Juiz americano diz que Lava Jato é exemplar

Juiz federal no Estado de Maryland, nos Estados Unidos, o americano Peter Messitte diz que o julgamento do mensalão e a Operação Lava Jato deixaram para trás os tempos em que escândalos de corrupção política terminavam em pizza no Brasil.
"Por muito tempo os brasileiros reclamaram da impunidade, e muitos achavam que era algo com que se devia conviver", ele diz em entrevista à BBC Brasil. "Isso mudou."
Segundo ele, a atuação do juiz Sérgio Moro e dos procuradores e policiais federais da Operação Lava Jato é citada em conferências globais como um exemplo do que pode ser feito contra a corrupção.
Ele afirma, porém, que há questionamentos legítimos sobre o uso de prisões preventivas no processo para conseguir acordos de delação premiada, quando réus confessam os crimes e aceitam colaborar com as investigações em troca de penas menores. Vários réus na Lava Jato foram presos antes de serem condenados e negociaram acordos de delação enquanto estavam na prisão.
Messitte criou laços com o Brasil na década de 1960, quando passou dois anos fazendo trabalho voluntário em São Paulo e aprendeu português. Desde então, visitou o país várias vezes e se tornou um dos maiores especialistas estrangeiros no Judiciário brasileiro.
Ele conheceu o juiz Sérgio Moro em julho, quando ambos participaram de um evento no Wilson Center, em Washington, e almoçaram na American University, onde Messitte dirige o Programa de Estudos Legais e Judiciais Brasil-EUA.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista com o juiz americano:
BBC Brasil - Em 2008, o senhor disse numa palestra sobre corrupção no Brasil que "talvez tenha ficado para trás o tempo em que tudo terminava em pizza". A previsão estava certa?
Peter Messitte - Obviamente as coisas mudaram, e o cenário hoje é bem diferente. A forma como os casos do mensalão e da Lava Jato emergiram representam avanços significativos na luta contra a corrupção política. Vocês estão encontrando malfeitores, e em muitos casos eles têm sido julgados e condenados.
É um caminho irreversível. O público está disposto a sair às ruas. Não é mais provável que as coisas acabem em pizza hoje ou no futuro. É uma mudança drástica.
BBC Brasil - Juízes e advogados nos EUA acompanham a Lava Jato?
Messitte - A maioria dos juízes e advogados entende que houve acusações de corrupção massiva no Brasil, que houve denúncias e confissões. Há muitas conferências e atividades anticorrupção acontecendo pelo mundo, com envolvimento do Banco Mundial e entidades como a Transparência International.
A atuação do juiz Moro, do Ministério Público e da Polícia Federal na Lava Jato sempre aparece como um exemplo do que pode ser feito.
Image copyrightAG. BRASILImage captionO juiz Sérgio Moro é o responsável por uma das maiores investigações da história brasileira
BBC Brasil - Como compara o caso do mensalão e a Lava Jato?
Messitte - Eles são um pouco diferentes pela natureza da corrupção. O mensalão eram pagamentos por um partido a políticos no Congresso. Na Lava Jato, há mais atores envolvidos.
Nos dois casos, vemos o começo do uso da delação premiada contra o crime organizado no Brasil. Houve algumas delações no mensalão e muitas na Lava Jato. É um desenvolvimento importante.
E a Lava Jato está sendo muito mais rápida. No mensalão, passaram-se muitos anos até o caso chegar ao Supremo. Na Lava Jato, muitas sentenças já saíram em dois anos.
A principal mudança foi a prisão preventiva. Muitos acusados na Lava Jato foram postos na prisão antes do julgamento. Isso realmente aumentou a pressão sobre eles para que fechassem acordos, cooperassem e depusessem contra outros para sair da prisão mais cedo. Isso não aconteceu tanto no mensalão.
Há críticas a serem feitas, se a prisão preventiva pode ser uma ferramenta para estimular pessoas a fazer delação premiada. Muitos questionam isso do ponto de vista constitucional.
BBC Brasil - Tem havido abuso no uso das prisões preventivas?
Messitte - Se a pessoa pode fugir, contribuir para a continuação das atividades criminosas ou destruir provas, há uma boa razão para prendê-la antes do julgamento. Esse deve ser o critério. Não tenho razões para acreditar que o juiz Moro esteja usando as prisões preventivas por outras razões além dessas.
