Especialista em acidentes aéreos analisa queda do avião que matou Teori

O acidente de avião que tirou a vida do ministro do STF, Teori Zavascki, e mais quatro pessoas em Paraty desatou todo tipo de especulações sobre suas causas. A aeronave estava em ordem e o piloto era muito experiente, mas as condições meteorológicas no momento da queda eram complicadas: chovia e havia pouca visibilidade. Testemunhas viram a aeronave fazer uma curva muito acentuada perto da pista de aterrissagem, enquanto outros acreditaram ver fumaça.

O jornal El País entrevistou Gustavo Cunha Mello, economista com MBA em gerenciamento de riscos e que focou parte da sua carreira na análise de acidentes aéreos que aconteceram por todo o Brasil. Ele avaliou as informações que se sabe até agora sobre o acidente. Mello, que pericia os aviões acidentados para as seguradoras, não acredita na possibilidade de sabotagem, mas alerta que ela, tampouco, pode ser descartada.

Pergunta. Com os detalhes conhecidos até agora sobre a queda qual é sua impressão sobre o acidente? Fala-se em sabotagem.

Resposta. No momento atual da investigação precisamos aguardar para descartar hipóteses. As histórias da conspiração são sedutoras em acidentes como este, é natural que existam essas teorias, sobretudo quando se trata de uma pessoa como o ministro responsável por uma investigação tão importante para o Brasil. Essa teoria não pode ser descartada, mas a probabilidade é muito baixa.

P. Por que?

R. Primeiro porque o aeroporto de Campo de Marte, de onde partiu o avião, é muito seguro. Segundo porque Aeronáutica do Brasil é muito séria e competente. Qualquer intervenção na aeronave é rastreável, pode se saber quem alterou ou colocou qualquer parafuso do avião. Se a investigação descobrir uma sabotagem seria fácil identificar quando e por quem foi feita. É improvável que isso aconteça.

P. O que você acha que aconteceu antes da queda?

R. O avião era super seguro e moderno, porém o aeroporto de Paraty não é. É um aeroporto de cidade pequena, de cidade de veraneio, que as pessoas usam para as suas férias, não é de grande utilização. O aeroporto não tem estrutura de radar e de antenas para voos de aviões com instrumentos como era o caso. O piloto, então, foi obrigado repentinamente a abortar a aterrissagem no aeroporto pela falta de visibilidade e procurar um aeroporto alternativo. O piloto não tinha copiloto, uma figura não obrigatória em voos privados, mas sim recomendável. Nessas circunstâncias meteorológicas o piloto, que era muito experiente, teve uma sobrecarga de trabalho incrível.

P. O que lhe sugerem os relatos das testemunhas do acidente?

R. Houve uma série de relatos de testemunhas dizendo que o avião fez uma curva muito acentuada. Se você olha as imagens divulgadas da aeronave a ponta da asa está retorcida, o que sugere que ela pode ter tocado o mar quando fez a curva e ter pilonado, termo usado na aeronáutica para capotagem. Outra hipótese é que com uma curva muita acentuada a aeronave possa ter estolado, que é quando o avião perde sustentação, a velocidade dele não sustenta o peso e ele cai como uma pedra.

P. Há testemunhas que dizem ter visto fumaça.

R. Para um leigo, a fumaça pode ser facilmente confundida com o arrasto da asa numa nuvem de chuva. Ainda que tivesse fumaça no motor ele tem outro motor que poderia funcionar perfeitamente. Não acho que tenha sido o caso, acredito que foi mais uma ilusão visual da testemunha.

P. A região do acidente já foi conhecida como o “Triângulo das Bermudas”. Se é tão óbvio que é uma zona perigosa e que os aeroportos não são apropriados, porque continuam acontecendo tantos acidentes ali?

R. A região é perigosa porque o tempo fecha rapidamente, tem montanhas, e chuvas muito fortes principalmente no verão. Como tem praias lindíssimas, há uma demanda muito alta e tem um tráfego aéreo muito intenso. O problema é que a Aeronáutica faz o trabalho de treinar e advertir, mas eventualmente os acidentes continuam acontecendo.

Artigo, Ruth de Aquino, Revista Época – Moro, não pegue avião

É inédito no Brasil o sentimento de orfandade pela morte de um juiz. Um juiz sereno e fechado do Supremo Tribunal Federal. Um juiz que raramente sorria ou estrelava manchetes, tão discreto e dedicado ao Direito como missão de vida. “O Teori morreu!”, ouvia-se pelas ruas, de gente simples, triste e chocada como se fosse parente. “O Teori estava no avião que caiu!”, “Será que foi mesmo acidente?”.

