O caso da gaúcha Taurus - Como o Brasil virou o quarto maio vendedor de armas do mundo.

Armas e munições fabricadas no Brasil estão sendo usadas pelo mundo para reprimir protestos e para alimentar conflitos. Durante a Primavera Árabe, em 2011, por exemplo, as forças de segurança de diversos governos se valeram de armas fabricadas no Brasil.

Dois anos depois, armamentos nacionais voltaram a ser utilizados na praça Taksim, em Istambul, onde manifestantes foram brutalmente combatidos por polícia e Exército turcos. Polícia e Guarda Nacional da Venezuela também empregaram artefatos não letais brasileiros para silenciar opositores.

Recentemente, pesquisadores encontraram foguetes de fabricação brasileira na guerra civil do Iêmen. Essas armas de fragmentação podem ferir ou matar civis muito tempo depois de disparadas. Elas são projetadas de forma a se detonar ao atingir o solo; mas às vezes, não explodem no momento do contato e permanecem inativas, à espera de vítimas desavisadas.

A natureza imprevisível das armas de fragmentação levou cem países a proibir sua produção, armazenamento e uso. O Brasil não está entre eles.

Gás lacrimogêneo, balas, armas e sistemas de foguetes fabricados no país estão surgindo em mais lugares conflagrados do que se imagina. Apesar dos inúmeros relatos sobre as nefastas consequências involuntárias de armas, os fabricantes continuam a negociá-las em grande quantidade.

O resultado é que a reputação conquistada com muito esforço pelo país por promover a paz e prevenir conflitos sofre abalos. Para entender melhor esse quadro, é importante considerar alguns atores envolvidos.

Tomemos o caso da Condor, fabricante com sede em Nova Iguaçu (RJ), que forneceu armas não letais a mais de 40 clientes, entre os quais os governos do Egito, da Turquia e de países do Golfo Pérsico.

A Venezuela também é um cliente valioso da Condor, tendo adquirido da empresa, entre 2008 e 2011, 143 toneladas de produtos –pelo menos US$ 6,5 milhões (R$ 22,3 mi, em valores atuais) em bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo e balas de borracha.

Em janeiro de 2016, produtos da Condor foram empregados para reprimir protestos pacíficos no Bahrein, país criticado recorrentemente pela prática de detenções ilegais e de tortura.

Em 2011, quando imagens divulgadas por opositores da monarquia barenita mostraram bombas de gás lacrimogêneo idênticas às da Condor que teriam sido usadas pela repressão, a empresa fluminense soltou comunicado em que afirmava nunca ter exportado itens para a ilha. Mas ressalvava: "[...] tropas de pelo menos cinco países da região estão operando no Bahrein a pedido do governo".

Consideremos também a Avibras Indústria Aeroespacial, sediada em São José dos Campos (SP), que produz o Astros, um sistema de lançadores múltiplos de foguetes usado recentemente na guerra civil iemenita. Investigadores associados à Anistia Internacional descobriram munições não detonadas em uma área agrícola do Iêmen depois de um ataque com foguetes de fragmentação.

A empresa afirma estar investigando o incidente, mas ainda não esclareceu como suas armas foram parar no país. Os artefatos parecem ter sido usados por forças da coalizão liderada pela Arábia Saudita no fim de 2015, ferindo várias pessoas, inclusive uma menina de quatro anos.

TRAFICANTE

A Forjas Taurus, maior empresa do ramo na América Latina, negociou armas com regimes que violam direitos humanos. Em maio de 2016, o Ministério Público Federal denunciou dois ex-diretores da corporação por venderem 8.000 pistolas a um reconhecido traficante de armas iemenita, em 2013. Os executivos acertavam uma segunda remessa, em 2015, quando a transação foi interceptada.

Em nota de setembro passado, a empresa diz repudiar "veementemente a alegação de que estaria envolvida em qualquer operação irregular" e afirma que o destinatário do lote de 2013 era o governo do Djibuti, país sobre o qual não incidem embargos comerciais. Informa também ter cancelado negociações com o país africano, determinado a retenção da mercadoria em trânsito e devolvido o pagamento ao referido governo ao tomar conhecimento das suspeitas contra o intermediador iemenita.