Houve casos em que ele ordenou a prisão preventiva e o Supremo reverteu a decisão. Ainda terá de ser resolvido até onde a prisão preventiva pode ser usada sem que haja exagero. Esse é um debate legítimo e que eventualmente chegará ao Supremo.
Se as pessoas vão fazer delações premiadas, poderiam fazê-las sem a pressão da prisão. A ideia é que as delações premiadas sejam voluntárias. Se há presunção de inocência, por que alguém pode ser preso antes da determinação final sobre sua culpa?
BBC Brasil - Nos EUA, é comum que réus sejam presos para estimulá-los a fazer uma delação?
Messitte - Não, não seria próprio pôr alguém na prisão com o único propósito de arrancar uma delação premiada. Nenhum juiz concordaria com isso. No sistema federal, onde sirvo, os critérios para a prisão preventiva são risco de fuga ou risco à comunidade.
BBC Brasil - Alguns no Brasil questionam a confiabilidade das delações premiadas, dizendo que réus podem mentir só para sair da prisão.
Messitte - Teoricamente, isso é possível em alguns casos. Mas para aprovar o acordo de delação - que é negociado pelo Ministério Público -, o juiz tem de verificar se ele é legal, regular e voluntário. Se determinar que a pessoa está mentindo ou que há algo irregular na forma como depôs, não deve aprová-lo. E não é suficiente admitir a culpa para entrar num acordo, é preciso colaborar.
Image copyrightAG. BRASILImage captionO juiz americano conheceu Sérgio Moro em julho, quando ambos participaram de um evento no Wilson Center
BBC Brasil - Na última década o combate à corrupção no Brasil esteve muito enfocado em iniciativas legais, como a aprovação da Lei da Ficha Limpa. Em que medida a corrupção pode ser combatida por leis, e em que medida é uma questão cultural mais complexa e difícil de ser sanada?
Messitte - Por muito tempo os brasileiros reclamaram da impunidade, e muitos achavam que era algo com que se devia conviver. Isso mudou.
A ideia agora é: "não precisamos aceitar isso, não é a forma como deve ser". O Brasil virou a página. Houve uma mudança cultural, e foram as leis que fizeram isso, leis que definiram o que é a corrupção política.
As delações premiadas começaram no Brasil nos anos 1990 com os crimes hediondos. De repente, passaram a ser usadas contra o crime organizado, porque leis ampliaram a possibilidade de que fossem aplicadas nesses casos.
BBC Brasil - O juiz Sérgio Moro é uma figura controversa no Brasil, tratado como herói por uns e acusado por outros de abusar de seus poderes e agir politicamente. Que impressão teve dele ao encontrá-lo?
Messitte - Achei que ele é um cara muito direto e decente. Não detectei nele qualquer inclinação política. Há leis no Brasil contra corrupção, lavagem de dinheiro e extorsão. Alguém tem de aplicá-las. Não esqueçamos o papel do Ministério Público e da Polícia Federal: eles podem não ter a mesma publicidade que o juiz Moro, mas merecem o mesmo crédito.
Às vezes, quando você aplica a lei e isso fere alguém, essa pessoa se diz vítima, afirma que sua decisão é política. Algumas pessoas te amam pelo que faz, e outros te odeiam.
Eu aprecio as posições dele. Imagine se, diante de depoimentos de informantes internos de que havia corrupção massiva [na Petrobras], um juiz dissesse que ninguém é culpado e não aceitasse nenhum acordo de delação?
Haverá erros no processo? Não tenho dúvida. Espero que eles sejam corrigidos na apelação. Mas menos de 5% das decisões de Moro foram revertidas até agora.
BBC Brasil - Não é arriscado e indesejável que um juiz se torne uma figura tão pública e atraia tanta atenção?
Messitte - É inevitável. Às vezes, acontece o inverso. Veja o que ocorreu com Giovanni Falcone e Paolo Borsellino na Itália. Estavam indo atrás do que consideravam a verdade e terminaram na situação mais infeliz [os dois juízes foram mortos após julgarem grandes casos contra a máfia italiana].
Deve-se dar crédito a Moro pela coragem. Esse cara inspirou um grande número de brasileiros, [mostrando] que há possibilidade de Justiça, de tratamento igualitário perante a lei. Qual a última vez que isso aconteceu no Brasil? Você não vê figuras assim com frequência.


