Alon Feuerwerker, FSB Inteligência - Por enquanto Bolsonaro é o maior vencedor


Um balanço inicial da votação da reforma da previdência. 

 1. A folgada maioria a favor da reforma foi construída com a liberação maciça de verba orçamentária para os deputados, em escala inédita. Outro empurrãozinho foi o início da ocupação de cargos de segundo escalão por indicação de parlamentares. Quem aciona essas chaves é o Executivo, por ordem direta do presidente. Os congressistas sabem que dependem dele para os empenhos virarem pagamentos, e para o D.O. trazer e manter o combinado.

2. Ao entoarem “Rodrigo, Rodrigo” os deputados não estavam saudando o presidente da Câmara apenas pelo resultado. Saudavam Rodrigo Maia pelo sucesso na operação política de arrancar do Planalto o máximo possível de concessões em troca de aprovar a chamada nova previdência, algo que teriam de entregar à opinião pública por bem ou por mal. Não estavam louvando uma alternativa a Bolsonaro, mas alguém capaz de negociar com ele.

3. O que consolida o apoio congressual ao Planalto é a operação política clássica. Ao contratar uma base com folga nesta votação, Bolsonaro contrata também para as próximas, pois deverão continuar votando com o governo para os empenhos orçamentários virarem pagamentos, e os nomeados continuarem na cadeira. E a maioria ampla alcançada diminui o poder de barganha de parlamentares isolados, ou de pequenos grupos e legendas.

3. Bolsonaro cruzou a primeira cancela com desgaste social perto de zero na sua base. Neutralizou a massa das Forças Armadas, ao acoplar um generoso plano de carreira no projeto sobre pagamentos aos reservistas. Assim, a participação resultante dos militares no sacrifício coletivo, por enquanto, gira em torno de zero. E a comunidade da segurança pode não ter ficado 100% feliz, mas sabe que Bolsonaro agiu para agradar a turma.

4. Este governo promoveu a maior execução orçamentária vinculada a votações no Congresso. 20 milhões de reais anuais por deputado, e 40 por líder. Juntando com o Senado, e arredondando, dá em torno de 10 bilhões em ordem de grandeza. Em quatro anos, uns 40 bilhões. E o presidente atravessou a pinguela ouvindo apenas alguns resmungos na imprensa, pois a operação política do orçamento sustenta uma agenda com amplo apoio jornalístico.

(Qual é a mesmo a diferença entre articulação política e fisiologismo? Fisiologismo é quando o governo faz articulação para aprovar o que eu não quero. Articulação é quando o governo faz fisiologismo para aprovar o que eu quero) 

5. O ministro da Economia errou a mão e saiu politicamente desgastado mesmo com o avanço da agenda dele. Nada que não possa ser revertido, ou com a reinclusão da capitalização no Senado, ou, principalmente, com a entrega de resultados no PIB e do emprego. E Paulo Guedes parece estar se movimentando para isso. Mas ficou para trás o tempo das ilusões de que o presidente seria tutelado pelo seu superministro da Economia.

6. “Ah, mas se o Congresso não entregar a reforma da previdência tão rapidamente quanto o mercado espera?” Bem, neste caso o desgaste será todo do Legislativo, no curto prazo. No médio prazo (passagem de 2019 para 2020), o prejuízo político será distribuído entre os diversos atores. No longo prazo (eleição de 2022), a conta irá mesmo para Jair Bolsonaro, inclusive se o Legislativo comportar-se maravilhosamente bem mas a economia não reagir. Só que o presidente da República tem três anos para cuidar desse teimoso problema.

Que é, a rigor, o único problema real dele. Um problema e tanto.
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Editorial, O Globo - Agenda da retomada do crescimento

MP da Liberdade Econômica, aprovada na Câmara, é uma ajuda para destravar o país

Enquanto transcorre a inevitavelmente longa votação do projeto da reforma da Previdência, aumentam as referências em artigos e entrevistas a “outras medidas” destinadas a reativar a economia, à margem da proposta de emenda constitucional necessária para a realização de mudanças de fundo no sistema de seguridade.

A ansiedade é compreensível. O país naufragou em grave recessão no biênio 2015/16 (mais de 7% de queda do PIB), tendo estagnado já em 2014. Foi quando começaram os déficits nas contas públicas que persistem até hoje — cinco anos depois —, e ainda devem subsistir. Um longo período de contas fechadas no vermelho, e portanto de dívida em alta, funciona como um foco irradiador de desconfiança em relação ao Brasil, algo capaz de derrubar investimentos, como tem acontecido.