Essas empresas, além de outras, como a Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC), fizeram do Brasil um dos maiores fornecedores de armamento do planeta. Nos últimos anos, o país tem figurado como o quarto maior exportador mundial de munição e armas de pequeno porte. Entre 2001 e 2012, enviou para o exterior um total de US$ 2,8 bilhões (R$ 9,6 bi) em produtos desse tipo. Só EUA, Itália e Alemanha venderam mais.

Diferentemente do que ocorre nesses três países, que impõem mecanismos para limitar vendas a regimes suspeitos e adotam salvaguardas para evitar e investigar o desvio ilegal de armas a terceiros, os itens brasileiros estão cada vez mais sendo encontrados em países com históricos alarmantes de violações de direitos humanos.

O desejo do governo de promover o crescimento da indústria armamentista está em desacordo com sua política externa oficial. Tomemos como exemplo o caso do conflito iemenita, que matou mais de 10 mil pessoas e deslocou cerca de 3 milhões. O Brasil condenou os ataques na Península Arábica. Em acordo bilateral, ofereceu assistência. Mas longe de colaborar para o fim do conflito, a venda de armas brasileiras agrava a situação, já preocupante.

Ou seja, as políticas de comercialização de armas do Brasil solapam esforços diplomáticos e humanitários. O país envia armas para a Arábia Saudita, que lidera campanha devastadora de bombardeio no Iêmen para eliminar combatentes rebeldes houthis, contrários ao governo apoiado pelos EUA e pela própria Arábia Saudita. Só no ano passado, o Brasil exportou para lá o equivalente a mais de US$ 100 milhões (R$ 344,4 mi) em artefatos.

Depois de anos apoiando o regime saudita, Reino Unido e EUA estão sendo fortemente pressionados a reconsiderar a maneira como as vendas de armas contribuem para o desastre humanitário iemenita. No Brasil, poderosos interesses bloqueiam mudanças no status quo do setor.

O lucro –e não imperativos de política externa– é o fator decisivo quando se trata de exportações de armas no Brasil. Em meados dos anos 1980, por exemplo, o país vendeu artefatos tanto para o Irã quanto para o Iraque, armando Estados adversários e ajudando a alimentar uma guerra que se arrastou por oito anos.

O programa oficial de exportação de armas e as relações cordiais entre agências e empresas têm origem na ditadura. Desde sua criação, em 1974, a Política Nacional de Exportação de Material de Emprego Militar (PNEMEM) sofreu quatro reformas: em 1981, 1983, 1990 e 1993. Nenhuma delas resultou em mais transparência ou maior controle das exportações.

Ao contrário, a CBC e a Taurus fizeram um lobby bem-sucedido em 1981 para abrandar a PNEMEM, de modo a permitir vendas de armas a compradores privados estrangeiros, e não apenas a governos. A política de exportação de armas do Brasil também passou essencialmente ilesa à Constituição de 1988 –e até adotou a linguagem da Constituição de 1967.

A volta à democracia não trouxe nenhuma mudança fundamental. Aliás, se houve alguma, foi o aumento da produção e da venda. Os governos do PT estavam fortemente comprometidos com o fomento da indústria de defesa. Na gestão Lula, a Estratégia Nacional de Defesa (END) propôs uma reorganização radical da indústria. O texto recomendava que o Ministério da Defesa propusesse modificações legislativas que franqueassem aos fabricantes acesso a linhas de crédito especiais do BNDES.

No entanto, mesmo quando a economia do Brasil vivia um forte crescimento e o país surfava a onda das commodities, alguns fabricantes de artigos de defesa, como a Avibras, enfrentaram dificuldades.