Num país que começa 2017 machucado pelo caos na segurança pública e pela ousadia cruel de facções criminosas – dentro e fora dos presídios, nos ônibus, nas praias, nas praças –, num país com famílias empobrecidas pelo desemprego e pela falência de estados mal geridos, com paralisação de obras e serviços essenciais, é impressionante o luto aturdido que tomou conta das ruas. O artigo definido antes do nome denota intimidade. “O” Teori tinha se tornado muito mais que um juiz togado do STF, num Brasil ansioso por punir as quadrilhas de poderosos que roubaram do povo e das estatais.

Mistura de poloneses e italianos, catarinense de origem, gremista apaixonado, viúvo, pai de três filhos – dois advogados e um médico –, Teori Zavascki tinha fama de “ministro técnico”. Dizia ignorar se isso era “elogio ou crítica”, em seu humor irônico.

Com perdão da generalização, o caráter nacional é exibicionista. Toda hora tem fulaninho ou fulaninha que corre para os holofotes e fala para os repórteres. Teori ficava na dele, morava sozinho em apartamento funcional em Brasília desde a morte da mulher, também juíza, há três anos. Sempre que dava, ia a Porto Alegre para visitar os filhos e a cidade onde se formou.

Teori foi abatido pelo destino em pleno voo. Aos 68 anos, estava em curva ascendente, prestes a desempenhar seu maior papel, como relator e guardião da Lava Jato: tinham sido marcadas para a próxima semana as delações premiadas de 77 executivos da Odebrecht. Depoimentos que envolveriam em malfeitos o maior número de políticos já visto na História de nossa República.

Esses depoimentos devem ser cancelados até que um novo relator substitua Teori. Para ter uma ideia do que estava a cargo de seu gabinete, eram 800 depoimentos, 40 inquéritos e três ações penais. Tudo associado aos desvios da Petrobras. Teori não permitiu que o recesso de janeiro parasse totalmente os trabalhos. Ganhou a ajuda de uma força-tarefa.

Dá para entender a comoção diante da perda irreparável de um homem honesto e dedicado. A morte súbita, na queda de um bimotor sofisticado, a apenas 2 quilômetros da cabeceira da pista em Paraty, a apenas 2 quilômetros da continuidade da vida, é difícil de absorver. Teori talvez não estivesse consciente do que simbolizava para o Brasil: a garantia de um desfecho isento para o gigantesco processo de corrupção multimilionária envolvendo políticos e empreiteiros. Um processo que, a cada delação, enoja a todos, mas nos dá a esperança de que o assalto aos cofres públicos não se repetirá, caso os meliantes de colarinho branco sejam punidos.

Nem mesmo a investigação rigorosa do acidente de avião deveria atrasar a Lava Jato mais que o necessário. Passa a ser ainda mais crucial o papel da presidente do STF, Cármen Lúcia, que pode redistribuir os processos da Lava Jato entre os juízes da Segunda Turma, mais familiarizados com a investigação. São quatro os ministros: Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Celso de Mello.

Ninguém melhor que a mineira Cármen para liderar essa transição e descobrir o caminho menos pedregoso e escorregadio. Nisso, temos muita sorte. Espero que o processo da Lava Jato não fique nas mãos do novo ministro do STF a ser nomeado por Michel Temer. Seria outro acidente pavoroso, outro desastre, outra tragédia.

Como disse uma vez Teori a repórteres, explicando por que não poderia se manifestar quando a defesa de Lula recorreu à ONU: “Cada macaco no seu galho”. Se cada macaco ficar no seu galho, se não apelarmos para soluções estranhas, como entregar o processo da Lava Jato ao ministro de Temer ou ao juiz Sergio Moro, temos chance de manter o legado de Teori.

Entre suas decisões no Supremo, Teori acatou a liminar que afastaria Eduardo Cunha da presidência da Câmara. O mesmo Teori permitiu a absolvição de José Dirceu no mensalão e, anos depois, rejeitou o pedido de José Dirceu para deixar a cadeia. Criticou vazamentos das delações, mas revogou sigilo nas investigações sobre a Petrobras.