A reforma da Previdência constitui de fato pedra fundamental na construção de um ciclo de crescimento sustentado, para que os 25 milhões de desempregados, subempregados e desalentados consigam superar a tragédia da falta de trabalho seguro e de renda minimamente garantida.

É disso que se trata quando se defende a reforma da seguridade. O que não significa deixar de lado uma agenda de medidas para a microeconomia, capazes de atenuar de alguma forma os efeitos do marasmo econômico e já preparar o terreno para a fase de expansão que virá com o retorno da confiança e, em consequência, dos investimentos.

É parte desta agenda a Medida Provisória 881, chamada de MP da Liberdade Econômica, aprovada quinta-feira em comissão especial na Câmara. Pouco se falou dela, pois é natural que as atenções estivessem focadas na votação dos destaques apresentados no plenário da Casa, feitos para emendar a PEC da Previdência. Outro momento tenso, pois o que está em questão é a economia a ser feita com a reforma, ou seja, o tamanho do ajuste.

A MP vai para o Senado, onde se espera que receba tratamento especial, pelo seu conteúdo. Entre outras medidas de simplificação, de desburocratização, ela elimina a exigência de alvará para uma série de pequenos negócios: bares, cabeleireiros, manicures etc. Uma bem-vinda inciativa para reduzir o custo do empreendedor — e protegê-lo do fiscal desonesto. Será também simplificada a documentação para o transporte de cargas etc.

Ainda no campo do estímulo aos negócios, haverá reunião do Conselho de Política Monetária (Copom) no fim do mês, mais uma chance de o Banco Central cortar os juros, estacionados nos 6,5%. A redução da taxa básica (Selic) não se reflete de imediato nos mercados. Mas será um aceno positivo aos agentes econômicos que deverá se somar à aprovação da reforma da Previdência em primeiro turno na Câmara, sem desidratações desastrosas.

Artigo, Marcus Pestana, O Tempo (Minas) - O fim do ciclo da Nova República e do presidencialismo de coalizão


A disputa presidencial já tem dois polos definidos

Antes de recolher os votos na aprovação do corpo principal da reforma da Previdência, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, em discurso denso e emocionado, fez uma enfática defesa da democracia e das instituições brasileiras. Disse ele: “Não haverá investimento privado sem democracia forte. Investidor de longo prazo não investe em país que ataca as instituições”. Era uma clara referência aos violentos ataques ao Congresso Nacional e ao Poder Judiciário, particularmente ao STF, nas manifestações dos setores mais radicais do bolsonarismo-olavismo, que advogam um populismo autoritário.

Diante do vácuo gerado pela indefinição do novo modelo de relacionamento entre os Poderes republicanos e das fragilidades da articulação política do Palácio do Planalto, o Congresso Nacional optou por desenvolver uma agenda própria, liderando as transformações necessárias para a superação da presente crise. No mesmo discurso, o deputado Rodrigo Maia reafirmou o protagonismo do Congresso e sinalizou os próximos passos: reforma tributária e reorganização do serviço público.

Há 30 anos, o cientista político Sergio Abranches cunhou a expressão “presidencialismo de coalizão”, que ficou famoso para descrever a conjugação do nosso sistema eleitoral proporcional de lista aberta, o multipartidarismo e a escolha de mandatários do Poder Executivo sem vinculação às eleições legislativas. Foi o que vigorou no país de 1985 a 2018. O ciclo político da Nova República, inaugurada sob a liderança de Ulysses Guimarães e Tancredo Neves, teve seu fim decretado com a eleição disruptiva de 2018. O sistema político tradicional, que sustentou o presidencialismo de coalizão, foi derrotado em função da deterioração de seu funcionamento pela exacerbação do patrimonialismo, do clientelismo, da corrupção e de sua disfuncionalidade. Isso não apaga as expressivas vitórias econômicas, sociais e políticas. Mas já há consenso de que o presidencialismo de coalizão morreu junto com a “velha política”, embora ninguém se arrisque a dizer o que o substituirá. É uma obra em construção.

Será um “parlamentarismo” disfarçado? Será um caminho permanente de conflitos e impasses entre os Poderes? Como enfrentar as mudanças necessárias sem uma maioria parlamentar sólida? Ninguém ousa ainda arriscar. Algo novo nascerá.