Em setembro de 2011, a então presidente Dilma Rousseff enviou ao Congresso uma Medida Provisória para fortalecer e incentivar o setor de fabricação de armas. Seis meses depois, aprovou-se a lei 12.598/2012, criando isenções de IPI, PIS/Pasep e Cofins em todas as compras do governo de produtos de defesa, bem como suspendendo o imposto de importação sobre matérias-primas. Os incentivos representaram economia de 13% a 18% no balanço dessas empresas.

EMPRÉSTIMOS

Dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação revelam que, de 2008 a 2015, a Forjas Taurus recebeu R$ 53.403.381 em empréstimos a juros baixos do BNDES, mais do que qualquer outra empresa. Apenas em 2013, ano em que, segundo o Ministério Público Federal, a Taurus vendeu as 8.000 pistolas ao traficante de armas iemenita, a corporação obteve R$ 31.928.961.

A CBC, que comprou a Taurus em 2014 e é hoje sua acionista majoritária, recebeu R$ 9.232.674 entre 2008 e 2014. Nesse mesmo período, todo o setor de defesa do país –com exceção do subsetor da Aeronáutica– se beneficiou de R$ 225.504.671 em empréstimos, atingindo picos em 2009 (R$ 35.212.709), 2012 (R$ 40.242.637) e 2013 (R$ 58.160.835). Em 2014, os empréstimos caíram bruscamente.

O Brasil pode salvar sua reputação de promotor da paz se reforçar sua regulação sobre armas. Há sinais nessa direção. Em 2013, o país foi um dos primeiros a assinar o Tratado sobre o Comércio de Armas (TCA), acordo mundial legalmente vinculante que compromete signatários a alinhar políticas de exportação de armas a padrões de respeito a direitos humanos.

Porém, apesar de ter rubricado o documento, o Brasil não está dando seguimento ao processo de ratificação, hoje parado na Câmara dos Deputados. Por isso, o país ficou fora das últimas deliberações do acordo. Durante a Segunda Conferência dos Estados-Parte, os diplomatas brasileiros foram relegados à condição de observadores e não tiveram nenhum poder de influenciar o processo.

Nesse meio-tempo, o Brasil emitiu declaração previsível de que "adotou um sistema nacional de controle de exportação de armas que cumpre, em grande medida, as obrigações do TCA".

Outro ator importante que se opõe a uma regulação sensata das armas, tanto no circuito internacional quanto dentro do país, é a chamada bancada da bala. Desde sua formação, há mais de uma década, esse conjunto de parlamentares trabalha para abrandar as leis que regulam as armas e para expandir o acesso a elas.

Entre seus membros, todos ultraconservadores, há ex-militares e ex-policiais que receberam contribuições de campanha substanciais de empresas do setor de defesa. Só a CBC doou R$ 615 mil a 16 candidatos de nove siglas na campanha de 2014.

A bancada da bala havia conseguido, em 2005, com apoio da National Rifle Association (NRA), dos EUA, derrubar a proibição à compra de armas por civis em um referendo nacional. Como era de se esperar, esses deputados repudiaram abertamente o TCA.

Há algumas medidas práticas que o Brasil pode tomar para melhorar o modo como lida com o controle das transferências de armas. Para começar, precisa ratificar o TCA.

O governo também tem de promover a reforma da PNEMEM para alinhá-la aos padrões internacionais. Isso inclui o fortalecimento da transparência e da responsabilização no processo de licenciamento e exportação a cargo do Exército e a integração de sua base de dados de exportação de armas, o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (SIGMA), com a da Polícia Federal, o Sistema Nacional de Armas (SINARM).

O Brasil deveria, ainda, implementar um programa de "compliance" (responsabilização legal) do usuário final por meio de suas embaixadas. E, finalmente, para evitar uma interferência indevida nas políticas de exportação de armas, é fundamental limitar o financiamento de campanhas por representantes do setor de defesa.


Se o país quer verdadeiramente promover a paz, precisa de uma regulação das armas responsável. É contraproducente buscar soluções diplomáticas por um lado e alimentar conflitos por outro.