Foi Teori quem sugeriu o nome de Sergio Moro para ajudar a ministra Rosa Weber no julgamento do mensalão em 2005. Acertou. Por favor, Moro, não entre em aviões pequenos, mesmo os sofisticados. “Sem Teori, não haveria Lava Jato”, disse Moro. Sem Moro, também não. Nesse capítulo de nossa História, ambos são insubstituíveis, cada um a seu jeito.

Presídio em Minas adota novo modelo e consegue recuperar 60% dos presos

O ex-recuperando Márcio Felipe, que cumpriu pena de cinco anos por assalto, hoje é um dos cinco ex-presos integrados ao quadro de funcionários, com carteira assinada, que trabalham como inspetores de segurança e supervisores de oficinas.

À noite, a segurança é feita por seu Divino, inspetor de segurança , um velhinho de 63 anos cuja obesidade o impediria de correr atrás de algum eventual fugitivo.

— Imagina eu, um velho de 63 anos, cuidando de 114 presos? Mas eu me sinto mais seguro aqui dentro do que lá fora — diz seu Divino.

Os corredores do prédio com fachada moderna — mais parece um hotel — são impecáveis e as paredes pintadas de azul e branco tem a tinta renovada pelos presos a cada ano. Em cada cela ou dormitório, que fica com os cadeados e grades sempre abertos, cabem nove detentos que cuidam da limpeza e organização. Camas bem arrumadas, tapetinho na entrada e debaixo da pia. Para estimular a organização, a cela mais organizada do mês ganha um troféu. E a mais bagunçada ganha um porquinho preto na entrada.

Um dos mestres do crochê da prisão, Talison Melo Monteiro organiza, com a irmã, a construção de um site para vender as peças de artesanato em linha e madeira que produzem. Vai se chamar “Artesãos da APAC Paracatu”. Apesar das brincadeiras de que é alvo, Talison não acredita que sua masculinidade vai ser afetada por fazer crochê , uma atividade considerada feminina.


Novo modelo tem conseguido cerca de 60% de recuperação dos presos - ANDRE COELHO / Agência O Globo
— O artesanato que você faz não é o que vai definir a pessoa. A crise está braba, temos que vender o que produzimos para ajudar a família — diz Talisson.

O terreno, doado pela Igreja Católica local, tem uma horta, centro de artesanato, oficina onde os presos constroem cadeiras escolares, umas biblioteca e escola para cursos profissionalizantes. Toda última sexta-feira do mês, os detentos organizam uma festa para comemorar os aniversariantes, com participação de familiares.

— Na construção do prédio só compramos as telhas, o resto tudo foi produzido aqui, das grades aos móveis. Os que cumpriram pena aqui, ajudaram a construir o prédio e trabalham nas nossas oficinas oferecendo serviços para a comunidade. Eles saíram como eletricistas, serralheiros, pintores ou encanadores. Não oferecem mais risco para a sociedade. Depois que foi criada a APAC, Paracatu nunca mais teve rebelião no presídio lá de cima, porque os presos tem expectativa de vir para cá e melhoram o comportamento lá também — diz Eurípedes Tobias.

Os presos contam com uma televisão no refeitório e na hora do almoço, assistem ao noticiário das rebeliões pelo país afora. As imagens de cabeças decapitadas e corpos amontoados no pátio são usadas na laboterapia, que o gerente administrativo Silas Porfírio e Vanesa Pinheiro chamam de “terapia de realidade”.

— Mostramos o horror nas prisões como o caminho que eles não devem trilhar. Eles chegam aqui achando normais os crimes que cometeram lá fora. Nosso papel é desconstruir essa concepção e mostrar que dependendo do caminho que escolherem eles podem ser vítimas das atrocidades e também morrer — diz Silas.

Na APAC, os recuperandos também contam os dias para concluir a pena, mas mesmo com a restrição de liberdade, concordam que voltar para o presídio seria sair do céu para ir ao inferno. Com 25 anos, Danilo Pereira foi condenado a 27 anos por assassinato e outros crimes. Já cumpriu cinco anos e, com a progressão, em nove anos sai do regime fechado e vai para o semiaberto. Ele conta que desde os 16 anos vive o inferno do mundo do crime. Ele passou dois anos na Febem. Saiu aos 18 e aos 19 voltou para a cadeia. Hoje é professor em um curso que se chama “viagem do presidiário”.


Em 10 anos de funcionamento, a prisão que abriga 114 presos não tem registro de rebelião ou motim - Michel Filho / Agência O Globo
— Lá no presídio, eu era humilhado, e aqui sou respeitado e estou me recuperando. Estou nessa vida desde os 16. Entrei ladrão e saí bandido na Febem, que é uma faculdade do crime — diz Danilo.