O cenário futuro exigirá um reposicionamento de todas as forças políticas. O ex-vice-presidente Marco Maciel gostava de dizer “que ideias são boas para a academia, mas a política no Brasil é fulanizada”. Numa precoce visão sobre 2022, é possível visualizar que a disputa presidencial já tem dois polos definidos. O bolsonarismo de um lado, e, de outro, a esquerda dividida entre Ciro Gomes e PT, que não estão se reciclando diante dos novos tempos. Resta um vazio ao centro do espectro político. Creio que serão necessárias ousadia e coragem para produzir uma reaglutinação criativa do campo democrático e reformista. Novos tempos exigem novas ferramentas. Em torno de princípios como a defesa da democracia, do combate às desigualdades, da economia de mercado, do Estado modernizado, da sustentabilidade ambiental e da ética, podemos criar um novo e forte partido para preencher o enorme vácuo existente hoje entre os extremos radicais que disputam a hegemonia política.

"O patrimônio da Lava-Jato é nacional", diz presidente da OAB-RS ao repórter Daniel Scola, Zero Hora deste sábado


O presidente da OAB do Rs, Ricardo Breier, que é criminalista, vai na contramão da OAB nacional e  defende a manutenção de Sergio Moro no governo. Ele diz que, se houver indícios concretos nos vazamentos, cabe à Justiça avaliar se houve vício formal na operação.

Leia toda a entrevista, disponibilizada no site zerohora.com O material é exclusivo para assinantes, que é o caso do editor.

A Ordem dos Advogados do Brasil no Estado (OAB-RS) tem 86 mil associados ativos e diverge de parte da advocacia do país e, de certa forma, da representação nacional da entidade. Breier garante que a maioria, “90% da categoria”, apoia a postura de não condenar Moro e Dallagnol com base no que foi divulgado até agora. 

– A OAB sempre repudiou o uso de prova ilícita para qualquer repercussão dentro do processo ou fora. Temos de manter a coerência

Leia toda a entrevista:

