TITO GUARNIERE ​ A ALEGORIA CRETINA DE FREI BETTO

TITO GUARNIERE
A ALEGORIA CRETINA DE FREI BETTO
Frei Betto, em artigo sobre a reforma da previdência, na Folha de São Paulo, ultrapassa todos os limites na desinformação e na desonestidade intelectual.
O padre - acho que ele ainda é padre - faz uma projeção para o ano de 2036, e imagina o governo de então propondo um novo arranjo na previdência social brasileira, uma vez que a reforma de 2016, depois de 20 anos, “já não corresponde à realidade do País”.
Parece que o autor quis escrever uma peça de humor negro, mas a ironia apenas se revela cretina. O forte de gente como ele não é o humor, mas o mau humor. A solução, no governo de 2036, na alegoria grossa de Betto, é a eliminação sumária de todos os velhos ao atingir a idade de aposentadoria e dos que a anteciparam por invalidez.
A ideia de eliminação sumária, é desses atos falhos para lá de óbvios: tem origem no devotado fervor que ele nutre pela ditadura cubana, e a prática tristemente famosa do “paredón”, que eliminava a tiros, sem julgamento, adversários e inimigos. Faz tempo que o padre, ou o “padre” vê mais méritos (e menos defeitos) no regime castrista do que na sua própria Igreja.
No texto de ficção, o Frei comete a sandice de dizer que (em 2036) o “índice de envelhecimento já é de 98%”. Para se chegar a um tão espantoso percentual de velhos, o corte da velhice precisaria começar aos dois anos de idade.
Outro destrambelho se dá quando ele diz que (em 2036) “o número de aposentados é demasiadamente alto - representa 2% do PIB”. A construção é confusa. Parece que ele quer afirmar que em 2036 o valor das aposentadorias consumirá 2% do PIB. Quem dera, Frei Betto! Se fosse somente isso não haveria crise na previdência. O percentual do PIB que é gasto, hoje, com aposentados e pensionistas é da ordem dos 12%. E a projeção para 2036 é de 20% do PIB, maior do que qualquer país do mundo!
Alguém dirá que o texto de Betto é uma ficção e não precisa ser exato nos percentuais e números. Mas mesmo a ficção deve guardar alguma relação coerente com os fatos. Ele não está escrevendo uma fábula onde os bichos falam, ou o roteiro de um filme de Frankenstein. Ele está fazendo – se podemos chamar assim - a análise de um problema sério, de política e de economia.
Mas Frei Betto é um homem de certezas inarredáveis. Ele poderia se fazer a pergunta: e se não fizer a reforma? O resultado de uma reforma meia-sola, ou nenhuma reforma, é que pode gerar o cenário de terra arrasada imaginado na paródia de Betto.
Sem idade mínima de aposentadoria, sem equivalência da previdência pública e privada, sem redução dos benefícios, sem novos aportes, o sistema consumirá (em breve, no tempo histórico) toda a receita dos municípios, estados e União. Não sobrará nenhum centavo para saúde, educação, segurança, Justiça. Faltará dinheiro para pagar os funcionários em atividade.
Se deixar assim, todos perderão tudo, na crise social, fome, miséria e desemprego, na destruição de capacidade do Estado e na bancarrota geral da atividade produtiva. A reforma é necessária para dar fôlego ao sistema. É concordata, na qual todos perdem para evitar o pior, que é a falência, o fim.

titoguaniere@terra.com.br 

Doze Estados projetam fechar 2017 com rombos nas contas públicas

Doze Estados projetam fechar o próximo ano com rombo nas contasNo vermelho. Número ainda pode aumentar, porque alguns governadores admitem reavaliar suas previsões, já que a expectativa de crescimento do PIB em 2017 vem caindo; o Rio é o Estado em pior situação, com projeção de déficit primário de R$ 19,3 bilhões
       
Idiana Tomazelli, Adriana Fernandes e Murilo Rodrigues Alves, de Brasília ,
O Estado de S. Paulo