O brasiliense Wesley Pereira matou três pessoas e tem a maior pena entre os recuperandos: 38 anos. Já cumpriu pena em presídios convencionais de Goiânia, Unaí e Paracatu. Chegou há dois meses na APAC e ainda está se adaptando as duras regras de disciplina.

— O que me tirava fora de mim era a droga. Aqui trabalho e estudo. Sou quase um analfabeto, mas já estou na terceira série e quero terminar aqui os estudos. Se der tudo certo, em 2024 eu passo para o semiaberto — diz Wesley Pereira.


Dono de uma das celas mais organizadas — se você tropeça no tapete ele vai atrás e arruma — Murilo Neiva é o melhor exemplo da recuperação na APAC. Condenado a 21 anos por latrocínio, ele cursa o terceiro período de Direito na Faculdade Atenas. A faculdade é particular, e ele chegou a ser selecionado pelo FIES. Mas sua família preferiu pagar as mensalidades para ele “sair sem dever nada”.

— Na faculdade, eu apresentei um trabalho sobre o índice de reincidência e recuperação na APAC e no sistema prisional comum. O que a APAC recupera, o comum reincide. No final, eu me expus para a turma e disse que era recluso. Não senti preconceito e fui muito bem aceito — conta Murilo Neiva.

Outra estória bem sucedida é a do ex-recuperando Daniel Luiz da Silva. Condenado a 37 anos em 27 processos, ele hoje é coordenador da Fraternidade Brasileira de Assistência a Condenados, um órgão que dá consultoria as 50 APACs existentes no país e participou de um encontro em Rimini, na Ítalia, onde levou a experiência brasileira, depois copiada com a construção de duas unidades APACs na cidade italiana.


Elio Gaspari - Não é teoria da conspiração, é dúvida

Não é teoria da conspiração, é dúvida
Não é só Francisco Zavascki quem levanta essa questão, ela está na cabeça de milhões de brasileiros


O advogado Francisco Zavascki, filho de Teori, tem toda razão: “Seria muito ruim para o país ter um ministro do Supremo assassinado”. Ele pede que se investigue o caso “a fundo” para saber “se foi acidente, ou não”.

Não é só Zavascki quem levanta essa questão, ela está na cabeça de milhões de brasileiros. Nada a ver com teoria da conspiração, trata-se de dúvida mesmo.

A linha que separa esses dois sentimentos é tênue, e a melhor maneira para se lidar com o problema é a investigação radical.

Um dos mais famosos assassinatos de todos os tempos, o do presidente John Kennedy, em 1963, foi investigado por uma comissão presidencial de sete notáveis que produziu um relatório de 888 páginas. Até hoje, metade dos americanos não acredita na sua conclusão, de que Lee Oswald, sozinho, deu os tiros que mataram o presidente. Mesmo assim, rebatê-la exige esforço e conhecimento.

O presidente Michel Temer poderia criar uma comissão presidencial para investigar a morte do ministro Teori. Desde o momento em que o avião caiu n’água, ocorreu pelo menos o desnecessário episódio da demora na identificação dos passageiros.

Pelos seus antecedentes e pelas circunstâncias, a tragédia de Paraty ficará como um dos grandes mistérios na galeria de mortes suspeitas da política brasileira.

Aqui vão os principais nomes dessa galeria, divididos em três grupos: o de alto, médio e baixo ceticismo.

Alto ceticismo:

O desastre automobilístico que matou Juscelino Kubitschek em 1976 não teve influência de estranhos à cena.

Médio ceticismo:

Em 2014 o jatinho de Eduardo Campos caiu porque houve um erro do piloto. Só isso.

Tancredo Neves morreu em 1985 porque não se cuidou e foi tratado de forma incompetente e mentirosa, mas não houve ação criminosa.

Em 1967 o aviãozinho em que viajava o marechal Castello Branco entrou inadvertidamente numa área em que voavam jatos da FAB, foi atingido por um deles e espatifou- se na caatinga. Nada além disso.

Baixo ceticismo:

Ulysses Guimarães voava nas cercanias de Paraty durante uma tempestade, e o helicóptero caiu n’água.

Jango sofreu seu último enfarte enquanto dormia em sua fazenda, na Argentina. Morreu porque era um cardiopata.


A classificação, subjetiva, é do signatário, que não crê em quaisquer versões revisionistas. Quem quiser pode mudá-la, ao próprio gosto.