Ricardo Alfonsin - Funrural: polêmica longe do fim


A polêmica do chamado Funrural, contribuição patronal do produtor rural pessoa física, não terminou. Em 23 de maio deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) sepultou a inconstitucionalidade por ele declarada em 2010 e 2011, por unanimidade. Assim, reverteu posição de que o tributo deveria ter sido criado por lei complementar, e não por lei ordinária. Com a edição da Emenda Constitucional nº 20/1998, deixou de existir a necessidade de lei complementar, e então a Lei 10.256/2001 recriou o tributo, fundamento utilizado no último julgamento para declarar a constitucionalidade.
É bom lembrar que em 2010 e 2011 já existia a lei e o STF não poderia ignorá-la. A partir de 2011, da certeza de que o tributo era inconstitucional, produtores rurais, cooperativas e agroindústrias foram a juízo pedindo o fim da cobrança e a devolução do valor pago nos últimos cinco anos. Obtiveram liminares e sentenças favoráveis em primeiro e segundo graus, resultando em um passivo que dizem chegar a R$ 17 bilhões, a ser suportado principalmente por produtores rurais pessoas físicas empregadores, em razão da nova posição do STF.
Após grandes embates no Congresso, vetos e derrubadas de vetos, foi promulgada a Lei 13.606/2018, que permite pagar o passivo com uma entrada de 2,5% sobre o débito bruto, e o saldo sem multa, correção e honorários, em até 176 parcelas de 0,8% do faturamento do ano anterior, corrigido pela Selic. A lei criou um regramento para o tributo a partir de janeiro de 2018, baixando a alíquota do INSS de 2% para 1,2%, isentando as transações entre produtores, permitindo a opção pelo pagamento de 20% sobre a folha a partir de janeiro de 2019.
Para o produtor pessoa jurídica, baixou de 2,5% para 1,7%. A adesão ao Programa de Regularização Tributária Rural (PRR), conhecido como Refis do Funrural, pode ser feita até 30 de outubro de 2018. A insegurança jurídica trazida por este caso ficará marcada na história do judiciário, atingindo gravemente a já desgastada imagem do STF. Resta decidir a inconstitucionalidade do tributo para o produtor pessoa jurídica, que me parece terá sucesso, já que há bitributação pelo uso da mesma base do PIS/Cofins; e a nova situação pela não declaração de constitucionalidade do artigo 30, inciso quatro, da Lei 8.212 na decisão de 2017, ficando assim os sub-rogados, indústria adquirente, isenta do pagamento passado e futuro. Ou seja, teremos ainda novos capítulos desta novela.

- Ricardo Alfonsin, Presidente da Comissão Especial de Direito Agrário e do Agronegócio da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio Grande do Sul (OAB-RS) e presidente nacional da Comissão de Direito Agrário da OAB (CFOAB)

Artigo, Tito Guarniere - País diferente


No Brasil tudo teima em acontecer, contrariando a lógica e a disposição dos astros. Como entender este lugar aprazível, tantas vezes bizarro, e mais ainda entender o nosso povo cordial e confuso? Como podemos demorar tanto para aprender lições rudimentares? Por que fazemos sempre a mesma coisa e esperamos resultados diferentes? Por que perseguimos ideias e soluções que deram invariavelmente errado onde foram tentadas?

Vejam vocês agora. O governo, diante do movimento dos caminhoneiros, baixou a guarda (quase disse que baixou as calças) e fez o simples e errado: vai subsidiar o óleo diesel e tabelar os fretes. Além de todos os transtornos daquela semanada inglória, portanto, ainda teremos de pagar a conta. Agora é a vez do agronegócio se amotinar, porque não aceita pagar a parte que lhe cabe no frete tabelado. E para completar, se o governo voltar atrás, os caminhoneiros ameaçam parar de novo o país.

Para o lado que se olhe, são fatos e eventos que desafiam o senso comum. O Brasil é um dos países de mais alto índice de mortes violentas, maior do que países que estão em guerra civil. Em 2016 foram assassinados no Brasil mais de 62 mil pessoas. Um dos nossos mais flamantes vexames, uma das nossas incontáveis vergonhas nacionais. E que candidato lidera as pesquisas, se Lula não concorrer, como é provável? Jair Bolsonaro, cuja proposta mais vistosa é armar a população. Só pode ser porque está querendo melhorar os números dessa estatística infame.

Bolsonaro é o candidato da direita. Mas na Câmara vota quase sempre com o PT: contra o Plano Real, contra a quebra do monopólio da Petrobras (extração de óleo), contras as privatizações, contra a reforma trabalhista, contra o teto de gastos.

