Cubanos pedem indenização nos EUA por trabalho escravo nos Mais Médicos...


Quatro médicos de Cuba que passaram pelo Brasil e se refugiaram em solo americano abriram ação que poderia indenizar cerca de 850 ex-colegas; OMS nega as acusações.

Às vésperas de completar 50 anos, a doutora Tatiana Caraballo se diz completamente acostumada à sua nova rotina: de segunda a sábado passa 10 horas em pé empacotando roupas e sapatos vendidos pela Amazon, a gigante do varejo online americano, em um galpão na cidade de Louisville, no Kentucky (EUA).
Pelo trabalho, ela ganha US$ 15 por hora, ou algo em torno de US$ 3,5 mil ao mês. Suas atividades atuais não lembram em nada aquilo que fez ao longo da carreira de 25 anos: como médica ginecologista, Tatiana atuou primeiro em Cuba, seu país natal, e depois no Belize, na Venezuela e no Brasil, aonde chegou em 2014, como parte do programa Mais Médicos.
Alocada em Limeira, interior paulista, Tatiana atendia entre 25 e 30 pacientes ao dia e tratava desde hipertensão a gonorreia. Reconhece que nos primeiros meses mal entendia o que os enfermos diziam nas consultas: quando o governo cubano determinou, como ela diz que Tatiana seria transferida ao Brasil, deu a ela um curso expresso de 45 dias de língua portuguesa e a colocou num avião sem ter a menor ideia de onde estabeleceria no Brasil.
Com o tempo, no entanto, Tatiana diz que começou a compreender melhor não só o português, mas a própria condição. Descobriu que ganhava muito menos que os demais médicos de outras nacionalidades no mesmo programa. Aos colegas caberiam R$ 11 mil, a ela R$ 1,2 mil. O restante do salário de Tatiana era enviado pelo Brasil á Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), braço da Organização Mundial da Saúde (OMS) para as Américas que remetia 90% ao governo cubano e retinha 10% para si.
A questão financeira foi só um dos prenúncios de que a história de Tatiana no Brasil não terminaria com a fuga da médica em direção aos Estados Unidos, em 2017. Com outros médicos cubanos que também deixaram o programa brasileiro e se refugiaram nos estados Unidos, há 10 meses ela decidiu abrir um processo milionário na Justiça Americana em que acusa a Opas de promover tráfico de pessoas e explorar o trabalho humano forçado.
Na ação, considerada sem precedentes por diplomatas brasileiros, os médicos cubanos cobram que a instituição lhes pague o salário completo por todo o período trabalhado no Brasil, alem de indenização pelos danos morais e materiais.
Efeito especial
Chamado de class action, ou ação de classe, o processo judicial movido por Tatiana e seus colegas tem uma característica especial. Se eles vencerem, a decisão serviria para todos os médicos cubanos que passaram pelo Brasil e hoje vivem nos Estados Unidos.
As autoridades americanas não sabem informar quantas pessoas seriam, mas a organização Solidaridad Sin Fronteiras, criada por um médico cubano para ajudar seus pares a se estabelecer no país, afirma que ao menos 850 cubanos dos Mais Médicos vivem hoje nos Estados Unidos. Logo, em caso de sucesso da ação, ao menos 850 pessoas estariam habilitadas a receber a mesma indenização.
Procurada pela BBC News Brasil, a Opas afirmou que as acusações feitas por Tatiana e os demais médicos são uma “descaracterização grosseira dos fatos.”.
“O Mais Médicos não envolveu tráfico de pessoas e não houve trabalho forçado no programa. O valor pago pelo trabalho dos médicos foi determinado pelos respectivos governos, seguindo acordos internacionais entre o Brasil e outros países soberanos”, disse a organização em sua resposta.
A Opas afirmou ainda que o Mais Médicos foi “um programa inovador que permitiu ao Brasil prestar cuidados médicos primários a aproximadamente 60 milhões de pessoas que anteriormente tinham pouco ou nenhum acesso à saúde pública” e que, nesse sentido, foi um “tremendo sucesso”.
A função da Opas teria sido a de ajudar “o Brasil a administrar o Programa como parte da sua missão de melhorar a saúde pública nas Américas”.
A Opas adicionou, por meio de sua nota, que “os críticos do programa têm um conflito de interesses, seja porque são advogados atuando em nome de demandantes no contexto de uma infundada ação judicial ou porque são opositores políticos ou críticos do governo cubano”.
O governo cubano qualifica os médicos que abandonam seus postos no exterior como “desertores” e costuma dizer que as acusações provêm de detratores do regime comunista do país e não têm base real.
Fuga para os EUA
“A escravidão moderna não é ficar amarrado e sendo chicoteado, mas é não poder ir e vir, não poder estar com seus filhos, não ser dono do seu próprio trabalho, nem do salário que deveria receber não saber onde vai estar depois de amanhã, não poder decidir nada. É não poder escolher o próprio destino. Nesse sentido, eu era escrava, sim. Pela primeira vez hoje, eu sou dona de cada passo que dou, desde que acordo, até a hora que vou dormir”, diz Tatiana.
Tatiana diz que percebeu que seus dias estavam contados no Brasil quando soube que, embora seu filho, então com 13 anos, tivesse recebido visto de permanência do governo brasileiro, as autoridades cubanas não permitiriam que a estada dele – nem de nenhum outro parente de profissionais cubanos do Mais Médicos – se alongasse por mais do que 3 meses.
Na visão da cubana, não queriam que os médicos criassem vínculos com o Brasil. Pelo menos motivo, eles estariam proibidos de se relacionar amorosamente com brasileiros.