Desdobramentos da Lava-Jato terão grande impacto nas urnas, avaliam especialistas

14/08/2016
Jornal o Estado de Minas
Envolvimento de políticos no esquema de desvios na Petrobras deve levar a um maior índice de votos brancos e nulos

Brasília – A Operação Lava-Jato, desencadeada em março de 2014, vai influenciar diretamente, sobretudo nos grandes colégios eleitorais, as eleições municipais. Há dois anos, durante a corrida presidencial que reelegeu Dilma Rousseff (PT), os efeitos foram bem menores porque os investigadores ainda não tinham chegado diretamente ao chamado núcleo político do esquema. A conclusão é de cientistas políticos. Eles acreditam que, agora, a operação pode levar a um maior índice de votos brancos e nulos e até de abstenções por servir de combustível para potencializar um descrédito histórico na classe política brasileira. Apesar de envolver uma gama variada de partidos políticos, todos são enfáticos em apontar o PT como o maior prejudicado pelos efeitos das investigações.

O professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) Paulo Calmon diz, porém, que é preciso levar em consideração as especificidades de cada disputa eleitoral. “Há uma dúvida, no entanto, em relação a essa influência no voto de cada eleição específica. Os efeitos, por exemplo, podem ser ignorados na disputa no Recife ou em Curitiba porque ambos os candidatos estão igualmente envolvidos, falando de maneira hipotética.”

Calmon acredita que a Lava-Jato será responsável por abrir uma grande oportunidade para grupos que contestam a estrutura política atual no país. “Obviamente, vai existir influência na medida em que boa parte da elite política brasileira está diretamente envolvida em episódios relacionados de alguma maneira à Lava-Jato. Seja envolvimento individual ou dos partidos, a população está influenciada por essa marca de desconfiança do sistema político e partidário. Afeta porque o prestígio dos partidos, e o político em geral, está abalado”, diz. Ele faz uma leitura de que haverá uma potencialização da descrença na classe política. “Acho que esse é um elemento que contribui para desinteresse e descrença em relação aos políticos. E isso, inegavelmente, fortalece a tendência das pessoas ignorarem a eleição. É muito ruim. Sobra para todos os partidos, mas o PT será o mais afetado.”

IMAGEM O doutor em ciência política pela UnB Leonardo Barreto avalia que o PT começou a pagar a conta da Lava-Jato antes mesmos das eleições. “A operação já influenciou, a começar pela mudança da Presidência da República. Agora, a expectativa é de que o candidato do PMDB ou apoiados pelo partido possam ter vantagem por ter acesso a recursos que não tinham antes”, diz. Ele analisa que o déficit de imagem do partido é grande e isso respinga em seus candidatos. “A consequência direta é a redução do PT, que terá um déficit de imagem importante, em algumas regiões mais e em outras menos. Uma quantidade grande de petistas deixou o partido. A sigla começou a pagar a conta mesmo antes de disputar o processo eleitoral”, avalia.

Barreto acrescenta que a Lava-Jato já produziu um fato importante para as eleições. “Uma inferência indireta é que os desdobramentos da operação são responsáveis por fazer o Supremo Tribunal Federal (STF) adotar postura contrária ao financiamento privado de campanha. É sem dúvida um filhote da Lava-Jato. A proibição do financiamento privado tem impacto grande nas eleições. Vai valorizar aqueles que tentam a reeleição por ter a máquina pública. Também valoriza os pastores e sindicalistas porque precisam de menos recursos”, declarou. O cientista político avalia a apatia do eleitorado diante de tantas denúncias contra políticos. “Não me surpreenderia se o número de brancos e nulos aumentasse. Já temos uma base de desconfiança muito forte. Você já tem consolidado um grau de abstenção e de votos brancos e nulos. É possível que se tenha um incremento, mas é difícil de estimar.”

Em 2006, os efeitos do mensalão não foram suficientes para impedir a reeleição do presidente Lula. A avaliação é de que a impressionante força política do petista, na época, e um governo muito bem avaliado reduziram a quase nada os desdobramentos do escândalo de compra de apoio parlamentar. Já os candidatos proporcionais em 2006 citados na Operação Sanguessuga amargaram derrotas políticas. Dos 64 deputados e três senadores que responderam a inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) e foram candidatos, a grande maioria passou longe do número necessário de votos para garantir o retorno. Apenas seis citados no caso conseguiram se eleger.


A investigação do núcleo político da Lava-Jato começou em março de 2015, quando o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, apresentou 28 petições ao STF para a abertura de inquéritos criminais destinados a apurar fatos atribuídos a 55 pessoas, das quais 49 eram titulares de foro por prerrogativa de função. A expectativa é de que a Lava-Jato tenha maior influência em grandes cidades. “Normalmente, as eleições municipais se concentram em temas locais. Os assuntos nacionais quase não aparecem. É mais provável que apareça com mais força nos grandes colégios”, atesta Barreto.