Mesmo após um socorro bilionário do governo federal, com o alívio no pagamento da dívida com a União, a crise nos Estados deve ter um novo capítulo em 2017. Doze governos estaduais projetam um déficit primário em seus orçamentos no ano que vem, segundo levantamento feito pelo ‘Broadcast’, e outros admitem a possibilidade de frustração de receitas, o que levaria a uma lista maior de resultados negativos.
Após verdadeiras peregrinações de governadores e secretários de Fazenda por gabinetes em Brasília, os Estados conseguiram que a União acenasse com a renegociação da dívida e com a divisão dos recursos obtidos com o programa da repatriação, que injetou R$ 11 bilhões nos cofres estaduais este ano e deve ter nova edição em 2017. Tudo isso garantiu um alívio momentâneo, mas ficou longe de resolver o problema.
A principal aposta dos governadores era de que a economia reagisse no ano que vem, o que teria efeito positivo sobre a arrecadação. Mas as expectativas em relação ao crescimento em 2017 não param de cair, jogando uma pá de cal nos planos de recuperação no curto prazo. Enquanto isso, os compromissos do dia a dia seguem se acumulando, e não é difícil encontrar casos de Estados que vão virar o ano sem ter pago o 13.º salário a seus servidores.
Um deles é o Rio de Janeiro, que enfrenta uma das situações mais delicadas e foi o primeiro a decretar calamidade financeira. Em 2017, o Rio deve ter o maior rombo entre os Estados: R$ 19,3 bilhões, segundo estimativas do governo fluminense. Os gastos com Previdência explicam boa parte do déficit: hoje o Estado tem uma folha de inativos praticamente igual à de servidores na ativa. Para tentar equilibrar as contas, o governador Luiz Fernando Pezão encaminhou um duro pacote de medidas que prevê, entre outros pontos, a elevação na alíquota de contribuição previdenciária, mas as propostas enfrentam forte resistência de políticos e funcionários públicos.

No grupo dos que decretaram calamidade financeira, Minas Gerais prevê um resultado negativo em R$ 8,06 bilhões no ano que vem, após um rombo na mesma magnitude este ano. Há ainda Estados que usam da “criatividade” na formulação das contas, como o Rio Grande do Sul, cuja projeção oficial é de um superávit de R$ 1,2 bilhão. Para isso, o Estado incorporou R$ 2,9 bilhões em receitas extraordinárias “para cobrir déficit”, que o próprio governo reconhece que não irão se realizar.
“Se considerarmos o que estamos arrastando de despesa de 2016 para 2017 e tudo o que vai faltar de receita, o déficit vai ultrapassar R$ 5 bilhões”, diz o secretário de Fazenda gaúcho, Giovani Feltes. O Estado atualmente vive uma escolha difícil, entre pagar metade dos salários de dezembro ou metade do 13º.
No Paraná, o déficit previsto é de R$ 4,1 bilhões, mas o governo diz que o dado efetivo será próximo de zero – mas para isso, conta com receitas incertas, de operações ainda em estruturação, como securitização de recebíveis (cujo projeto de lei federal ainda está em tramitação) e empréstimos que ainda precisam do aval da União. “É uma questão contábil, algumas receitas não entram como receita primária”, minimiza o secretário de Fazenda do Paraná, Mauro Ricardo Costa.

Mesmo Estados que projetam superávit primário no ano que vem já avaliam revisar essas projeções. Isso porque a expectativa de crescimento do PIB brasileiro em 2017 está cada vez menor – o mercado já prevê alta de 0,5%, metade da estimativa oficial do governo (1%).

