Artigo, Glauco Fonseca - Cumplicidade, ingenuidade e neurose

Há pessoas que não se satisfazem jamais com fatos, tampouco com a mais escancarada e pontiaguda realidade. Muitas, milhares, milhões de pessoas são assim. A culpa é sempre alheia, a vítima sou “sempre eu”. No mesmo plano de avaliação, existem as que se acham sempre certas e que, por uma lógica toda particular - e para elas inequívoca -  jamais, em momento algum, se consideram erradas. E há pessoas com pensamento marxista ou derivado, que são uma fusão exorbitante de toda a “sintomática” acima, capazes de qualquer coisa em nome de qualquer causa, sem sequer tendo a obrigação de fazer grande sentido. São afortunados, infelizmente, por terem hordas enormes de seguidores ou de simpatizantes nas mais diversas camadas da nossa cultural e mentalmente comprometida sociedade, notadamente na mídia gaúcha.

Os editoriais de hoje, 21 de abril de 2016, dos jornais Zero Hora e Jornal do Comércio, remetem-me à minha condição provinciana (jamais esquecida), mas, ainda assim, me movem ao ato de escrever por ter lido ambos os textos dos diários. Por simples e livre “ato volitivo”, decidi que não passariam em vão. Faço, portanto, este registro, em primeiro lugar, em homenagem a mim mesmo, à minha capacidade de ler e de saber “com quem estou lidando”, ao mesmo tempo em que aponto aos autores dos textos e lhes digo, com todas as minhas letras, o que segue.

O de ZH pode ser condensado numa palavra rápida e concisa: Ridículo. Defender que Dilma promova sua “perseguição” nos microfones da ONU, estando ela já em vias de afastamento da presidência por crime de responsabilidade, com encaminhamento favorável ao impeachment por 367 Deputados Federais, é de uma ingenuidade típica de quem escreve (conheço o autor). Uma ingenuidade “funcional”, operante, com o rabinho abanando, como faz um cão que ainda não sabe que seus donos já se foram e não o levaram junto. Segundo o repulsivo – e ingenuamente funcional – editorial, “...ela tem todo o direito de fazê-lo. Tem direito de se defender como melhor lhe aprouver e de receber todas as oportunidades para se expressar diante dos estrangeiros como vem se expressando no Brasil.”. Ora, a presidente, que está prestes a se acertar com as decisões institucionais que a afastam, deve mesmo ir aos microfones estrangeiros, às nossas custas, para fazer troça das forças constitucionais que lhe apontam ilícitos? Não lhe caberia um mínimo de recato e de bom senso? Responda a esta pergunta relendo o primeiro parágrafo e, em seguida, entenderá como a cumplicidade editorial, associada à ingenuidade de uma “jihad” de editores é capaz de levar à miséria intelectual e política um grupo importante como a RBS.

Já o editorial do JC peca basicamente por ser ralo como sopa de presídio. Se os autores dos editoriais mais se parecem com bons estudantes em provas de redação do ENEM, o estilo do editorial do JC não chega a pecar pela cumplicidade canhestra e degenerada de ZH, mas sequer tangencia o que chama de cleptocracia em seu título. Esta puerilidade – típica – surge na fantástica passagem a seguir: “Dando o obséquio da dúvida, é possível que Dilma Rousseff não tenha se envolvido em qualquer um dos muitos deslizes e falcatruas denunciados nas investigações e delações premiadas da Operação Lava Jato, que vem desnudando uma teia de vigarices e conluios entre pessoas no serviço público e empreiteiras no caso do Petrolão, na Petrobras.”. Ora, se fizéssemos uma simplista aplicação da Teoria do Domínio do Fato (Hanz Welzel, 1939) – teoria esta que foi decisiva para o encarceramento de petistas et caterva na Ação Penal 470 (Mensalão) – de imediato não poderíamos apartar de culpas várias a principal beneficiada nos crimes do Petrolão, considerado o maior escândalo conhecido da história da humanidade. Portanto, Dilma está sendo afastada do comando do país por inúmeros crimes, todos debaixo de seu manto vermelho e perfidioso, psicótico e, graças a Deus, politicamente terminal.


Todo psicopata vive em permanente estado de divergência com a realidade. Seja um simples punguista, seja um destacado líder de esquerda quando embretado pela descoberta de suas vastas burradas e atos delitivos em continuidade. Dilma está a negar porque a negação é típica do quadro psicótico que se lhe acomete. A negação, seja no caso de Dilma, seja no caso de um batedor de carteiras, é um sintoma muito corriqueiro que tipifica alguém apanhado em flagrante e que negará, se não o fato, sua culpa pelo protagonismo, sempre e sempre. Não é estratégia nem tática. É sintoma, típico e recorrente. A negação, devidamente diagnosticada, é atestado de culpa e reconhecimento às avessas. Eis Dilma, a nossa mais conhecida e aborrecida doente social.