No simpático estado de Santa Catarina, uma juíza concedeu a um pai amoroso o direito de 180 dias de licença-paternidade, para cuidar de suas filhas gêmeas recém-nascidas. Que bom, dirão as pessoas de bom coração. Quando li a manchete pensei: é funcionário público. Bingo! Trabalha no Tribunal Regional Eleitoral. Bom para ele. Tem eleição este ano, e na hora em que esse tribunal (que já é um descabimento, só o Brasil tem uma Justiça eleitoral autônoma) mais precisa, o zeloso barnabé estará em casa cuidando dos seus bebês. Não seria razoável dar um ano de licença, uma vez que o paizão tem duas meninas para cuidar?

Na mesma ordem de assunto, li a manchete: “Câmara aprova licença-paternidade para avós”.
Li duas vezes, três. Era isso mesmo. Os deputados, na falta do que fazer, aprovaram uma lei que permite ao avô ou à avó uma licença remunerada de cinco dias para cuidar do neto(a) recém-nascido(a). Não é assim de caso largado: há regras restritivas. Mas sabem como é. Essas coisas vão se introduzindo devegarinho, depois libera geral.

Aqui no Rio Grande, deputados da bancada progressista e de esquerda votaram contra o plebiscito para privatizar estatais. Não há quem faça discursos mais vibrantes em defesa da soberania popular. Mas neste caso eles abrem uma exceção. Soberania popular, plebiscito, referendo, essas mumunhas, sim, mas sem exagero. Nada de radicalizações.


titoguarniere@terra.com.br

Cármen Lúcia diz que sem imprensa livre nada funciona bem no Estado

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, defendeu ontem a liberdade de expressão nos meios de comunicação e avisou:

- Sem a imprensa livre, a Justiça não funciona bem, o Estado não funciona bem.

O repórter José Cruz, da Agência Brasil, informou que a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, presidiu o seminário “30 anos sem censura: a Constituição de 1988 e a liberdade de imprensa".

A ministra participou da abertura de um seminário, em Brasília, sobre os 30 anos da promulgação da Constituição de 1988, que impediu à censura prévia da imprensa, após anos de regime de ditadura militar. 

O tema foi "“30 anos sem censura: a Constituição de 1988 e a liberdade de imprensa”, promovida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na sede do STF, em Brasília. 

"Em 30 anos de vigência da Constituição, a mídia é outra, o poder é outro, a sociedade é outra, porque tudo muda. Mas, a Constituição, precisa de ser reinterpretada para se manter viva e coerente com as necessidades do povo brasileiro, da cidadania brasileira", completou a ministra. 
Com vários paineis realizados durante o dia, o seminário discutiu a censura judicial à liberdade de imprensa, os processo de indenização por danos morais, o surgimento das fake news como arma de desinformação e o uso de robôs nas redes sociais como ameaças ao direito de informação da sociedade e ao exercício do jornalismo.

Análise, Cláudio Júnior Damin - Por que Sartori lidera a eleição para o governo do RS?


- Cláudio Júnior Damin, doutor em Ciência Política e professor da Universidade Federal do Pampa, campus São Borja. https://www.facebook.com/claudio.damin.lv/

