Cacá Diegues, O Globo - O futuro do futuro

O futuro do futuro
Pelo menos para os que têm o poder de influenciar a opinião pública, o Brasil não presta para nada e não tem futuro algum. Somos um país definitivamente fracassado
Desde adolescente, sempre ouvi dizer que o Brasil era o país do futuro, uma expressão criada pelo austríaco Stefan Zweig, um escritor judeu que, fugindo da perseguição nazista, veio viver por aqui. Ele se suicidou em fevereiro de 1942, às vésperas do carnaval, em Petrópolis.
,Pela mesma época, o poeta Paul Claudel, então diplomata francês no Brasil, glosando a ideia de Zweig, afirmou que éramos o país do futuro e o seríamos para sempre. O que Claudel queria dizer é que o brasileiro gostava mesmo era da expectativa do futuro, mesmo que ele não lhe chegasse nunca. A esperança era suficiente.
Hoje, vivemos uma atmosfera mítica oposta. Pelo menos para os que têm o poder de influenciar a opinião pública, o Brasil não presta para nada e não tem futuro algum. Somos um país definitivamente fracassado, condenado à rabeira da civilização contemporânea, incapazes de tudo.
Nossos jornais e redes sociais são feitos desse pessimismo, onde o país é quase sempre identificado com o que há de pior nele, seja na economia, na administração pública, nos costumes, nos espetáculos, no futebol, onde for. Só é profundamente brasileiro aquilo que for profundamente ruim.
Chega. Não quero mais viver esse flagelo da autoestima, essa satisfação com a autocomiseração, esse sossego da morte em vida. Não quero mais rir de mim mesmo, como quem ri de um monstro grotesco imobilizado pela incompetência, piada do resto do mundo.
Não é justo que seja assim, não o merecemos. É preciso voltar a crer que o futuro tem futuro, mesmo que ainda esteja longe de agora. E quem o constrói somos nós mesmos. Não podemos fazer do mito de nossa insuperável impotência a confortável explicação para nosso fracasso pessoal.
Não confundamos esse projeto com a ideia da harmonia universal dos infernos.
O senador Renan Calheiros, em seu discurso de despedida da presidência do Senado, declarou que “depois das turbulências, é hora de um pouso suave para o Brasil”.
Assim como o deputado Rodrigo Maia, ao assumir a presidência da Câmara, declarou que “a harmonia é a palavra-chave que sintetiza um dos pilares da democracia brasileira”.
Nem uma coisa, nem outra. O “pouso suave” do senador e a “harmonia” a que se refere o deputado são justamente duas fantasias que convidam à inação.
A vida, como a política, é o contrário disso — é da crise que o progresso humano se alimenta, é da contradição que se organiza a síntese que construirá o bem-estar do futuro. O que nos falta não é “pouso suave” ou “harmonia”, mas o respeito à opinião do outro que não pensa como nós, o direito que o outro tem de existir. É esse o verdadeiro pilar de qualquer democracia.
No quadro famoso intitulado “Redenção de Caim”, pintado por Modesto Brocos no século XIX, uma negra idosa eleva as mãos aos céus, agradecendo a Deus o neto claro que sua filha mestiça acaba de ter com um branco pobre, todos presentes na tela.
Segundo o cineasta e escritor João Carlos Rodrigues, “trata-se de uma ilustração muito bem-sucedida de uma teoria então vigente, segundo a qual os negros brasileiros desapareceriam em algumas décadas, esmaecidos pela miscigenação”.
Essa teoria do embranquecimento, defendida até por políticos e pensadores progressistas de então, recusava a origem da civilização brasileira, inventando um destino que não tinha nada a ver conosco, nem com a realidade à nossa volta.
Somos sempre vítimas desses “salvacionismos” inventados que nos desviam de nós mesmos e que nos fazem, além de observadores injustos de nossa própria vida, perder tempo e confiança na tentativa de construção de um futuro impossível.
Já invejamos a civilização europeia ocidental e, depois, a contemporaneidade anglo-saxã da América do Norte. Esses projetos acabam por nos produzir um “fatalismo narcisista”, como o nomeou Contardo Calligaris.
O que é tão desejado e ao mesmo tempo tão inviável acaba por não merecer que façamos qualquer esforço em outra direção alternativa. Merece apenas a autopredação moral e material que nossa frustração está acostumada a praticar.
Em busca ansiosa por amigos através das poucas palavras permitidas pelo smartphone, vivemos hoje a nostalgia de uma modernidade cheia de esperança, substituída pelo cinismo da pós-modernidade que se ri desse passado.
Nossas distopias são hoje formadas pelas ruínas dessa modernidade perdida. Nosso futuro estará comprometido se não nos conhecermos e não nos aceitarmos como somos e, a partir disso, construirmos uma civilização democrática e original, mais fraterna e mais generosa, em que temos o direito de acreditar.

Enquanto isso, o carnaval se aproxima inevitável... Viva a mulata!