Tatiana conta que não tinha dinheiro para passagens de avião entre Cuba e Brasil e não suportaria a distância prolongada do menino. Em desespero, ela diz ter mantido o menino escondido em casa ao longo dos meses finais de 2016. Ela acrescenta que ele não saía sequer para ir à escola, durante o dia, não fazia barulho ou acendia as luzes da casa, e mantinha uma página de Facebook com atualizações falsas, como se estivesse em Cuba.
Já Tatiana seguia uma rotina de trabalho normal enquanto pedia ao Consulado Americano que a encaixasse em um programa federal, hoje extinto, que concedia visto de permanência para médicos cubanos que fugissem das “missões patrióticas internacionais” De Cuba. Ela conta que, aos poucos, ela começou a vender os pertences para bancar as passagens aos Estados Unidos.
Fez tudo isso em segredo. Ela diz que sabia que, se fosse descoberta, seria imediatamente embarcada de volta a Cuba. Tatiana diz ter trabalhado até o último dia antes do voo. Do aeroporto, prestes a embarcar, conta ter enviado uma mensagem de WhatsApp ao chefe da Unidade Básica de Saúde onde trabalhava, explicando brevemente a decisão de partir.
“Ele me respondeu que eu tinha sido uma ótima médica e merecia ser feliz”, diz Tatiana. Ao decolar, em janeiro de 2017, deixou para trás a vida que conhecera ao longo de 47 anos.
O Mais Médicos e o embargo econômico americano a Cuba
No processo, Tatiana e seus ex-colegas de Mias Médicos alegam que sofreram privações de dinheiro e da liberdade que dizem ter ocorrido enquanto faziam parte dos Mais Médicos. E argumentam que, na outra ponta da história, a Opas recebeu mais de US$ 75 milhões entre 2013 e 2018, “ao gerenciar o tráfico humano de médicos cubanos para o Brasil.
O valor coletado pela entidade era, de acordo com a ação, “uma taxa de corretagem” pela triangulação que a Opas fazia. Em cinco anos, o Brasil depositou cerca de US$ 1,5 bilhão na conta corrente da Opas no banco Citibank de Washington DC., e o órgão se encarregou de repassar os valores para o governo cubano.
“Ao intermediar o comércio de trabalho humano entre Cuba e Brasil e lucrar com isso, a Opas teria violado sua própria Constituição, os tratados, acordos e protocolos sobre trabalho escravo e tráfico de pessoas da ONU, as leis brasileiras que preveem paridade de pagamento a funcionários que desempenham as mesmas funções e a lei americana, ao furar o embargo econômico e financeiro a Cuba e usar o sistema bancário dos Estados Unidos para enviar remessas de dinheiro que sustentaram o governo cubano”, afirma Samuel Dubbin, o advogado que atua na casa.
A Opas nega que tenha furado o embargo ou desrespeitado a legislação brasileira ou acordos internacionais e afirma ser “uma organização internacional sem fins lucrativos que não se beneficiou de seu papel no Mais Médicos”.
“As taxas cobradas pela Opas foram aprovadas pela resolução de todos os Estados Membros e visam cobrir despesas administrativas e despesas gerais”, diz a instituição, acrescentando que nesse caso específico, as taxas administrativas foram ainda menores por determinação da lei brasileira.
A exportação do trabalho médico é uma das bases da economia cubana, que atualmente conta com os proventos de cerca de 60 mil médicos espalhados por 67 países. Cuba tem uma receita anual na casa dos US$ 50 bilhões – algo em torno de US$ 11 bilhões provém da exportação dos serviços médicos.
“Os médicos são uma fonte de recursos extremamente relevante para o regime cubano – trabalham muito, recebem pouquíssimos e são ao mesmo tempo ótima propaganda. Sabemos que eles realmente vão para áreas em que as pessoas estão completamente desassistidas, regiões remotas em que esses profissionais as saúde são muito necessários. Mas isso não justifica cassar os direitos individuais do médico. Se esses países todos acham que eles são ótimos, então por que não os contratam diretamente, em vez de pagar o salário deles a um Estado?” questiona Maria Werlau, diretora – executiva do Cuba Archive, uma organização dedicada a catalogar documentos e manter uma base de dados sobre assuntos da ilha.
No Brasil, mais de cem ações judici8asis foram movidas por médicos cubanos para pedir paridade salarial com médicos de outras nacionalidades no programa. Em parte delas, o pleito foi atendido pelos juízes.
A política de Bolsonaro e a de Trump
A argumentação do advogado Dubbin conta agora com o endosso do governo brasileiro. No discurso da Assembleia Geral da ONU, há cerca de um mês, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que o Brasil foi palco de um “verdadeiro trabalho escravo” de cubanos no programa Mais Médicos.
A participação de Cuba no programa se encerrou em novembro de 2018, após a eleição de Bolsonaro, quando o governo da ilha ordenou que os cerca de 8,5 mil médicos estabelecidos no país regressassem á Cuba.
“Em 2013, um acordo entre o governo petista e a ditadura trouxe ao Brasil 10 mil médicos sem nenhuma comprovação profissional”. Foram impedidos de trazer cônjuges e filhos, tiveram 75% de seus salários confiscados pelo regime e foram impedidos de usufruir de direitos fundamentais, como de ir e vir.
Um verdadeiro trabalho escravo acreditem... Respaldado por entidades de direito humano do Brasil e da ONU! Antes mesmo de eu assumir o governo, quase 90% deles deixaram o Brasil, por ação unilateral do regime cubano. Os que decidiram ficar, se submeterão à qualificação médica para exercer sua profissão.
“Deste modo, nosso país deixou de contribuir com a ditadura cubana, não mais enviando para Havana 300 milhões de dólares todos os anos”, disse Bolsonaro aos líderes mundiais que assistiam ao discurso na plenária das Nações Unidas.