Artigo, Nelson Jobim, Zero Hora - O tempo e a política

Nelson Jobim: o tempo e a política
Jurista, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal
21/11/2016 - 05h10min | Atualizada em 21/11/2016 - 05h10min
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 Lê-se no Eclesiastes (3:1): "Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu".
Dr. Ulysses Guimarães, lembrando Joaquim Nabuco, dizia que o "tempo não perdoa o que se faz sem ele".
Esta é a definição de "momento" para a política.
Agir antes do momento é o desastre e a derrota.
Agir depois é inútil.
Há o momento para definição política da ação, seus conteúdos e objetivos, ou seja, onde se quer chegar.
Este momento é de reflexão e análise.
Examina-se, sem emoção, o presente e descreve-se seus problemas e insuficiências.
Grande parte deles são objetivos.
Estão no mundo — saúde, educação, inclusão, mobilidade etc.
Outros, da comparação do presente com aquilo que os formuladores entendem que deva ser o futuro.
Estes não são factuais.
Decorrem da relação do "mundo como está" com o "mundo como deve ser", na perspectiva de uma orientação política.
Haverá divergências quanto ao que deva ser.
[Para uns, a distribuição dos resultados de acordo com sua produção; para outros, de acordo com suas necessidades.]
Temos outra divergência, muito aguda.
"Como fazer" para solver a totalidade dos problemas, factuais ou não.
No "como fazer" está contido o "quando fazer" — o momento de fazer.
Aqui entra o tempo.
Agora, amanhã, no curto, médio ou longo prazo?
Essa decisão é premida pelos fatos e crises e, em especial, pela política.
Mas requererá sempre uma decisão, que está no campo da estratégia.
Aqui surge o senso de oportunidade.
É a percepção, nada científica, dos fatos, movimentos e tendências que determinará o momento da ação.
Mary Beard lembra que na vitória final dos Romanos contra Aníbal (em Canas) houve um conflito de estratégias (SPQRN, Una historia de la antigua Roma).
Cipião, o Africano, queria o enfrentamento global.
Quinto Fábio Máximo, que comandava, deixou passar o tempo.
Combinou guerrilha com terra arrasada.
Daí surge o nome "Fabiano" — aquele que espera.
O nosso Getúlio Vargas foi, em grande parte, um Fabiano.
Jânio Quadros, ao contrário, atropelou.
A estratégia para a ação política não pode depender de temperamento.
A percepção aguda dos fatos é que informará o momento de agir e não agir.
O erro de percepção leva à derrota.
A mensagem de Ulysses não é nem fabiana, nem de atropelo.
É a submissão à Sua Excelência o fato, como ele o referia.
E, também, obra do acaso e da sorte.

Ao fim, "o tempo é o melhor antologista, ou o único, talvez" (Jorge Luis Borges).

Reorganização do BB em números

REORGANIZAÇÃO DO BB EM NÚMEROS

Rede de atendimento atual
5.430 agências
1.791 postos de atendimento. 
7.221 unidades de atendimento no total

Reorganização
402 agências serão encerradas
379 agências serão transformadas em postos de atendimento.
51 agências com encerramento já iniciado em outubro

Rede de atendimento após a reorganização
4.598 agências
2.170 postos de atendimento
6.768 unidades de atendimento no total

Outros canais de atendimento
8.557 correspondentes bancários na rede Mais BB
42.031 terminais de autoatendimento
19.456 terminais do Banco 24h

Funcionários
O BB possui 109.159 funcionários no País e 18.000 fazem parte do público potencial para adesão voluntária ao Plano Extraordinário de Aposentadoria Incentivada.
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REORGANIZAÇÃO INSTITUCIONAL NO RIO GRANDE DO SUL

O Banco do Brasil oferece 452 unidades de atendimento no Rio Grande do Sul, sendo 384 agências e 68 postos de atendimento. 

Os clientes do Banco do Brasil também contam com 915 correspondentes bancários, 2540 caixas eletrônicos BB e 673 terminais da rede Banco 24h no estado. 

