAS UNIVERSIDADES DO TEXAS, CORNELL E VANDERBILT, DIRETORA DO CENTRO DE DIREITO EMPRESARIAL DA YALE LAW SCHOOL E PESQUISADORA EM STANFORD E YALE

Condenados em Canoas

Também foram condenados o dono da empresa SP Alimentação, Eloizo Duraes (10 anos de prisão); a advogada da empresa, Polyana Horta Pereira (cinco anos e quatro meses); o representante da empresa, Estelvio Schunck (cinco anos e quatro meses); outra representante da empresa, Cibele Cristina dos Santos (quatro anos); o sócio da empresa Gourmaitre Cozinha Industrial e Refeições, Silvio Marques (dois anos e nove meses); o outro sócio da empresa, Edivaldo Leite dos Santos (dois anos e seis meses); e o sócio da empresa Verdurama Comercial de Hortifrutigranjeiros, Genivaldo Marques dos Santos (seis anos). Outro sócio da SP Alimentação, Carlos Medina, faleceu ao longo do processo.