Embora não seja parte na ação judicial, que está sob a competência da justiça da Flórida, o governo brasileiro acompanha a questão. Em visita a Washington DC, para um evento da própria Opas há duas semanas, o ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta se mostrou bem informado ao ser questionado pela BBC News Brasil.
Um veredicto positivo ao pleito dos médicos na Corte Americana tem potencial de ser encarado como uma chancela á nova posição ideológica que o Executivo brasileiro tem adotado.
“O mundo já fez essa discussão há muitos anos e pactuou que Estados não negociariam o trabalho das pessoas, nem físico, nem intelectual, nem em razão de cor ou conhecimento. E o que aconteceu foi uma negociação entre o Brasil e o outro Estado, no caso Cuba, que se utilizou da Opas para isso. Quando a Opas se prestou a fazer esse papel de intermediária ela teve o bônus, ela ganhou o seu percentual de participação no negócio, e agora tem o ônus. Médicos que fugiram desse programa no Brasil abriram, sim,queixas de serviço análogo à escravidão na Corte Americana porque dos RS$ 10 mil ou RS$ 11 mil que se pagava, ia RS$ 1 mil pro médico e RS$ 10 mil pro outro Estado, caracterizando uma negociação do trabalho das pessoas. Isso é um erro de princípio desse programa. E cada vez que se discute isso e se coloca nessas bases, é indefensável. Não tem o que a Opas reclamar, ou o que Cuba reclamar, é fato que o Brasil negociou com Cuba o trabalho de mais de 12 mil pessoas e pagou por esse trabalho através da Opas e essa negociação é denunciada em todos os fóruns”, disse Mandetta.
Bandeira
Implementado durante o governo Dilma Rousseff e uma de suas maiores bandeiras eleitorais, o programa Mais Médicos surgiu como um projeto em abril de 2012 – ainda na gestão Lula. Comunicações do Itamaraty, reveladas pela Folha de S. Paulo em novembro de 2018, mostram que a iniciativa partiu, na verdade, do governo cubano.
As negociações para concretizá-lo se arrastaram por meses, já que as autoridades brasileiras expressavam preocupação com a segurança jurídica da transação. Em um dos telegramas, o então embaixador brasileiro em Havana José Eduardo Felício, registra que um acordo entre governos seria mais seguro e garantido, mas dependeria de aprovação no Congresso e geraria “controvérsia”.
Os cubanos então sugerem que o negócio seja intermediado por uma empresa privada, chamada Comercializadora de Serviços Médicos Cubanos (SMC), subordinada ao Ministério da Saúde de Cuba. De acordo com um diploma que participou das negociações e falou reservadamente com a BBC News Brasil, o Itamaraty acabou apenas como observador das conversas e partiu do Ministério da Saúde, então comandado por Alexandre Padilha, a solução para viabilizar o acordo com Cuba: “usar a Opas como uma intermediária, caracterizando a contratação dos serviços médicos como cooperação no campo da medicina”.
Ainda de acordo com os telegramas, o então ministro de Saúde Pública de Cuba Roberto Morales expressou um temor que se tornaria 6 anos mais tarde uma das acusações contra a Opas: por ser baseada em Washington DC, a triangulação com a entidade obrigava a passagem do dinheiro do Brasil em território americano antes do repasse a Cuba, o que poderia “gerar risco de aplicação das regras de embargo americano ao programa”.
Determinado o escopo do programa, ele foi implementado em 22 de outubro de 2013, via medida provisória, que estabelecia que a cooperação se dava em âmbito científico, como uma espécie de residência médica.
Mandetta, que era deputado federal em 2013, afirma que o processo de contratação foi feito sem qualquer transparência e que o “Congresso relativizou” alguns princípios, fazendo vistas grossas aos termos do acordo.
“Eles não entregaram os documentos para Brasil. A OPAS alegou imunidade diplomática, não deixou que ninguém tivesse acesso aos termos da negociação, ao modo como eles estavam tratando essas commodities que, no caso, eram chamadas de médicos”, disse.
Nova postura
Questionada sobre o atual posicionamento da gestão Bolsonaro, a Opas afirmou que “cabe ao governo brasileiro decidir quais reivindicações apoiar e aos tribunais brasileiros decidirem se as reivindicações legais são válidas sob a lei brasileira”.
Já Dubbin comemorou atual postura do governo brasileiro e diz que as declarações de Bolsonaro na ONU são muito “significativas”. Embora reconheça que é difícil estimar se as palavras do presidente brasileiro podem produzir algum efeito para fins de decisões judiciais, Dubbin nota que o posicionamento político de Bolsonaro parece ter contribuído para a tomada de medidas mais duras contra Cuba pela gestão de Donald Trump.
Há pouco mais de duas semanas, o governo americano impediu a entrada no país do ministro de saúde cubano, Jose Angel Portal Miranda, e de sua equipe. Eles participariam do evento da Opas em Washington, no qual também esteve presente o ministro brasileiro Mandetta.
O Departamento de Estado dos EUA informou que a restrição de visto à delegação do ministro é parte de uma nova política do órgão de impedir a entrada no país de “funcionários cubanos responsáveis por certas práticas de trabalho exploradoras e coercitivas, que são parte do programa de missões médicas no exterior de Cuba.”.
“Lucrar com o trabalho dos médicos cubanos tem sido a prática de décadas dos Castros e continua até hoje. Essas práticas incluem exigir longas horas de trabalho sem descanso, salários escassos, moradia insegura e restrição de movimento (dos médicos). Qualquer programa de saúde que coagir, colocar em risco e explorar seus próprios praticantes é fundamentalmente falho”, disse em comunicado o Departamento de Estado.