Com a reorganização, 16 agências serão encerradas e 15 agências serão transformadas em postos de atendimento. O BB permanecerá com uma das maiores redes de atendimento do Estado, com353 agências e 83 postos de atendimento.

Rede de atendimento atual
384 agências
68 postos de atendimento. 
452 unidades de atendimento no total

Reorganização
16 agências serão encerradas
15 agências serão transformadas em postos de atendimento.

Rede de atendimento após a reorganização
353 agências
83 postos de atendimento
436 unidades de atendimento no total

O BB possui 5465 funcionários no Rio Grande do Sul e 900 fazem parte do público potencial do Plano Extraordinário de Aposentadoria Incentivada, que prevê adesão voluntária. 

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Artigo, Ricardo Noblat - Às vésperas do incêndio

Às vésperas do incêndio
Ricardo Noblat

Fica combinado assim: anistia-se quem cometeu crime de caixa dois – a doação e o uso de dinheiro não declarado à Receita e à Justiça para financiar campanhas eleitorais.

Anistia-se também quem cometeu o crime de lavagem de dinheiro. E para que não reste brecha, anistia-se quem cometeu crime de corrupção. Que tal?

É isso o que a Câmara dos Deputados ameaça aprovar, se possível, ainda esta semana.

Lamentam os que desejam anistia para seus crimes que ela não tenha sido aprovada na semana passada. Teria provocado a ira da opinião pública? Certamente.

Mas nada que não pudesse ser aplacado em seguida pela onda de satisfação que se levantou no país com a prisão num período de 24 horas de dois ex-governadores do Rio de Janeiro - Sérgio Cabral e Garotinho, acusados de corrupção.

Admitamos: nunca antes na história do Brasil, dois ex-governadores do segundo mais importante Estado do país foram postos no xilindró e submetidos às mesmas regras que ditam a vida dos demais presos.

É verdade que Garotinho acabou enviado a um hospital por causa de uma artéria entupida. Mas se ficar bem, poderá mais adiante ir para Bangu 8, o mesmo destino de Cabral.

A observar no caso da prisão dos dois, o esculacho ao qual sempre estão sujeitos os mais notáveis suspeitos ou condenados por crimes em geral.

O transporte de Garotinho para o presídio foi filmado em seus mais dramáticos detalhes. Mal Cabral deu entrada ali, fotos dele com a cabeça raspada já circulavam nas redes sociais.

A privacidade é um direito assegurado a todos por lei, até mesmo a bandidos.

Às favas todas as leis que obriguem os políticos a se por de acordo com o Novo Estado esboçado pela Lava-Jato com amplo apoio popular. É o que eles desejam.

Chamo de Novo Estado para não remeter ao Estado Novo de Getúlio Vargas, de tristes e de tão amargas lembranças. A sociedade de junho de 2013, das gigantescas manifestações de ruas pelo impeachment, só tem feito avançar.

Deixou para trás empresários e políticos do Estado em ruína, do capitalismo de laços que resiste a sair de cena para dar lugar a um Estado capitalista baseado na livre competição.

A corrupção não deixará de existir uma vez que se faça tal passagem. Mas ela será menor se comparada ao seu tamanho atual. Os empresários e políticos do regime ancião estão na contramão da História.

O governo Michel Temer é um paradoxo. Ao mesmo tempo em que se oferece como “uma ponte para o futuro” é formado por legítimos representantes de um passado que pretende apagar.

Se não apagar por impossível, relegar a um plano subalterno onde poderia ser estudado pelos interessados em pesquisar e compreender melhor os vários estágios da evolução de um povo.

Estabelecer um teto para gastos públicos; resgatar a lei de responsabilidade fiscal; reformar a Previdência, a legislação trabalhista e a Política; com tudo isso e mais alguma coisa acena o governo de Temer, refém do estilo excessivamente conciliador do seu titular, das angústias que o fazem hesitar ou retroceder muitas vezes, e de um sistema político apodrecido.