Artigo, Elio Gaspari, Correio do Povo - Eliana Calmon apimentou o vatapá

Eliana Calmon apimentou o vatapá
A ex-corregedora da Justiça não leva a sério colaboração da Odebrecht que esquece o Judiciário
Eliana Calmon, ex-ministra do Superior Tribunal de Justiça, é uma chef diletante. Seu livro “Receitas especiais” está na décima edição. Ela diz que faz seus pratos por instinto, mas não foi o instinto que a levou a jogar um litro de pimenta na festejada colaboração da Odebrecht com a Justiça. Falando ao repórter Ricardo Boechat, Eliana Calmon disse que “delação da Odebrecht sem pegar o Judiciário não é delação”. De fato, no grande vatapá da empreiteira não entrou juiz: “É impossível levar a sério essa delação caso não mencione um magistrado sequer”.
Sua incredulidade expõe uma impossibilidade estatística. A Odebrecht se lembrou de tudo. Listou o presidente Michel Temer e Lula, nove ministros e ex-ministros, 12 senadores e ex-senadores, quatro governadores e ex-governadores, 24 parlamentares, três servidores, dois vereadores e um empresário, todos ligados ao Executivo e ao Legislativo ou à política. Do Judiciário, nada.
Eliana Calmon, como a Odebrecht, é baiana. Como corregedora-geral do Conselho Nacional de Justiça, ela foi uma ferrabrás. Antes do surgimento da Lava-Jato, a ministra prendeu empreiteiros, brigou com colegas e denunciou a rede de filhos de ministros de tribunais superiores que advogam em Brasília. Aposentou-se, em 2014 concorreu ao Senado pelo PSB da Bahia e foi derrotada. (Durante a campanha, ela e o partido informaram que receberam doações legais da Odebrecht, da Andrade e da OAS.)
Entre 2011 e 2015, a Odebrecht esteve na maior disputa societária em curso no país. Nela enfrentaram-se as famílias de Norberto Odebrecht, o fundador do grupo, e de Vitor Gradin, seu amigo e sócio, com 21% de participação no grupo. Quando Norberto e Vitor se associaram, estipularam no acordo de acionistas que, havendo conflitos, eles deveriam ser decididos por arbitragens. No comando da empreiteira, Marcelo Odebrecht decidiu reorganizar a empresa afastando a família Gradin, oferecendo-lhe R$ 1,5 bilhão por sua parte. O sócio achava que ela valia pelo menos o dobro.
Os Gradin foram à Justiça pedindo arbitragem, uma juíza deu-lhes razão, mas sua sentença foi anulada liminarmente por um desembargador baiano. Quando os Gradin arguiram sua suspeição, ele declarou-se vítima de “gratuita ofensa” e declarou-se suspeito “por motivo de foro íntimo”.
O litígio se arrastou, e, em plena Lava-Jato, em dezembro de 2015, o STJ deu razão aos Gradin. Em pelo menos um episódio a Odebrecht mobilizou (inutilmente) sua artilharia extrajudicial.
Se nenhum executivo da Odebrecht falou do Judiciário, pode ter sido porque nada lhe perguntaram. Existiriam motivos funcionais para que não fossem feitas perguntas nessa direção. Vazamentos astuciosos, como o de um suposto depoimento envolvendo o ministro José Antonio Toffoli, dão a impressão de que, mesmo não havendo referências ruidosas, existe algum arquivo paralelo, sigiloso e intimidatório.
A declaração de Eliana a Boechat apimentou o vatapá. O corregedor nacional de Justiça, ministro João Otávio de Noronha, estaria disposto a abrir uma investigação nas contas da campanha da ex-colega. (Ambos estranharam-se quando conviviam no tribunal.)
Essa briga será boa, e a vitória será da arquibancada.
Elio Gaspari é jornalista


Afinal, o que fazia a Cientec?

Afinal, o que fazia a Cientec?

A Cientec foi extinta junto com outras fundações e estatais pelo governo Sartori, como parte de um pacote de redução de custos proposto pelo executivo gaúcho e aprovado na Assembleia Legistativa na semana passada.

Carlos Martins.

