Artigo, Marcus Vinicius Gravina - A maldição do Rolex

Alguém imaginou se a autoridade de outro país, doadora do relógio, por meios diplomáticos vier a pedir a devolução do presente dado ao ex-presidente Bolsonaro. 




Diante da inusitada repercussão causada pelo destino dado ao relógio - de enredo de filme policial - com operação da Polícia Federal, invadindo residências e prendendo suspeitos, pode fazer com que o Sheik pense nisso.   




Afinal, foi uma autoridade de um país árabe, quem entregou a pessoa de seu convidado, um presidente amigo o presente, que está servindo de motivo para levá-lo à cadeia.  




Nisso tudo há uma espécie de triângulo:  o doador da joia, o presenteado e a esquerda adversária com o reforço do STF, pronto para aplicar a penalidade.   




O inquérito, bombástico, da Polícia Federal está diante de um tripé. O doador deveria ser ouvido, também.  Cabe a ele dizer se o presente foi destinado à pessoa do ex-presidente ou ao Estado Brasileiro, que não tem pulso para usá-lo e só mão grande para saquear o seu povo.  




Tenho ouvido várias narrativas a respeito mas, nada parecida com esta hipótese. De que o presenteador tem o direito de escolher a quem presentear e de se ofender, mormente, quando sem claras restrições  previstas em lei brasileira, vê o seu convidado atingido por perseguições políticas, transformadas numa “maldição de um Rolex”, ofertado por ele.  




A sua vontade é a que deve preponderar. Fato a ser tratado diferentemente das condenáveis propinas depositadas diretamente em contas de paraísos fiscais, recebidas de empreiteiras ou de fornecedores de aviões transacionados em luxuosos hotéis no exterior.  




Estou curioso para saber, em caso de condenação, qual a lei será aplicada e a penalidade cabível.  Isto porque o que encontrei, dispõe sobre a preservação e proteção dos acervos documentais privados do presidente da República, que ficam a cargo de uma Comissão de Memória dos Presidentes da República.  O Decreto  n.4,344/2003, que regulamenta a Lei 8.394/91 é tão inconsistente quanto à própria Lei, que versa sobre acervos privados dos presidentes, isto é, do conjunto de documentos de natureza arquivista durante o seu mandato.  Nesta discussão, parece ter sido usado o Tribunal de Contas da União, como se tivesse poderes para escrever o seu entendimento sobre como o presidente da República deve agir, quando receber presentes.  




O TCU determinou, por decisão do Plenário, que o Bolsonaro entregue as joias/relógio, sob um fundamento pífio do ministro presidente Bruno Dantas, de que “um presente só pode ser incorporado ao patrimônio pessoal se atender o binômio de uso personalíssimo e baixo valor”.  




Trata-se de uma avaliação subjetiva, sem parâmetro constante em lei. O TCU não tem poderes para legislar e deve saber que sem lei anterior que autorize, não há irregularidade ou crime a ser punido. O TCU que se recolha, neste caso, a sua função de bedel do STF.   




O interessante é que descobri que o acervo dos presidentes pode ser vendido:  




“A venda de acervos documentais privados dos presidentes da República deverá ser precedida de comunicação por escrito à Comissão Memória dos Presidentes da República que se manifestará no prazo máximo de sessenta dias sobre o interesse da União na aquisição desses acervos”. Com maior razão a um relógio. 




Pois, se a lei recomenda a sua reavaliação, por lacunas ou falta de clareza, que seja substituída no Congresso Nacional. 




Alguns amigos, atentos aos meus artigos publicados no Blog do Políbio Braga, me perguntaram o que eu acho deste episódio do Rolex. 




Respondi, que ainda falta muito de aprendizagem ao Bolsonaro para chegar ao nível do seu mestre Lula. 




Caxias do Sul, 14.08.2023 

Artigo, Ricardo Hingel, Zero Hora - O desastre do RS e o foco na União

- O autor é CEO da Score Capital. Ele foi diretor do Banrisul e diretor regional do BTG Pactual. 

A enchente histórica que assolou o Rio Grande do Sul é inédita quanto a seus efeitos e não há estrutura pronta para atender todas as demandas de curto e longo prazo para recuperar o que se foi.

O total dos prejuízos são ainda desconhecidos e estimativas de perdas são precárias, pois não há inventário exato dos danos.

Mas é certo que caberá ao poder público o financiamento e o alcance majoritário de recursos, em especial pelo governo federal, pois o Estado e os municípios prejudicados não conseguirão arcar sozinhos com os prejuízos. 

Nesse sentido, deve ser entendido o pacto federativo, em especial porque anualmente arrecadamos recursos federais para a União na ordem de R$ 57,4 bilhões (2021) e recebemos de volta R$ 13,3 bilhões; são R$ 44,2 bilhões em um ano que a sociedade gaúcha remete para o custeio da máquina federal e para outros estados.

O princípio federativo pressupõe um mecanismo de solidariedade entre União, estados e municípios. Em momentos excepcionais, esse mecanismo poderia ser alterado e o RS deveria passar a receber recursos federais e não se dar ao luxo de continuar transferindo renda para outros entes. 

O pacto federativo deveria ser entendido como um seguro, onde pagamos um prêmio de R$ 44,2 bilhões anuais e quando necessário, poderíamos contar com a apólice para cobrir os prejuízos. Se a União não assumir o custeio excepcional da reconstrução, a recuperação levará um tempo inimaginável, pois o Estado e os municípios não terão recursos suficientes e no tempo necessário.

As compensações até o momento anunciadas pelo governo federal, de R$ 91,6 bilhões, são insuficientes, pois grande parte são empréstimos e antecipação de benefícios já programados, há pouco para habitação e não contempla a recuperação da infraestrutura, além de contabilizar a compra de arroz no valor de R$ 7,2 bilhões como auxílio, quando se sabe que essa ação é altamente prejudicial ao agronegócio gaúcho.

Depois da enchente, a tímida ação federal passa a ser nossa maior preocupação.


Ricardo R. Hingel

Economista

rrhingel@gmail.com