Neste mesmo governo, um ministro vai às compras, faz advocacia administrativa a favor de um empreendimento imobiliário, é denunciado por outro ministro que se demite, e vira alvo de investigações no Congresso.

Temer, o Senhor Prudência, brinca com fogo às vésperas de novas revelações que poderão incendiar boa parte da República.

Análise, Giles Lapourge, Estadão, Caderno Aliás - Cúmplices no desastre

Na cobertura das eleições americanas, os jornais franceses, como todo mundo, se enganaram completamente. E foram todos, porque desde os mais sérios, como o Le Monde, ou publicações mais fúteis, como Paris Match, entoaram a mesma música: Trump é um bufão. Um amador. Um personagem grotesco. Não conhece nada de política. Hillary Clinton, que tem o dinheiro, o saber e as redes, irá esmigalhá-lo.
É bom dizer que a cegueira dos jornais se apoiou na cegueira de um outro meio de comunicação: os institutos de pesquisa de opinião. Essas duas instituições caminham de mãos dadas, puxam a mesma carroça, avançam no mesmo passo. Uma esclarece a outra, trocam informações. Estranho espetáculo: um cego guiando outro cego. Não espanta assim que ambos tenham se perdido na floresta da informação e que tenham se equivocado tanto.
Claro, sabemos que este não foi o primeiro erro dos dois cúmplices, jornais e institutos de pesquisas. Ambos já se confundiram também nos referendos sobre a Europa em 2005 e 2008 e mais recentemente no caso do Brexit. Mas, com relação a Trump, o erro foi ainda mais espetacular. Os próprios jornais franceses começaram a refletir e, corajosamente, a se questionar.
E reconhecem que cometeram erros, mas sabem muito bem a razão desses erros: foi culpa dos institutos de pesquisa que não compreenderam o fenômeno Trump. Nada mais exato. Mas então por que jornais e redes de TV insistem em escutar religiosamente as profecias desses institutos, já que regularmente elas ficam longe da verdade?
Outras hipóteses foram levantadas, mais sólidas ao que parece. Do mesmo modo que nos Estados Unidos, não é verdade que Nova York (cidade cosmopolita, muito europeia, de alto luxo, intelectual) seja pouco representativa do país, na França também toda a opinião pública se forma às margens do Sena entre a Torre Eiffel e a Câmara dos Deputados, ou seja, é decidida por 100 ou 200 parisienses (diretores de jornais, políticos, institutos de opinião e alguns editorialistas) que a comunicam ao povo extasiado. Uma opinião se forma e se impõe ao país inteiro num abrir e fechar de olhos. Não é uma opinião, mas uma “vulgata” à qual todos aderem. Um grande rebanho de carneiros, eis o que é a opinião pública.
Mas, entre os formadores dessa opinião pública, é preciso citar um outro grupo, que surgiu mais recentemente e vem se propagando muito rápido: o dos “consultores”, também chamados especialistas, figuras convocadas pelos jornais por ocasião de grandes acontecimentos. A cada evento maior, esses consultores saem do seu retiro como escargots após a chuva. E rapidamente chegam às telas das TVs.
E há consultores para todos os gostos. No futebol, por exemplo (com frequência são velhos torcedores). Ou quando o Exército francês lança um tiro de canhão no Saara ou no Mali, imediatamente temos direito a algum sargento aposentado que desembarcou na Normandia em 1944, ou participou da batalha de Verdun em 1916, ou mesmo da Guerra dos Cem Anos na Idade Média, que nos explica porque o Estado Islâmico vai ganhar ou perder a guerra.

Ocorre que esses “consultores” não sabem o que responder, mas não é grave porque os jornalistas que os interrogam sugerem a resposta adequada, o que dá uma ideia muito precisa do jornalismo e o percurso através do qual se fabrica a opinião dominante. É a figura da “serpente que morde o rabo”: o consultor consulta o consultado que consulta o consultor que consulta o consultor e assim por diante. E qual o resultado final? Uma opinião pública.