A Fundação Piratini era um das que tinha mais visibilidade no grupo: era responsável pela TVE e Rádio Cultura. A Fundação de Economia e Estatística tinha defensores apaixonados no meio econômico e a Zoobotânica entre os amantes da natureza.
Talvez uma das menos conhecidas do grupo fosse a Cientec, focada na área de Ciência e Tecnologia. 
Nas tardes tórridas de dezembro em Porto Alegre a minutos do recesso de final de ano, uma pessoa pode ser perdoada por passar algumas horas pesquisando, o que, afinal, acontecia no Ceitec.  Foi o que eu fiz.
Em primeiro lugar, não foi fácil descobrir os feitos da Cientec. Na página inicial, há quatro destaques: o aniversário de 74 anos da Fundação; a notícia de que a Cientec teve papel decisivo no ganho de causa para o Estado no caso Ford;  a auditoria de um servidor público na Índia e Emirados Árabes para fiscalizar uma empresa sino-indiana que fornece tubos para Corsan e o DMAE, e finalmente uma ação promovida para conscientização da Saúde do Homem, na qual o palestrante recomenda que se coma mais frutas e legumes e também a prática de esportes. 
Indo um pouco mais a fundo, o relatório de gestão de 2015 explica que a Cientec foi criada em 1942 por iniciativa de engenheiros vinculados à construção de estradas. Na época parece que era uma necessidade o desenvolvimento, teste e medição de materiais de construção. 
Em 2015, a Cientec emitiu 9.911 laudos (média de 39 por dia útil) e 43.459 serviços tecnológicos. Não fica claro o que seriam esses 171 serviços tecnológicos realizados a cada dia. Parece bastante, contudo.

Há também uma incubadora com duas sedes. Em Porto Alegre, dos 11 slots dedicados a start-ups, 6 estavam ocupados em 2015. Já em Cachoeirinha, dos 18 slots, apenas 4 estão em uso. Consta no relatório que 3 incubadas se graduaram em 2015, ainda que a meta definida pelo Governo Sartori fosse 4.  As seguintes empresas se graduaram1 em 2015: Presentech, UpControl e DS PRO AUDIO. 
De uma maneira geral, houve queda nos indicadores de 2014 para 2015. Por essas e outras razões,  a incubadora estava passando por uma reestruturação interna para alinhar sua gestão aos mandamentos da ANPROTEC.
Lendo mais atentamente o relatório de gestão de 2015 e o histórico da companhia, vai ficando claro que a Cientec atuava com mais afinco à prestação de serviços para a área pública e privada, nas áreas de tecnologia metal-me1cânica, geotecnia, engenharia de edificações, materiais de construção civil, química, alimentos, engenharia de processos, e engenharia eletroeletrônica. Do total de serviços prestados, 81,6% foi para a iniciativa privada. A receita total de serviços em 2015 foi de 10,8 milhões de reais. 
Entre os projetos de  pesquisa, desenvolvimento e inovação, destacam-se aqueles voltados à indústria carvoeira, com 8 projetos no total de 10. Isso talvez não agrade muito quem é contra a geração elétrica a partir da queima de combustíveis fósseis. Destes, 4 projetos contavam com financiamento do CNPq,  3 com recursos próprios e um projeto era financiado diretamente pela Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica (CGTEE), subsidiária da Eletrobras (é sem acento).  Os outros dois projetos de PD&I estão relacionados a sistemas de navegação marítima.
Há também os chamados “Estudos Especiais”, que eram desenvolvidos sempre em parceria com alguma universidade. Estes, em sua maioria, destinados à pesquisas na área química, principalmente em bicombustíveis. Havia 23 projetos desta modalidade em 2015. Ademais, há os projetos de execução de serviços, conforme mencionado anteriormente. 
240 funcionários compõem o quadro de recursos humanos. Apenas um era “cargo de confiança” em 2015. A idade média dos empregados é de 53,3 anos. Não encontrei, em mais de 4 horas de pesquisas, dados consolidados sobre a situação financeira da estatal. O relatório curiosamente não informa as despesas e gastos totais da organização. Contudo, informa que a produtividade média de cada funcionário em 2015 (receita de serviços dividida pela força de trabalho ativa) foi de R$ 48.039,80. Fazendo uma conta “de padaria”, poderíamos assumir que, caso a média salarial exceda o valor de R$ 3.700,00 (provavelmente excede), a empresa incorre em prejuízo operacional. Isso sem considerar os impostos sobre o trabalhador, férias, inativos, previdência...
É inegável que a Cientec presta um serviço para a sociedade. Sua linda história, contudo, não é garantia de vida eterna. Resta saber como que as atividades que ela vinha desenvolvendo (e não me pareceu muito em termos de desenvolvimento tecnológico) vai ser absorvido pela comunidade. 
* Carlos Martins é graduado em Comércio Exterior e pela Unisinos e estuda Economia na UFRGS. Já trabalhou para governos estrangeiros como consultor e analista de mercado.1