Dilma já começou sua última viagem como presidente do Brasil. Temer já é o presidente em exercício.

Ignorando a crise política devastadora da qual é protagonista e pivô principal e mesmo sabendo que dentro de pouco mais de 15 dias será afastada do governo, a presidente Dilma Rousseff embarcou na manhã desta quinta-feira para Nova York (EUA), onde participará, nesta sexta, da cerimônia de assinatura do acordo elaborado no ano passado, em Paris, sobre mudanças climáticas. No período em que Dilma estiver no exterior, o vice-presidente Michel Temer, que está em São Paulo, assumirá o cargo como presidente em exercício.

Esta será a última viagem de Dilma ao exterior como presidente do Brasil.

A expectativa entre assessores do Palácio do Planalto é que, no discurso que fará na sede da Organização das Nações Unidas (ONU) nesta sexta, a presidente aborde, além do acordo climático, o processo de impeachment que enfrenta no Congresso Nacional e se diga vítima de um "golpe", tese que vem sendo defendida pelo governo desde o ano passado, sob a alegação de que o processo não tem base legal.


Diante da avaliação de Dilma de denunciar o "golpe" no Brasil, parlamentares da oposição e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) criticaram a presidente e refutaram a tese. Para Celso de Mello, por exemplo, Dilma comete um "equívoco" quando fala em golpe porque a Corte já "deixou claro" que os procedimentos do processo respeitam a Constituição.

Artigo, Francisco Ferraz - O preço da negação da derrota

     Os breves discursos, que antecediam a declaração de voto dos deputados favoráveis à aprovação da admissibilidade do processo do impeachment da presidente Dilma foram acerbamente criticados, pelas homenagens e agradecimentos feitos à família, aos eleitores e ao respectivo estado, numa oratória que pareceu muito pobre e sem imaginação, para uso em um momento especial da política e história do país.
     É verdadeira a crítica. Mas é igualmente verdadeira a crítica (que não foi feita) aos discursos contrários ao impeachment, que desfiou a mesma “litania do golpe”, do primeiro ao último deputado, numa repetição igualmente sem imaginação e, em várias ocasiões, intensamente raivosa.
     Os discursos favoráveis ao impeachment não nos devem surpreender por sua baixa qualidade. Estavam bafejados pela antecipação da vitória. Não foram pronunciados para nos fazer pensar...
     Já dos discursos contrários ao impeachment podia-se esperar mais. Qual a razão para os deputados repetirem a mesma ladainha que Dilma pronunciava nas reuniões que patrocinava no palácio; a mesma de Lula nos comícios e reuniões; a mesma das entrevistas dos ministros da casa.
     O script dos discursos era o mesmo porque não fora concebido para expressar uma linha estratégica, ele era um desabafo.
     Acostumado a demonizar os outros, viciado em ver sua vontade sempre atendida, convicto de que todos os brasileiros lhes devem muito, decidido a não reconhecer erros, não exibir nunca a boa e sincera humildade, o “PT do poder” revelou uma grave deficiência política: não sabe mais como lidar com a derrota.
     Refiro-me ao “PT do poder”para distingui-lo do “PT histórico”. Este sabia perder, reconhecer a derrota, buscar entendê-la e orientar estrategicamente o comportamento dos seus militantes e lideranças, levando em consideraçãosuas lições. Se não soubesse perder (e aprender com a derrota) não teria crescido e chegado aonde chegou.
     O PT de Lula e Dilma, ao contrário não consegue aceitar a derrota e reage a ela com uma descarga emocional completamente atípica para um partido de esquerda, cujos líderes e militantes são treinados para encarar a dinâmica política de forma impessoal.
     De fato, nem os partidos tradicionais se permitem reações emocionais tão desproporcionadas, sobretudo de suas lideranças.
     A busca de aprovação para a versão do impeachment de Lula, Dilma e o “PT do poder” é tão sofregamente procurada que, não sendo aceita no país é preciso busca-la no exterior.
     Somos então obrigados a ver com constrangimento uma presidente que vai buscar apoio político no exterior, em entrevistas com jornalistas estrangeiros e, segundo se diz, em viagem aos EUA, para denunciar o processo de impeachment como golpe, embora este processo tenha seguidoos passos processuais rigorosamente prescritos pela legislação existente e com o controle do Supremo Tribunal Federal.
     Se efetivamente a presidente se prestar a este papel, usando sua posição única para denegrir as instituições democráticas do Brasil, com o objetivo exclusivo de manter o poder, estará arrancando seus últimos fiapos de legitimidade.