Artigo, Estadão - O peso da educação dos pais

Pesquisa do IBGE sobre mobilidade social comprovou que quanto maior for a escolaridade dos pais, maior tende a ser o progresso dos filhos nos estudos. Por conseguinte, as chances profissionais desses jovens dependem, em grande medida, da educação de seus pais. Essas conclusões ajudam a entender por que a melhoria do ensino público básico, aquele que atende as crianças de famílias mais pobres, é determinante para reduzir a desigualdade social de forma sólida, razão pela qual é nesse estágio que deveriam se concentrar os investimentos estatais na área de educação.
Com a precariedade do ensino público básico, os meninos que hoje desistem da escola antes de adquirir escolaridade minimamente satisfatória – quer porque não conseguem conciliar as aulas com o trabalho precoce, quer porque frequentar a escola não faz sentido nem para eles nem para suas famílias – serão, no futuro, os pais cujos filhos estarão destinados a formar a base da pirâmide social. Esse círculo vicioso precisa ser rompido, para que se pavimente o caminho do desenvolvimento sustentável nas próximas décadas e para que a mobilidade social no Brasil não continue a ser apenas uma ilusão resultante de arroubos populistas e fórmulas mágicas.
A pesquisa Suplemento de Mobilidade Sócio-ocupacional, a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2014, foi feita com pessoas a partir dos 25 anos e que moravam com os pais aos 15 anos. É o primeiro levantamento do IBGE a abordar de que maneira a origem sócio-ocupacional dos pais exerce influência sobre o futuro dos filhos no que diz respeito à educação e ao trabalho.
Um dos recortes mostra que 23,6% dos filhos cujos pais não foram alfabetizados até os 15 anos de idade também eram analfabetos pelo menos até aquela idade, situação que os condenou aos piores empregos. Apenas 4% dos filhos de pais naquela condição conseguiram completar o ensino superior. Já entre os filhos cujos pais completaram o ensino superior, somente 0,5% não havia se alfabetizado antes dos 15 anos, e nada menos que 69,1% completaram o nível superior.
Esse cenário se repete em relação à renda. Para os trabalhadores sem instrução básica cujos pais são igualmente analfabetos, a renda média é de R$ 717. Já para os trabalhadores sem instrução básica cujos pais atingiram o nível superior de educação, a renda média chega a R$ 2.324. Ou seja, mesmo que o trabalhador não tenha boa formação, seu salário melhorará caso seus pais tenham tido educação até os níveis mais altos. Já os trabalhadores com nível superior cujos pais são analfabetos terão uma renda média de R$ 2.603. O valor sobe para R$ 6.739 caso os pais também tenham nível superior.
Esses números mostram que a baixa escolaridade dos pais dificulta a trajetória profissional e educacional dos filhos. Entre os filhos cujos pais são analfabetos, 63,6% também não tiveram instrução ou avançaram apenas para o início do ensino fundamental. Enquanto isso, dos filhos cujos pais completaram o ensino médio, 12,4% chegaram à universidade e, destes, 41,2% conseguiram diploma de ensino superior.
Isso significa que o avanço da escolaridade dos brasileiros nas últimas décadas ainda não foi suficiente para romper a desigualdade. Mesmo que o número de crianças entre 7 e 14 anos fora da escola tenha caído de mais de 15% na década de 90 para 2% em 2014, os filhos de famílias com menos recursos continuam destinados a ter condições de vida semelhantes às dos pais.
Nada indica que a situação possa melhorar num futuro previsível, especialmente quando se observa a parte da pesquisa a respeito das crianças que precisam trabalhar – e, portanto, não conseguem avançar nos estudos. Entre os filhos cujos pais são agricultores, 59,6% começam a trabalhar antes dos 13 anos de idade, enquanto o porcentual cai para 7,5% entre os filhos cujos pais são acadêmicos, cientistas ou artistas.

Trocando em miúdos, a origem socioeconômica, como nas antigas sociedades estamentais, tende a condenar parte dos brasileiros à condição de cidadãos de segunda classe.