Diante das manifestações do governo americano, Dubbin, que já ganhou outras ações desse tipo, está otimista sobre o futuro do caso. Já a Opas afirma que “os trinta e oito Estados Membros da Opas, incluindo os Estados Unidos, apoiaram fortemente o Programa e os resultados extraordinários da saúde pública no Brasil” e que “o processo instaurado no tribunal dos EUA carece de qualquer base4 de fato ou de direito”.
“Além disso, o processo não pode prosseguir de acordo com a lei americana ou internacional, porque todos os Estados Membros da Opas decidiram e estabeleceram que a     Opas estará imune a litígios infundados relacionados ao desempenho de suas funções de saúde pública”, diz a nota, que adianta o posicionamento que a organização adotará em sua defesa na corte.
Medo, esperança, saudade.
A ação ainda não foi capaz de atrair apoio público de outros médicos cubanos que passaram pelo Brasil além dos quatro demandantes iniciais. De acordo com organizações que representam a comunidade cubana nos Estados Unidos, não é uma questão de desinteresse ou descrença no processo.
“Não há mais pessoas listadas no caso porque os médicos cubanos têm terror de denunciar. Muitos ainda têm família na ilha, temem retaliações. Conforme o processo andar, se for tendo sucesso, outros devem se juntar”, afirma Julio Alfonso, do Solidaridad sin Fronteras. Esse tipo de ação, por ter a possibilidade de afetar grandes grupos de pessoas, tem lenta tramitação na Justiça. É improvável que haja uma decisão em menos de três anos.
O público da ação em solo americano, no entanto, tem aumentado. De acordo com o Ministério da Saúde, ao menos dois mil médicos cubanos se recusaram a deixar o Brasil quando o governo cubano anunciou a retirada em massa, há quase um ano. Esses profissionais engrossaram a lista de pedidos de refúgio – em 2019, os cubanos são a terceira nacionalidade com mais solicitações, atrás apenas de Venezuela e Haiti – mas, na prática, sem poder clinicar, sem parentes ou outros vínculos com o país, parte deles resolveu se arriscar a atravessar a fronteira entre o México e os Estados Unidos.
Foi o que fez Erneys Font, de 33ª nos. Depois de atuar pelo Mais Médico em Buriti Alegre, Goiás, por um ano e meio, ele não conseguiu refúgio nem tinha perspectivas de revalidar o diploma no Brasil.
Em abril de 2019, passou duas semanas no México até conseguir cruzar, ilegalmente, a faixa de terra entre os dois países. Com ele, vieram mais dois ex-colegas do Brasil. Como, desde 2017, os Estados Unidos já não concedem qualquer visto especial para médicos cubanos, Font foi detido e passou 4 meses na prisão, primeiro no Texas, depois em Mississipi e por fim, na Louisiana, até que seu pedido de asilo político fosse aprovado.
“Eu não reclamei de nada nesse período no centro de detenção. Confiava que algo bom sairia daí”, diz ele, Font tem ajudado outros ex-colegas a atravessar a fronteira: entre médicos cubanos que já passaram para o lado americano, os que estão presos pelo serviço de imigração e os que aguardam no México a resposta ao pedido de refúgio para os EUA, ele afirma haver entre 60 e 80 pessoas.
Alfonso acompanha o fluxo de perto e diz que ele deve ser continuo pelos próximos meses. A comunidade cubana pressiona a gestão Trump a recriar o programa especial de vistos para médicos cubanos no exterior. Assim, eles poderiam entrar no país sem enfrentar os riscos da imigração pela fronteira. De acordo com Font, diante da possibilidade de serem retornados ao México, alguns de seus colegas têm se arriscado a entrar nos Estados Unidos cruzando o Rio Grande, uma jornada que em julho custou à vida de um pai mexicano e sua filha, de menos de dois anos. “Font apoia a iniciativa de Tatiana: espero que vençam, para os benefícios das vitimas”.
“Os médicos cubanos nos Estados Unidos levam uma vida muito difícil. É quase impossível revalidar o diploma, muitos não falam nada de inglês, acabam como entregadores de pizza ou em serviços pesados”, conta Werlau.
Para Tatiana, não há espaço para sonhos ou conjecturas em relação ao processo judicial. “Eu estou participando disso só porque essa é a verdade. Se vamos ganhar ou não, não sei e não me importa”, disse, garantindo que cubanos estão “acostumados com a vida de privações” e que por isso ela sabe fazer com que seu salário na Amazon seja o suficiente para si, os dois filhos e a mãe, que ainda está em Cuba.
Tatiana crê que jamais voltará a exercer a medicina. E afirma que sente saudades dos seus pacientes brasileiros “alguns já velhinhos, até hoje me mandam mensagens no Facebook”.
A milhares de quilômetros de distância, na UBS Boa Vista, em Limeira, a Dra. Tatiana que fugiu para os Estados Unidos há mais de dois anos e meio não foi esquecida. A UBS hoje conta com dois médicos brasileiros que têm dado conta da demanda da área, cuja clientela é de cerca de 30 mil pessoas. Mas Tatiana era reconhecida pela atenção e o carinho com que tratava a audiência. É o que conta o agente de saúde Fabio Trindade, que trabalhou com ela no posto:
“Aqui tinha até briga para arrumar espaço na agenda e consultar com a Dra. Tatiana, de tão boa que ela era”.
Em bom português, ela era pau pra toda obra: atendia idoso, fazia clinica geral, colhia papanicolau, fazia pré-natal. A gente sabia que ela ganhava pouco, merecia no mínimo o dobro, né? Mas fazer o que? Eu se fosse ela, fugia também.







