Artigo, Mateus Bandeira - Perguntar não ofende

Perguntar não ofende" era um bordão de um programa da TV brasileira da década de 1970. Diante da ciência, a assertiva parece evidente. Porém, em pleno século 21, nada que contrarie outro bordão, "Fique em casa", é admitido. A depressão econômica vai causar mais mortes? Os governadores estão sendo fiscal e socialmente irresponsáveis? Esqueça, estas perguntas viraram ofensa.

Por Mateus Bandeira *

Do mesmo modo que há respostas, há perguntas inconvenientes. Por perturbadoras, são aquelas questões que a maioria decide não enfrentar - o que lembra um programa da TV da década de 1970, "Perguntar não ofende".

O coronavírus vai matar muita gente? Vai. E quantas vidas serão ceifadas na depressão econômica que alguns governantes estão deliberadamente gestando? Silêncio.

Cientistas confinados em laboratórios ao redor do mundo em busca da vacina que previna a covid-19 não podem fugir às evidências. Se um grupo de cobaias não reagir bem a um experimento, aquele teste deve ser descartado.

O pesquisador sabe que, caso não o faça agora, no futuro seu remédio será rejeitado pelos laboratórios. Pior: não salvará vidas.

Então, por que nos negamos a responder quantas vítimas advirão da depressão econômica se persistirmos no atual modelo de isolamento social? Pode ser o receio imediato de parecer avarento. Ou o temor futuro de descobrir que a depressão pode ser mais letal.

Pare, olhe, escute

Não, leitor, não tenho as respostas cabais, embora tenha minhas convicções. Mas, em nome da razão, me nego a fugir destas perguntas desconcertantes.
Ao mesmo tempo em que o coronavírus produz vítimas visíveis, ele está contratando mortes futuras. No primeiro caso, vemos números macabros aumentarem diariamente. No segundo, uma bomba-relógio que provocará depressão inédita.

A pandemia é fato tão recente que ninguém pode afirmar que entende plenamente a nova doença. Portanto, não é possível dizer qual o remédio mais adequado.

Na Europa, as receitas adotadas contra a pandemia diferem cada vez mais de país para país. São culturas e perfis populacionais diversos. Portanto, há mais de uma alternativa de como e quando agir.

Ora, o Brasil tem área semelhante à da Europa. Por que, então, uma mesma regra deve ser adotada em todo nosso vasto território?

Como uma manada, a maioria dos governadores e prefeitos corre para o mesmo lado. Quem já fez caminhadas por locais ermos sabe que, às vezes, uma pausa é necessária para perscrutar 360º do horizonte.

Socialmente injustos

A atitude dos governadores, aparentemente responsável, parece guiar-se mais na política do que na responsabilidade social. De olho nas eleições, priorizam o ataque ao presidente Jair Bolsonaro. Por trás da suposta responsabilidade sanitária esconde-se a irresponsabilidade social.

Com o projeto que pode ser votado esta semana pelo Senado (PLP 149/19), tentam criar uma vacina para a doença que eles mesmos agravaram. Para resolver a brutal queda na arrecadação querem onerar ainda mais os cofres da União.

Para quê? Para preservar os privilégios de servidores estáveis, o duodécimo dos demais Poderes e as estatais ineficientes e deficitárias. Os mandatários estão sendo, portanto, fiscal e socialmente injustos.

Posam de bons samaritanos diante dos eleitores e preservam as castas endinheiradas ao custo do erário, pois, logo ali na frente, a dívida contraída pelos cofres largos do Governo Federal vai se converter em impostos e mais restrições fiscais.

 Bom, mas apesar disto, os mandatários locais vão salvar mais vidas. Será?

O Brasil é do tamanho da Europa, com regiões e culturas distintas. Isto significa que a velocidade de propagação do contágio, as internações e a capacidade hospitalar de cada região são distintas.

Mesmo assim, uma única receita está sendo aplicada indistintamente. Assim, os governadores não precisam refletir sobre o custo de suas medidas. Em economia, isto remete ao problema conhecido como risco moral.

Não há indicação de que o modelo de isolamento vai salvar mais vidas. Mas certamente vai provocar, em breve, depressão com consequências nefastas, inclusive mortes.

O vírus, que é irracional, vai matar muita gente durante a pandemia. Os políticos, humanos supostamente racionais, vão matar outros tantos pela visão tacanha e casuística.