Editorial, Estadão - Rumo ao Natal, com cautela

O Natal já começa a aparecer na decoração das lojas, mas os primeiros indicadores do quarto trimestre, apesar de alguns sinais positivos, só permitem prever, por enquanto, um moderado aumento de consumo no fim de ano. As demissões diminuíram nas fábricas paulistas em outubro, quando foram fechados 6.500 postos, segundo a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). O nível de emprego caiu 0,28% em relação ao mês anterior. Em agosto havia caído 0,5%. Em setembro, 0,98%, na série com ajuste sazonal. Com a pequena melhora no mês passado, a projeção de cortes em 2016 foi agora revista de 165 mil para, no máximo, 150 mil. Em 2015, foram eliminados 235 mil postos. Em 10 meses, 92 mil trabalhadores foram dispensados, bem menos que um ano antes, quando 164.500 foram para a rua. Mas o ponto de retorno ao crescimento continua fora do horizonte, segundo o diretor de pesquisas e estudos econômicos da entidade, Paulo Francini.
Os empresários, segundo as últimas pesquisas, continuam mais confiantes do que antes do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, mas sua disposição vem sendo minada pela persistência da crise. Depois de cinco meses de alta, o índice de confiança do empresário industrial diminuiu em outubro e novembro, de acordo com a sondagem da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Em dois meses, o indicador caiu 2 pontos, até 51,7. Está de novo bem próximo da linha divisória, correspondente a 50 pontos, entre o pessimismo e o otimismo. Um ano antes estava em 36,4 e a melhora é indiscutível, mas ainda insuficiente para abrir uma nova fase de dinamismo.
Outro dado positivo, pelo menos à primeira vista, foi o aumento mensal de 2,3% na produção de veículos, em outubro, quando as montadoras fabricaram 174.150 unidades. Mas esse número foi menor que o de qualquer dos quatro meses de maio a agosto. Com um pouco menos de otimismo, pode-se descrever esse resultado mais como um repique do que como um crescimento de fato. No ano, o total produzido ainda foi 17,7% menor que o dos 10 meses correspondentes de 2015.
Serão necessários mais dados positivos para confirmar uma efetiva melhora do quadro no quarto trimestre. No terceiro, segundo os levantamentos e estimativas publicados até agora, a recessão continuou. No período entre julho e setembro, a queda do Produto Interno Bruto (PIB) em relação ao do segundo trimestre ficou no intervalo de 0,21% a 1,14%, de acordo com 24 projeções coletadas pelo Broadcast, serviço da Agência Estado.
A mediana dessas projeções (-0,8%) é muito parecida com a queda de 0,78% apontada pelo Banco Central em seu índice de nível de atividade econômica (IBC-Br), publicado na quinta-feira passada.
No dia seguinte, a Fundação Getúlio Vargas divulgou a nova edição de seu Monitor do PIB, revisto mensalmente. Pela nova estimativa, a economia brasileira produziu no terceiro trimestre 0,99% menos que no segundo. Os mesmos cálculos apontaram uma queda acumulada de 4,2% nos 12 meses até setembro.
Nesse quadro, a maior parte dos dados permaneceu negativa, tanto na oferta quanto na demanda. No cenário apresentado, a economia também continuou perdendo musculatura: no terceiro trimestre, a formação bruta de capital fixo, isto é, o investimento em máquinas, equipamentos e obras, foi 11% menor que no período de julho a setembro de 2015. Não há surpresa nem se deve esperar, em pouco tempo, maior disposição de investir, pelo menos no setor privado. Formação de capital fixo, nos próximos meses, só ocorrerá, de forma significativa, se for em obras de infraestrutura, dependentes dos planos oficiais.

Os dados oficiais do PIB no terceiro trimestre devem sair no fim do mês. Nada justifica, até agora, a expectativa de números muito melhores do que aqueles apresentados na série do IBC-Br e nas projeções de economistas do setor privado e da academia. Pode haver apostas mais otimistas para 2017, mas será preciso, nesse caso, apostar também na força política do Executivo.