Mais empregos em Porto Alegre

Porto Alegre encerrou setembro com um saldo positivo de 1.193 vagas de empregos formais, segundo a edição mais recente do Cadastro Geral de Empregos (Caged). 

Trata-se do melhor resultado para esse período desde 2013. 

Na comparação com agosto de 2019, Porto Alegre registrou um avanço de 55,74% no total de novas vagas de trabalho. 

Foi a única capital do Sul do país a registrar crescimento nesse indicador.

Para o secretário municipal de Desenvolvimento Econômico, Eduardo Cidade, o bom resultado está associado ao início do movimento de preparação do comércio e demais serviços para as festividades de final de ano. Ao todo, o comércio varejista gerou 444 novas vagas de trabalho, o melhor resultado do segmento nos últimos quatro anos. “Além disso, datas comemorativas como o Dia das Crianças e a proximidade da Black Friday, que ocorre no final de novembro, certamente contribuíram para a melhoria desses indicadores”, explica ele.

Mas a alta na geração de empregos não é meramente sazonal. Cidade destaca que os números também são positivos no emprego estruturado no setor privado, em segmentos que ele classifica como “portadores de futuro”. A área médica e odontológica, por exemplo, encerrou setembro com 322 novos postos, o melhor resultado da história do setor para esse período. As áreas de ensino e produção primária também registraram recordes absolutos para setembro, com 175 e 76 vagas criadas, respectivamente.

Medalha para Mourão

O general Hamilton Mourão recebeu, esta manhã, a Medalha do Mérito Farroupilha. Esta condecoração é a honraria máxima do Legislativo gaúcho. A sessão nobre foi realizada no plenário da Assembleia Legislativa . A homenagem foi proposta pelo deputado estadual Tenente-Coronel Zucco. 

Uma das autoridades presentes foi o prefeito Marchezan Júnior.

“Já recebi muitas homenagens durante a minha vida, mas esta é especial. Foi entregue pelo povo gaúcho e leva no nome Liberdade, pois ser Farroupilha é lutar pela liberdade”, destacou o vice-presidente. O general Mourão, visivelmente emocionado, disse que o mundo está estacionado e o Brasil tem uma via aberta para crescer e se desenvolver, desde que sejam feitas as reformas necessárias. “A visão do nosso governo é chegar a 2022 com as essas reformas realizadas”, afirmou. 

