O Globo diz que Medina Osório enviou pareceres para ajudar defesa de Dilma Roussef

Órgãos do governo do presidente Michel Temer elaboraram relatórios técnicos que defendem a regularidade de práticas listadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) como infrações na gestão de Dilma Rousseff em 2015, entre elas as “pedaladas fiscais”, que foram a base do impeachment da petista. O encaminhamento desses relatórios à defesa de Dilma foi feito pelo então advogado-geral da União de Temer, Fábio Medina Osório, demitido ontem pelo presidente após uma série de atos que desagradaram ao Palácio do Planalto desde o início da interinidade do presidente.

Medina Osório, Dilma e o advogado Ricardo Lodi, que defende a ex-presidente no processo de julgamento das contas de 2015 no TCU, assinaram em 23 de junho um protocolo com a garantia de fornecimento de dados para a petista fazer sua defesa no processo. Naquele momento, Dilma já estava afastada há mais de 40 dias do cargo por conta da aceitação do processo de impeachment no Senado. E o TCU já havia aprovado um prazo de 30 dias para a então presidente afastada explicar 23 indícios de irregularidades nas contas de 2015 do governo.

O gabinete de Medina Osório encaminhou, então, avisos a órgãos do governo para que se manifestassem sobre os apontamentos do TCU. Parte das notas técnicas produzidas já no governo Temer defende que atos da gestão de Dilma são regulares. Há relatórios neste sentido produzidos por áreas técnicas do Banco Central, do Ministério do Planejamento e do Ministério da Fazenda. Esses pareceres são citados na defesa de Dilma, protocolada no TCU.

O documento tem 394 páginas e é assinado por Lodi. O julgamento das contas de governo de 2015 está previsto para 5 de outubro. A tendência dos ministros é aprovar um parecer pela rejeição, a exemplo do que foi feito em relação às contas de 2014. A palavra final é do Congresso.

Numa nota técnica de 12 de julho, elaborada com a finalidade de responder ao apontamento de irregularidade nas contas de 2015, o Banco Central (BC) forneceu “esclarecimentos necessários para comprovar a licitude” dos registros fiscais relacionados às “pedaladas”. Já o TCU apontou que, com a manobra, passivos do governo junto a Banco do Brasil, BNDES, Caixa Econômica Federal e FGTS deixaram de ser registrados pelo BC nas estatísticas fiscais em 2015.

“Não se sustenta o entendimento preliminar constante do acórdão”, conclui a nota técnica do Departamento Econômico (Depec). “Esta nota procurou demonstrar que os procedimentos adotados pelo BC ao longo do exercício de 2015, relativamente às estatísticas macroeconômicas do setor fiscal, estiveram fundamentados fielmente na metodologia vigente.”

Uma nota elaborada pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN) em 14 de julho também tratou das “pedaladas”, inclusive dos atrasos referentes ao Plano Safra, acusação usada no processo de impeachment. O documento cita que não restou “qualquer saldo devedor no que se refere às equalizações apuradas”, situação que “evidencia a regularidade da programação e execução financeira realizada em 2015”.

A nota lembra decisão do Ministério Público Federal no Distrito Federal de pedir arquivamento de investigação criminal sobre as “pedaladas”. O BC também elaborou relatório em que defende a regularidade de operação de crédito feita envolvendo o Banco da Amazônia. O TCU listou essa operação como uma das 23 irregularidades nas contas de Dilma.

O Ministério do Planejamento, por sua vez, defendeu a medida provisória editada por Dilma que permitiu o financiamento do projeto de compra de caças pela Aeronáutica. A nota do Departamento de Programas Especiais do ministério é de 12 de julho.

Artigo, Clóvis Rossi, Folha - Impeachment não incomodou mundo, mas pode custar caro dentro do Brasil

Circula pelas redes sociais a foto da cúpula do G20 em que o presidente Michel Temer aparece no cantinho, acompanhada da insinuação, implícita ou explícita, de que ele foi marginalizado pelos seus pares, como castigo pelo "golpe" que derrubou Dilma Rousseff.

Pura tolice. Temer ficou na ponta da foto porque o protocolo do G20 determina que, no centro do quadro, ao lado naturalmente do anfitrião, apareçam os governantes há mais tempo no cargo.

Como Temer assumiu definitivamente apenas dias antes da reunião na China, inexoravelmente ficaria no cantinho.

Ao contrário do que insinua essa versão tolinha, a cúpula do G20 foi uma demonstração de que o "golpe" saiu barato, do ponto de vista das relações internacionais do Brasil.

Não houve, no G20, nenhuma restrição ao novo governo, o que significa que os países que representam 85% da economia mundial continuam o relacionamento (e os negócios) com a nova gerência tropical.

Aliás, só mesmo algum tarado poderia esperar o contrário. Se o G20 aceita a Arábia Saudita, que não chega a ser um paraíso democrático, não poderia recusar o Brasil. Se o teor de democracia fosse critério para fazer parte do grupo, a cúpula não poderia ser na China.

Mesmo na América Latina, a reação concreta ao "golpe" limitou-se aos países bolivarianos —e assim mesmo um deles, a Bolívia, já sinaliza recuo, pragmaticamente interessada em uma boa renegociação do acordo para venda do gás ao Brasil.

Nem Cuba, paradigma revolucionário no subcontinente, chamou de volta seu embaixador, apesar das duras críticas verbais ao impeachment.

As três grandes economias da América Latina, depois da brasileira (Argentina, México e Colômbia), abraçaram sem restrições o novo governo.

Até aí, o lado digamos luminoso, para o novo governo, das repercussões do "golpe".

Mas há, sim, um custo alto em termos de imagem, representado pelas críticas de um punhado de jornais de prestígio, como "El País" e o "Guardian".

O custo mais alto, no entanto, é interno. Não pelo impeachment em si, que havia sido solicitado nas ruas por massas muito mais numerosas do que as que a ele se opunham.

O problema, aí, é o baixo prestígio de Michel Temer, tão baixo quanto o de Dilma. É natural, portanto, que seja vaiado onde quer que apareça ou que se façam manifestações cobrando "diretas já".

O Eurasia Group até calcula que "demonstrações de rua permanecerão uma característica do panorama nos próximos meses".

Por enquanto, no entanto, os manifestantes são militantes dos partidos que perderam o poder ou de suas organizações satélites —minoritários na comparação com os que rejeitavam Dilma ou com os que estão fartos das classes dirigentes, as anteriores, agora na oposição, ou as atuais, parte das quais era governo antes e continua governo agora.

O custo para Temer vai se tornar insuportavelmente elevado se ele não conseguir dar um jeito na economia e, acima de tudo, pelo menos iniciar a recuperação do emprego.


Aí, sim, as ruas voltarão a ferver como em 2013.