O atual governador do Rio Grande do Sul, José Ivo Sartori (MDB) lidera, e com folga, a corrida pelo Palácio Piratini. Segundo o levantamento do instituto Paraná realizado de 06 a 11 de junho, o peemedebista alcança até 30% das intenções de voto no primeiro turno. Seus concorrentes mais imediatos – Eduardo Leite (PSDB), Miguel Rossetto (PT) e Jairo Jorge (PDT) – conseguem, no máximo, atingir 12% de intenção de voto. Hoje essas três candidaturas, empatadas tecnicamente, disputariam uma vaga no segundo turno com o governador.
O desempenho de Sartori não deixa de ser mesmo surpreendente por dois motivos.
Em primeiro lugar, porque seu governo possui uma baixa aprovação popular. Segundo a pesquisa, apenas 18.3% dos eleitores gaúchos consideram o governo estadual ótimo/bom, para 37.9% ele é regular e outros 42.2% avaliam como ruim/péssimo. Note-se que a rejeição ao governo é duas vezes superior a sua aprovação. Ao que parece, parte desse contingente elevado de gaúchos que considera como “regular” o governo de Sartori o escolhe como candidato no primeiro turno.
Em algumas eleições esse eleitor com opinião regular sobre determinada administração é governista e em outras é oposicionista. A julgar pelos 30% de intenção de voto do governador, o eleitor gaúcho com opinião regular sobre o governo aproxima-se do governismo, catapultando Sartori para a liderança isolada na pesquisa.
O segundo motivo que justifica a surpresa com o desempenho do governador é sua taxa de rejeição. Ela é elevada: 51.5% dos entrevistados dizem que não votariam de jeito nenhum em Sartori para governador. Seu potencial de voto, por sua vez, é de 47%. O governador é, neste momento, o candidato mais rejeitado, e também o de maior intenção de voto.
Infelizmente a pesquisa não realizou simulações de segundo turno que poderiam sinalizar para o atual teto de intenção de voto do governador, ou seja, o quanto ele consegue crescer do primeiro para o segundo turno.
Sartori, por fim, é também beneficiado pela fragmentação de outras candidaturas que enfrentam dois problemas distintos: rejeição alta e elevado grau de desconhecimento.
A esse respeito, o candidato do PT, ex-ministro Miguel Rossetto, que teoricamente representa a candidatura oposicionista de maior representatividade entre o eleitorado, é rejeitado por um número também preocupante: 47.8%. Além de revelar a força do anti-petismo no Rio Grande do Sul, indica a incapacidade de o PT agregar em torno de seu candidato os eleitores insatisfeitos com o governo Sartori. Relembre-se que Rossetto atinge, no máximo, 12% de intenção de voto.
Já Eduardo Leite, que o Palácio Piratini considera o principal adversário do atual governador, é o candidato de menor rejeição – 31.4% –, o que poderia garantir-lhe uma vantagem competitiva. Não é, neste momento, o que ocorre em função de outra variável: o ex-prefeito de Pelotas é desconhecido por 35% dos entrevistados. Esse grupo não sabe quem ele é, brecando um melhor desempenho mesmo que possua baixa rejeição. O desafio de Eduardo Leite, portanto, é tornar-se conhecido mantendo rejeição em torno dos 30%.
Jairo Jorge e Luiz Carlos Heinze sofrem de dois problemas conjugados. Os dois candidatos possuem rejeição na casa dos 40% e desconhecimento de 30%. Em média, a cada dez eleitores gaúchos, três poderiam votar em Heinze ou Jairo para governador, outros quatro não votariam de jeito nenhum e os demais três sequer os conhecem. São, pois, neste momento, candidatos de competitividade duvidosa, pois precisam se tornar mais conhecidos sem que isso implique maior rejeição a seus nomes.
A folgada liderança de Sartori, vale destacar, pode ser ilusória. E não só pelo fato de os demais candidatos serem ainda e em boa medida desconhecidos do eleitorado - principalmente Eduardo, Jairo e Heinze –, mas também porque há um contingente na casa dos 20% que não escolhe qualquer um dos candidatos apresentados pelo instituto Paraná. O cenário atual pode muito bem ser alterado.

Artigo, Hélio Gurovitz, 1 - Trump, Kim, Moon e o Nobel da paz


Inimaginável até fevereiro passado, o encontro histórico entre Donald Trump e Kim Jong-un pôs fim à dúvida que persistia para o início de negociações rumo à paz duradoura na Península Coreana. Os dois são, ao lado do sul-coreano Moon Jae-in, candidatos naturais ao Nobel da Paz deste ano.

Tem pouco significado imediato o comunicado assinado hoje em Cingapura. Natural que, nesta fase, o resultado produzido ainda seja vago e pobre em detalhes. O importante é que, doravante, está criada a ponte entre Kim e Trump. “Ele confia em mim, eu confio nele”, afirmou Trump após a reunião. A confiança mútua entre os líderes dos dois lados é a melhor garantia de que as negociações podem trazer frutos.

Trata-se de um momento tão histórico quanto foram a viagem de Richard Nixon à China, em 1972, ou os acordos entre Ronald Reagan e Mikhail Gorbachev, em 1986 e 1987. Em ambos os casos, a relação pessoal criada entre os líderes dos dois países fez deslanchar negociações que ambos os lados julgavam improváveis, até impossíveis, e resultaram numa nova configuração geopolítica do planeta.

Até que ponto o diálogo entre Trump e Kim poderá trazer resultado semelhante? Impossível saber a esta altura. Mas o primeiro passo foi dado. Trump cedeu ao aceitar que a realidade da desnuclearização exige uma abordagem gradual. Kim, ao adotar como meta inequívoca o fim das armas nucleares na Península Coreana. Em troca, obteve uma garantia implícita de que ficará no poder.

“O presidente Trump se comprometeu a fornecer garantias de segurança à Coreia do Norte, e o líder Kim Jong-un reafirmou seu compromisso firme e inabalável com a desnuclearização completa da Península Coreana”, afirma o comunicado assinado pelos dois.