Entrevista, Eliana Calmon, Correio Braziliense - "Ministros do STF são os mais poderosos da República"

Avessa a qualquer tipo de sigilo no Poder Judiciário, a ministra aposentada do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Eliana Calmon, 72 anos, defende que os dados dos processos da Operação Laja Jato têm de vir à tona. “As coisas públicas precisam ser vistas pela sociedade, que é o órgão que mais controla os Poderes”. Na delação premiada, no entanto, faz a ressalva de que é preciso cuidado para que as informações não sejam usadas para atacar desafetos. Diante da necessidade de substituição do ministro falecido Teori Zavascki, ela analisa as desconfianças do cidadão. “Nós, brasileiros, estamos desconfiados de tudo que vem do Estado, qualquer que seja, de tanto que apanhamos. O Supremo passou a ter uma relevância na sociedade brasileira. Por outro lado, o próprio STF, com a atuação de alguns ministros, tem ficado vulnerável”.

Ao se referir ao ministro Edson Fachin, novo relator da Lava-Jato, ela ressalta qualidades. “Talvez, entre os nove outros ministros, ele seja o que mais tem aproximação com as qualidades do Teori”. Para o sucessor do ministro morto em um acidente aéreo, Eliana defende um nome que não tenha padrinho político. “Eu conheço bem toda a classe jurídica, os integrantes do Judiciário. E o nome que mais se aproxima do perfil do ministro Teori é o Ives Gandra Martins Filho (presidente do Tribunal Superior do Trabalho). “Ele une discrição e determinação, está afastado de toda a contaminação da classe política”. Apesar dos mais de meio milhão de votos na Bahia, na última eleição para o Senado, a ex-ministra garante que não vai voltar às urnas. “Era muito ingênua. Se eu tivesse 30 anos, continuaria para ver a mudança do sistema político. Sem mudanças, não vamos a lugar nenhum”.

Porque tanta desconfiança em relação ao sorteio do substituto de Teori Zavascki?
Nós, cidadãos brasileiros, estamos desconfiados de tudo que vem do Estado, qualquer que seja, de tanto que apanhamos. O Supremo passou a ter uma relevância na sociedade brasileira. É da maior importância para os cidadãos, pois os dois outros Poderes estão vulneráveis. O Legislativo se deteriorou. A deterioração nasce lá dentro e passa pelo braço do Executivo. Por outro lado, o próprio STF, com a atuação de alguns ministros, tem ficado vulnerável. Posso falar muito à vontade, porque sou falastrona. Mas só falei muito quando cheguei à corregedoria. Falei da administração da Justiça. É diferente.

Muita gente aplaudiu sua postura forte. Mas a senhora foi também muito criticada.
O Judiciário está fazendo um grande esforço para se aproximar da população, mas a estrutura dele ainda é quase napoleônica. Os próprios magistrados não aceitam essa abertura. Dizem que as coisas não podem vir à tona em benefício do próprio Judiciário. Não se traz à baila os males do Judiciário se valendo dessa ideia de que se está fortalecendo a República, a democracia. Se começa a esconder tudo. Para quem quer viver às ocultas, não existe lugar melhor para ficar do que nas sombras.

O Supremo consegue se blindar desse ambiente nocivo no Poder Judiciário?
O Supremo são 11 ministros, cada um é fiscal do outro. Aqueles homens são os mais poderosos da República. Podem fazer tudo o que quiserem nesse Brasil, mas só unidos. Separadamente, não. É o que dá a sustentabilidade do sistema. Por isso, existe tanta rivalidade. No fundo, ninguém é amigo de ninguém. Os ministros do STJ têm verdadeira obsessão para chegar ao STF. Por isso, alguns se ligam ao poder político, para terem sustentação e chegarem até lá.

Há razão para desconfiar do Supremo ou as circunstâncias levam a essa desconfiança?
São as circunstâncias que fazem o brasileiro, conhecendo pouco os atores, desconfiar. Alguns ministros terminam por aumentar essa desconfiança. E os ministros do Supremo, alguns, têm falado muito. Falas que fazem com que tenhamos a ideia de que estão alocados a uma ideologia. A população nota e fica sempre achando que vai acontecer algum deslize. E isso faz com que a instituição fique vulnerável. Mas é uma coisa quase patológica da sociedade brasileira, escaldada, que começa a desconfiar de todos. Aí, todos são desonestos até que se prove o contrário.

Qual o perfil que a senhora espera para o próximo ministro do Supremo?
Eu conheço bem toda a classe jurídica, os integrantes do Judiciário. E o nome que mais se aproxima do perfil do ministro Teori é o Ives Gandra Martins Filho. Ele une discrição e determinação, está afastado de toda a contaminação da classe política. Cada candidato tem um político como padrinho, ele, não. Está fora disso tudo. É determinado, técnico e com uma vontade muito grande para o trabalho.

Mas tem a questão do posicionamento religioso.
Isso não tem nada a ver. Eu já via a atuação dele no CNJ, sempre de forma séria, nunca citou aspectos religiosos no trabalho. Não vejo isso como um impedimento.

A Lava Jato está em boas mãos com o ministro Edson Fachin?
Sim. O Teori era muito amigo meu. Homem sério, discreto e preparado. Não conheço bem o Fachin. Apenas como jurista. Mas tenho observado as movimentações dele. Como ministro, tem qualidades muito importantes. Talvez, entre os nove outros ministros, ele seja o que mais tem aproximação com as qualidades do Teori. A desconfiança da sociedade é infundada em relação a ele. Na minha avaliação e na avaliação de muitos juristas sérios, uma pessoa que atravessou a vida fazendo as coisas certas, tendo um bom desempenho, de uma hora para a outra não vai entortar.