O deputado Zucco dividiu sua manifestação em duas partes. Na primeira, destacou o fato de o general Mourão liderar pelo exemplo e disse ter orgulho de se considerar amigo do vice-presidente. Depois, exibiu um vídeo com depoimentos de oficiais militares, ex-colegas de turma na Academia Militar e amigos de Mourão, e também mensagens de familiares. “O general me inspirou na vida militar e, agora, me inspira no exercício do mandato de deputado estadual”, finalizou.

Trajetória - Antônio Hamilton Martins Mourão nasceu em 15 de agosto de 1953, em Porto Alegre. Filho de general, ingressou no Exército Brasileiro em 26 de fevereiro de 1972, ao ser admitido na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), em Resende, no Rio de Janeiro. Três anos depois, em dezembro de 1975, foi designado aspirante-a-oficial de artilharia. Além dos cursos de formação e aperfeiçoamento, dos estudos militares na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e do curso de Política, Estratégia e Alta Administração do Exército, concluiu os cursos Básico de paraquedista, mestre de salto, salto livre e guerra na selva.

Durante a trajetória militar, foi instrutor da Aman, participou da Missão de Paz em Angola, foi adido militar na embaixada do Brasil na Venezuela e comandou o 27º Grupo de Artilharia de Campanha em Ijuí, no Rio Grande do Sul. Como oficial general, comandou a 2ª Brigada de Infantaria de Selva, em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, e a 6ª Divisão de Exército, em Porto Alegre. Foi comandante militar do Sul e secretário de Economia e Finanças do Exército. Foi também presidente do Clube Militar na cidade do Rio de Janeiro.

Depois de passar para a reserva, em fevereiro de 2018, filiou-se ao PRTB, iniciando assim sua carreira política. Nas eleições de outubro de 2018, foi eleito, na chapa do presidente Jair Bolsonaro, vice-presidente da República Federativa do Brasil, posto que ocupa desde 1º de janeiro de 2019.

A sessão solene de condecoração ao vice-presidente contou com a presença do presidente da Casa, deputado Luis Augusto Lara; do senador Lasier Martins; do comandante do Comando Militar do Sul (CMS), general Miotto; do presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), desembargador federal Victor Luiz dos Santos Laus; de deputados federais e estaduais, prefeitos e lideranças empresariais, e representantes de entidades, além de amigos e familiares do homenageado. 

Antônio Britto - A vitória dos construtores de diabos


Leonel Brizola antecipou-se (em muito) às táticas e à terminologia dos marqueteiros políticos. Dizia –e praticava– que no debate eleitoral era necessário apontar “1 diabo” –1 tema ou personagem inimigo a quem se prometeria combate e que, nessa luta virtual, garantiria o que hoje se chama “o controle da narrativa“.
Faz parte da política, desde sempre e em todos os lugares. Collor com os marajás, o primeiro Lula com as elites, Bolsonaro contra o petismo, Trump contra quase todos. Enfim, cada 1 constrói seu diabo e torna-se sócio dele. Quanto melhor a escolha, maiores as vitórias.
O único problema é que estas narrativas geralmente colocam os debates na direção oposta ao que realmente interessa. E acabam, muitas vezes, prejudicando a análise e a solução do que prometem.
Caso emblemático é a decisão em curso no Supremo Tribunal Federal. Armou-se, de forma esquemática, a narrativa “garantias x impunidade“. Assim, quem cobra solução eficaz para a punição de delitos torna-se inimigo do direito à presunção de inocência, ao contraditório e a mais alguns conceitos estrategicamente escolhidos para que ninguém se atreva a dizer que se opõe a eles. A contradita vem dos “combatentes da corrupção” que, amparados pelo sentimento popular contra o colarinho branco nos devolvem uma versão curitibana do velho “os fins justificam os meios“.
Assim divididos, nossos ilustres ministros do STF passarão os próximos dias pretendendo nos convencer que OU combatemos a corrupção OU garantimos o devido processo legal (a prévia disto veio na 4ª feira com o https://www.poder360.com.br/justica/video-toffoli-cobra-respeito-de-barroso-e-ministro-rebate-deselegante/).
Deselegante e desrespeitoso, para tomar de empréstimo adjetivos usados no debate entre os 3 ministros, talvez seja tentar nos condenar a este falso binário. E retirar do solene plenário do Supremo uma antiga, verdadeira, indispensável e vergonhosa questão –a lentidão do processo judicial no Brasil e, por consequência, a escancarada vantagem dos réus famosos ou ricos que, patrocinados por advogados competentes, transformam questões processuais no cerne de cada julgamento, adiando-os até que se convertam em prescrição e impunidade.
Tivesse o Poder Judiciário enfrentado com eficiência a tarefa de reformar-se e teríamos uma celeridade que, impedindo a impunidade, permitiria o combate ao crime sem qualquer ofensa a julgamentos justos e legais. É a inaceitável demora enfrentada por todos os tipos de vítimas, principalmente se pobres, que empurra a opinião pública e setores do próprio Judiciário a apoiarem
procedimentos que no mínimo ficam nos limites do formalmente aceitável na anacrônica legislação atual.
Imagine-se que nossos onze ministros, elite e liderança do Judiciário, priorizassem nesta discussão uma imediata e profunda revisão da sistemática brasileira de recursos, fonte primeira da demora e da impunidade. O dia que isto for feito (apesar da oposiçäo em grande parte corporativista de advogados) sairemos da “narrativa binária” em que estamos atolados.
A escolha, enfim, não pode ser entre Lula e Lava Jato, não punir nunca ou punir qualquer forma. A maturidade democrática para qual o Brasil caminha precisa e merece uma opção mais rica – reformar o Judiciário.
Até que isto aconteça, veremos a repetição do que o Supremo nos oferece hoje. Os chamados garantistas ameaçados de passarem a história como defensores da impunidade. E combatentes da corrupção tratados como carbonários.
A decisão do Supremo, semana que vem, não terá vencedores. E vai agravar a “fulanização” do debate. Ao evitarem a questão real –por que se demora tanto a fazer Justiça– o Supremo Tribunal Federal corre o sério risco de ser vítima do próprio binário que construiu. Decisões “a favor ou contra Lula”, “a favor da impunidade ou contra o devido processo legal” não vão fortalecer o Supremo, contribuir para as instituições e muito menos resolver o problema real. Com elas, apenas ganharão os fabricantes de narrativas e os construtores de “diabos”.