A OAB nacional pediu o afastamento de Sergio Moro após a divulgação dos primeiros diálogos. A OAB gaúcha e a do Mato Grosso do Sul se opuseram. Com as novas revelações, o senhor mantém a opinião?
Continuo porque entendo que nada foi comprovado nos vazamentos. Há uma especulação no campo político, mas não temos nada de concreto. Se, porventura, ficar comprovado, caberá ao Poder Judiciário dizer. Se virar processo, e tiver elementos concretos de vício formal dentro da Lava-Jato em algum dos processos paralelos. Primeiro, teria de se identificar em qual caso esses diálogos poderiam trazer prejuízo de vício no julgamento, perdendo o juiz a sua imparcialidade. Então, não é algo simples. Por isso, temos de ter responsabilidade institucional, toda cautela é importante.  
É uma opinião pessoal ou reflete o pensamento da maioria dos advogados do Estado?
Me manifestei a respeito da prudência. Era prematuro o afastamento como ainda entendemos que é, porque não há processo judicial para apurar responsabilidades. Nesse contexto de especulações virtuais – e sabemos como elas são, temos exemplos em outras eleições mundiais em que houve interferências gravíssimas para manipular campanhas políticas –, temos de fortalecer as instituições no Brasil. Dar credibilidade até que se apure, dentro das regras democráticas, se houve ou não responsabilidade, se houve ou não perda da imparcialidade. Quando dei minha opinião, 90% aprovaram a posição da cautela. Creio que grande parte da advocacia, porque nada neste país é unânime, ainda mais no momento polarizado em que a gente vive. Tanto a sociedade quanto a advocacia entenderam que a Ordem agiu corretamente pelo equilíbrio, pela prudência e pela cautela. 
A OAB nacional foi precipitada?
O Conselho Federal fez o seu debate e teve uma posição. Isso não quer dizer que tenhamos de seguir a recomendação, porque as seccionais têm autonomia. Claro que, em temas nacionais, sempre buscamos adotar uma sintonia com o Conselho Federal. Não questionamos a nota do Conselho Federal na sua integridade, em muitos aspectos concordamos com ela. É só neste aspecto do afastamento que entendemos ser prematuro.
O senhor viaja bastante ao Interior. O que tem ouvido da classe?
Apoio total à Lava-Jato, à operação judicial para desvendar esse alto índice de corrupção que teve no Brasil. A maioria dos advogados entende que agimos corretamente no sentido de não pedir o afastamento até que se possa trazer elementos concretos. 
Como o senhor avalia a alegação de parte dos advogados de que a defesa do ex-presidente Lula não teve chance de se apresentar de forma adequada?
Sou advogado há muitos anos e milito com a certeza. Esses vazamentos não estão comprovados. Existe especulação política, mas, jurídica, não temos certeza. Até porque Moro e Dallagnol negam. E, se vier a ser comprovado, a Ordem tomará as posições que têm de tomar. Ou seja, as pessoas devem ser responsabilizadas. Mas há de se provar. O Poder Judiciário terá de dizer se o que está posto influenciou ou não nas decisões proferidas pelo magistrado e nas ações do promotor em diversos processos da Lava-Jato. O Poder Judiciário tem de assumir a responsabilidade, se assim entender, de averiguar e, ao final, dando direito ao contraditório e à ampla defesa, tomar sua decisão. 
Quando o senhor fala em interesses políticos, o que seria isso?
Hoje há duas formas de ver o Brasil. Temos o lado A e o lado B. Infelizmente, não temos um centro para equilibrar. Está faltando diálogo de equilíbrio e paciência. Há interesse político para, de alguma forma, tentar tirar o crédito da Lava-Jato, assim como o de manter o crédito da operação. O que não podemos é, pelo interesse político, ter um comportamento que possa fragilizar a Lava-Jato ou as instituições. Não podemos ser pautados por questões políticas. Temos de ter equilíbrio e sermos o mais técnico possível até para tirar a dúvida: é verdade tudo isso? Não ficou comprovado? Não pode, nessa fase, só pelas divulgações, servir de base para fazer toda uma mudança ou um afastamento ou a nulidade de um processo. O “inquérito midiático” tira do Estado o controle processual (juiz, partes), a análise dos fatos. O não-respeito ao devido processo legal coloca em risco a própria existência do Estado Democrático de Direito.
Mesmo que as conversas sejam verdadeiras, a Lava-Jato continua de pé?
Acho que continua porque temos que saber os limites, se comprovado lá na frente, em quais procedimentos isso atingiu. Acho que não foi toda Lava-Jato. Já temos algumas comprovações: acordos de leniência, onde foram devolvidos bilhões aos cofres públicos, colaborações premiadas de pessoas que confessaram (crimes), condenados cumprindo pena. Então, a Lava-Jato está ratificada pelo próprio Poder Judiciário. Hoje, a sociedade e grande parte da população brasileira quer o combate à corrupção, dentro do Estado Democrático de Direito, e anular todo esse procedimento é um risco muito grande. O patrimônio da Lava-Jato é nacional.
Ela não fica maculada?
Não fica e tem de continuar, respeitando as regras e o Estado democrático de Direito. Vimos as grandes consequências que ocorreram no Rio de Janeiro. A Petrobras não quebrou porque é muito grande. E a promiscuidade do poder público e político em campanhas, que prejudicou muito o país. Não foi a Lava-Jato que prejudicou o país, como vemos muitos comentarem. Ah, os processos da Lava-Jato pararam a República, pararam a economia. Não foi isso que parou. A corrupção de anos é que não deixa o Brasil avançar. Não temos coisas básicas em virtude do desvio de dinheiro. A operação contribui para o debate: queremos continuar com essa política do toma lá dá cá? A gente não quer mais e acho que as urnas já mostraram a oxigenação no ano passado. Espero que a política mude esse patrimonialismo e entre para o estadismo, que seja do bem comum. 
Uma das críticas que se faz a Moro é o de o juiz dirigir o processo. Isso não colide com a função do advogado de defesa?
O juiz tem limites. Para manter a imparcialidade, não vai ser um juiz instrutor e julgador ao mesmo tempo. Isso que se propunha dentro da reforma, um juiz que possa produzir as provas e um juiz que julgue. Não sei se nós alcançamos essa maturidade. Mas um juiz tem de manter sua imparcialidade dentro do conjunto que é apresentado a ele porque temos partes. O Ministério Público é uma parte, a defesa é outra. E essas partes que têm de levar os elementos dentro da regra processual, no respeito ao Estado Democrático de Direito. Temos suposições. Se ficar provado, é um fato que quebra a regra da imparcialidade. Não podemos deixar essa política que está hoje, questionando a Lava-Jato, fragilizar as instituições. Se ocorreu um fato pontual, será analisado. E aí a responsabilidade será apurada. Mas dentro de uma realidade, que não é a virtual, que é o devido processo.