As questões que persistem depois do encontro dizem respeito aos detalhes. Quando estão em jogo negociações nucleares, é claro que detalhes são essenciais e podem por tudo a perder. Kim reafirmou as palavras empregadas na declaração de Panmunjom, assinada com a Coreia do Sul em abril, em que se compromete a “trabalhar rumo à desnuclearização completa da Península Coreana”.

É uma formulação vaga, que não estabelece prazos e lhe permite manter armas nucleares como forma de pressão pelo tempo que julgar necessário. Está bem distante da meta do assessor de Segurança Nacional John Bolton, que usa como exemplo o caso da Líbia. Em 2003, o ditador Muammar Khaddafi aceitou despachar todo o material atômico e seu arsenal de armas químicas para ser desmantelado fora do país.

Para os norte-coreanos, a Líbia é a prova de que os americanos não são 100% confiáveis. Depois de aceitar se desvencilhar do programa nuclear, foi atacada em 2011, e Khaddafi, deposto. Outro exemplo usado para desacreditar os americanos é o acordo com o Irã, rompido por Trump há pouco mais de um mês.

Mas a Coreia do Norte está em situação bem distinta. Para começar, já dispõe de bombas atômicas – estimativas falam em até 60 – e de mísses para lançá-las sobre território americano. Há, segundo a Rand Corporation, entre 40 e 100 instalações nucleares no país (no mínimo o triplo que o Irã tinha antes do acordo com o governo Barack Obama). A desnuclearização completa não será alcançada em menos de dez ou quinze anos, diz um relatório da Universidade Stanford.

O principal risco é que qualquer documento negociado agora pelos dois lados seja fraco nas garantias de desnuclearização total. Manter algo como dez bombas atômicas, cujo desmantelamento estaria sujeito a alguma condição improvável, seria uma vitória para Kim.

Os incentivos para que Trump faça concessões são óbvios – e Kim foi astuto ao perceber isso. Pela primeira vez desde a Segunda Guerra, os Estados Unidos têm um presidente disposto a recuar nas intervenções internacionais. Um eventual acordo envolverá redução na força de 28 mil soldados mantidos na Coreia Do Sul. Os norte-coreanos poderiam impôr a retirada deles como condição ao desarmamento.

O presidente sul-coreano, Moon Jae-in, almeja a aproximação com o país vizinho como oportunidade econômica. Vê a reunificação como meta tangível, que justificaria riscos. O Japão, ao contrário, observa a negociação com receio, ou mesmo angústia. É essencial, para os japoneses, que o desarmento inclua não apenas os mísseis de longa distância que alcançam Chicago ou Washington, mas também os de curta, que chegam a Tóquio ou Kyoto.

A maior forma de pressão que Trump tem em mãos são as duríssimas sanções econômicas impostas contra a Coreia do Norte desde o fracasso das últimas negociações em 2006. A abertura no setor agrícola, industrial e de serviços é urgente para combater a fome e a pobreza endêmica. Investimentos e a integração ao mercado financeiro global representariam outra vitória para Kim.

Duas dificuldades poderão emperrar as conversas. Primeiro, as visões diferentes sobre os objetivos a alcançar. Não há possibilidade de Kim aceitar abrir mão de todas as suas armas sem a garantia de sobrevivência de seu regime tirânico não apenas dos Estados Unidos – mas também da China, a grande ausente das negociações.

Para o governo de Seul, e mesmo para Tóquio, a meta implícita é a reunificação. Para a China, esse cenário é intolerável. Pequim jamais aceitará tropas americanas perto de suas fronteiras – e mantém Kim sob controle remoto. A expectativa americana é desligar a conexão que liga Pyongyang a Pequim para redesenhar a geopolítica na região.

Entra em jogo então a segunda dificuldade: a personalidade imprevisível dos dois líderes. É sintomático que, ao longo de todo o balé de reaproximação, Kim tenha parecido o mais adulto. Personalidades têm importância crucial nas iniciativas diplomáticas. O temperamento de Trump é tudo menos estável. Qualquer explosão no Twitter, rompendo as conversas ao menor pretexto, significará não um recuo à situação anterior, mas um risco ainda maior.


Por enquanto, Trump e Kim parecem afinados. Há interesses comuns. A química pessoal poderá resultar num acordo sem precedentes. A China representa a maior incógnita. Mas não dá para comparar a situação atual à do início do ano, quando se temia uma guerra nuclear. Se o motivo da aproximação for maior que apenas um Nobel para satisfazer ao ego de ambos, o mundo estará mais seguro. E não há, por sinal, mal algum em conceder o Nobel a Trump, Kim e Moon. Eles merecem!