Artigo, Renato Sant'Ana - Carta aberta à ministra Rosa Weber

          Excelentíssima Senhora Ministra Rosa Weber,
          Antes de mais nada, é devido expressar reconhecimento e louvar a trajetória de Vossa Excelência na Suprema Corte, marcada pelo diálogo, pela moderação e por um devotado empenho no resguardo de nossa Carta Maior, virtudes que encorajam este manifesto.
          Pois bem, momento houve em que Vossa Excelência demonstrou inclinar-se contrariamente à "prisão em 2ª instância", divergência com a sábia posição firmada pelo pleno do STF em 2016.  Sim, haverá mentes muito respeitáveis com tal posicionamento. Todavia, é oportuno registrar que um expressivo número (quiçá, maioria) das grandes mentalidades do Direito considera imprescindível que o precedente do STF ora em vigência seja mantido, isto é, que a pena de restrição de liberdade siga sendo aplicada a condenados a partir da 2ª instância, o que se coaduna plenamente com o preceito constitucional (como se pretende aqui demonstrar). Aliás, pela publicização que o assunto adquiriu, esse é também o anseio da maior parte da população brasileira.
          Mas, o que levará doutos juristas a postularem que o precedente do STF seja preservado? Ora, a motivação iniludível é apenas assegurar a "efetividade da lei penal". E quais serão os fundamentos? A isso vamos.
1. A que se destina a lei penal: ser instrumento da chancela estatal das relações sociais harmônicas (efeito amplo) ou dar garantias àquele que opta por adotar condutas antissociais (efeito restrito)? Eis a questão norteadora da presente sustentação, cuja resposta é indissociável dos valores insculpidos em nossa Carta Maior como justiça, liberdade e convivência social harmônica. Com efeito, não haverá justiça nem, por conseguinte, harmonia social sem uma lei penal de inelutável efetividade a garantir a conduta reta e a inibir o comportamento antissocial dos indivíduos.
2. Máxima cautela convirá para evitar-se a armadilha retórica que sustenta a insidiosa tese de que só existe "trânsito em julgado" após a impetração de todo e qualquer recurso admitido no regramento processual, tese com ares de fundamentalismo, que nega a Constituição como um "corpus" (que de fato é) para, fragmentando-a, apegar-se a uma distorção da literalidade do texto.
3. A Constituição, no art. 5º, combinados os incisos LXI e LVII, estatui: "ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente (...)"; e "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". É malabarismo retórico, sem qualquer zelo pelo Direito, afirmar que, no referido dispositivo, a CF proíbe o início da pena de restrição de liberdade imediatamente ao acórdão da 2ª instância, no qual, sabe-se bem, ocorre o exaurimento de qualquer dúvida quanto à autoria do crime. Sendo que, aliás, o texto não faz alusão a "prisão", "restrição de liberdade", "grau de jurisdição" nem a "cumprimento da pena".
4. Sabidamente, o "trânsito em julgado" é imprescindível à "segurança jurídica" (elemento definidor de um regime democrático). Ora, uma determinada matéria transita em julgado quando se torna insuscetível de alteração mediante recurso. Agora, é preciso ter em vista que os autos de um processo contêm diversas matérias, podendo cada qual transitar em julgado em diferentes momentos. Assim, a "autoria do crime" é apenas e tão-somente uma entre várias matérias nos autos de um processo penal; e tem obviamente seu "trânsito" antes e sem prejuízo doutras que a defesa poderá seguir questionando.
5. Assim, exaurida a matéria da "culpabilidade" (o que ocorre nas instâncias ordinárias), é teratologia retórica dizer que, ainda assim, persiste a "presunção de inocência". Vale lembrar o que prelecionou o saudoso Ministro Teori Zavascki no sábio voto de 2016 (HC 126.292): "(...) tendo havido, em segundo grau, um juízo de incriminação do acusado, fundado em fatos e provas insuscetíveis de reexame pela instância extraordinária, parece inteiramente justificável a relativização e até mesmo a própria inversão, para o caso concreto, do princípio da presunção de inocência até então observado".
6. É adequado asseverar-se, pois, que, havendo o tribunal confirmado a sentença condenatória, tornando-a irrevogável, é uma pretensão totalmente desprovida de razoabilidade manter em suspenso o cumprimento da pena de restrição de liberdade sob a alegação de ainda restar, à defesa, pelejar em instância extraordinária - onde unicamente poderá discutir a legalidade do processo. Sim, a Suprema Corte acertou, em 2016, ao reconhecer que a presunção da inocência vigora só até a "confirmação da sentença condenatória em segundo grau".
7. Cabe indagar: qual seria o risco de injustiça em dar-se início ao cumprimento da pena a partir da condenação em 2ª instância, quando o condenado não mais poderá esquivar-se da culpa? Que direito é fraudado, na hipótese de o condenado estar preso enquanto tramitam recursos em instância extraordinária? Nenhum! Nenhum! Ao passo que são conhecidos os efeitos deletérios da impunidade suscitada pelo "instituto da procrastinação".
8. Em artigo publicado no ano de 2011, criticando o "regime de impunidade" que vedava a "prisão em 2ª instância" (regime surgido em 2009 por puro casuísmo, sem dizer que, até 1973, a prisão podia dar-se na 1ª instância), o ministro Cezar Peluso, então presidente do STF, declarou: "O sistema atual produz intoleráveis problemas, como a 'eternização' dos processos, a sobrecarga do Judiciário e a morosidade da Justiça."
9. Assegurar, como prevê a Carta Magna, o "contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes" é uma garantia à sociedade. Contudo, absolutizar este, assim como qualquer outro princípio constitucional, desequilibra o sistema normativo e acarreta prejuízo do que é a essência de uma ordem jurídica democrática: uma justiça efetiva e apta a galvanizar a confiança da sociedade. Haverá, pois, grande dano se, para desfazer o que foi feito em 2016, for convalidada uma tortuosa exegese do texto constitucional, eis que o intuito da Carta Maior (vista como sistema normativo que perfaz uma unidade) é, em síntese, chancelar a justiça, desiderato que se torna inalcançável sem a efetividade da lei penal.
10. Saliente-se! A posição adotada pelo STF em 2016, cuja manutenção aqui se está requerendo, não interfere em nenhum dos direitos garantidos pela Constituição, como as liberdades individuais, o devido processo legal, a ampla defesa, o tratamento digno do réu. O que fica afastado (muito adequadamente) é só a possibilidade da utilização dos recursos para perpetuar processos e evitar o cumprimento das decisões.
          Pelas razões ora expostas, vimos perante Vossa Excelência apelar a que, conservando a chama do judicioso espírito com que exerce a magistratura, se posicione no sentido de manter o precedente ora em vigência, rejeitando o insidioso regramento da procrastinação e da impunidade. O processo penal não pode ser uma espécie de "videogame" que, a jogadores especiais, ofereça o prêmio da prescrição.
          A história recente do Supremo Tribunal Federal, que Vossa Excelência engrandece com seu magistério, é dignificada por ministros como Álvaro Ribeiro da Costa, Antônio Gonçalves de Oliveira, Antonio Carlos Lafayette Andrada e Adauto Lúcio Cardoso, que, postando-se como guardiões da ordem democrática, tiveram a coragem de enfrentar excessos autoritários do regime político de sua época. Integram eles uma galeria de vultos notáveis que, com a visão ampla do estadista que não se deixa ofuscar por aspectos periféricos - à qual souberam somar a despretensiosa simplicidade dos sábios -, ajudaram a aprimorar a ordem jurídica nacional, elevando a Constituição como um farol a orientar a nação, sem distinguir o brasileiro mais humilde do mais influente.
          Pois o espírito republicano, a independência e a coragem de Vossa Excelência farão que seu nome figure no rol desses grandes luminares quando, no futuro próximo, a história desta Egrégia Corte for lembrada.
          Creia! Em Vossa Excelência deposita-se a confiança de milhões de brasileiros que, com clara consciência cívica, percebem a gravidade destes tempos: nossas escolhas e nossos atos determinarão se vamos propulsar ou atrasar o futuro do Brasil.
          Receba a gratidão de seus compatriotas democratas.

Renato Sant'Ana é Advogado e Psicólogo.
E-mail: sentinela.rs@gmail.com