UMA PIADA CHAMADA VICENTE CÂNDIDO

UMA PIADA CHAMADA VICENTE CÂNDIDO

         Existe a anedota de português; a da loira; a do Joãzinho; e muitas outras. Algumas mais, outras menos engraçadas.
         Mas, nenhuma é parecida com a proposta de autoria do deputado federal de SP, Vicente Cândido, ontem divulgada em reportagem do jornal paulista – o Estadão, onde ele pretende coibir a prisão de candidatos 8 (OITO) meses antes de uma eleição.
         Confesso que apesar de ser razoavelmente bem informado, jamais tomei conhecimento da existência deste político “profissional”. Sim, “profissional”, porque está militando no meio há mais de 30 (TRINTA) anos. E – porque será que não me surpreendi? – sempre filiado ao PT! Sendo que já ocupou inclusive a presidência regional paulista do partido da “cumpanheirada”.
         Foi o que descobri numa rápida pesquisa feita na internet.
         E tive que pesquisar porque nunca antes na história deste país, eu havia sequer escutado falar no referido cidadão. Certamente em razão da sua “extraordinária” atuação como político. Aliás, “político profissional”, como já relatei acima.
         Pois, a piada bancada por ele está amparada na tentativa, totalmente esdrúxula e completamente inoportuna, de alterar a legislação eleitoral para proteger uma “suposta” futura candidatura do ser vivo mais honesto do planeta.
         Ora, sendo o deputado um advogado, ainda mais com um curso de pós-graduação, não se admite que o proponente desta piada possa considerar a figura “estrambólica” do candidato á candidato; para – ao arrepio da regra legal vigente – cogitar a validade de uma candidatura antes mesmo dela existir oficialmente.
         Segundo o “letrado” parlamentar, a sua esdrúxula proposta criaria o habeas corpus preventivo ou o salvo conduto, especiais para os “pretensos candidatos políticos”. Mas, conforme declaração – feita ‘de viva voz’ pelo autor, ontem no JN – o alvo principal não é o ex-presidente Lula da Silva.
         Então tá.
         Conta outra!

         Quem sabe numa nova tentativa, o deputado possa caprichar em uma boa anedota para que as pessoas possam rir muito, sem precisar forçar o riso. Ou acha-la ridícula e despropositada.

Artigo, Hélio Schwartsman, Folha - Crepúsculo de um ídolo

Artigo, Hélio Schwartsman, Folha - Crepúsculo de um ídolo


SÃO PAULO - Ok, eu era jovem, mas já acreditei que Lula e o PT introduziriam um novo e melhor paradigma ético na política brasileira. É com um misto de frustração e tristeza, portanto, que recebo a notícia de que o ex-presidente foi condenado em primeira instância a 9,5 anos de reclusão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

A frustração vem pela constatação de que o padrão ético da política nacional continua desastroso, se é que não piorou após a passagem do ex-metalúrgico pelo Planalto. A tristeza tem uma etiologia mais emocional mesmo: a derrocada moral de um líder que já admirei.

Obviamente, não foi só agora que descobri que lidava com ídolos de pés de barro. Desde a revelação do escândalo do mensalão, em 2005, eu já havia expungido todas as minhas ilusões em relação ao partido e seus dirigentes. Faço essas reflexões, que ficam no limite da indiscrição, neste momento porque a condenação de Lula confere peso histórico à trajetória de declínio ético do líder petista.

Mesmo que ele escape da cadeia e seja reeleito presidente —o que me parece muito improvável—, não vejo mais como seu nome possa ser dissociado de várias das piores práticas da política brasileira. E isso não ocorre devido a uma suposta parcialidade do juiz Sergio Moro, mas a atitudes do próprio dirigente petista.

Ainda que se acredite na fabulação de que Lula foi condenado sem provas, não há como negar que o ex-presidente estabeleceu uma relação de extrema promiscuidade com empresários que admitem ter integrado esquemas bilionários de assalto aos cofres públicos. Se aplicássemos a régua moral que o PT utilizava nos anos 80 e 90, e que me parece adequada (nesse quesito o partido mudou mais do que eu), Lula teria de ser expulso sumariamente da legenda.


Se há um lado bom nessa história é que eu ao menos aprendi a descrer de heróis e passei a ter uma visão mais realista da natureza humana.

Conjuntura e estrutura política

Conjuntura e estrutura política
Interpretar processos políticos é interpretar a História enquanto ela está ocorrendo
*Francisco Ferraz, O Estado de S.Paulo
Estrutura e conjuntura política são expressões de uso comum na linguagem da política. Seu uso é frequente em jornais, redes sociais, revistas, noticiários de rádio e TV, debates, discursos. Seu entendimento, contudo, não é tão frequente. Na realidade, podemos dizer que são termos técnicos da ciência política, da ciência econômica, da sociologia e das demais ciências sociais.
Estrutura social refere-se ao conjunto organizado, padronizado e estável de relações institucionalizadas, por meio das quais os seres humanos interagem e vivem em sociedade. A estrutura social é a base, não imediatamente visível ao observador não treinado, dado o elevado grau de abstração com que é descrita.
Ainda que invisível ao olhar ingênuo, ela afeta o essencial de todos os aspectos da vida humana em sociedade, explicando as regularidades, a integração entre suas variadas dimensões e o processo de mudança social. Portanto, é ao mesmo tempo consequência e determinação das interações sociais. Ela só se faz cognoscível, na sua realidade e no seu lento dinamismo, mediante rupturas conjunturais que, como “fendas”, permitem enxergar o interior dos “blocos estruturais”, normalmente espessos e de difícil visualização.
Inversa, mas correspondentemente, a conjuntura política compõe-se dos “fatos correntes”, visíveis no dia a dia e fartamente comentados pelos veículos de comunicação social. O problema que compromete a análise política conjuntural é o risco sempre presente de tornar-se trivial, superficial, sem permanência, sujeita invariavelmente a ser superada por fatos supervenientes, ainda que da mesma natureza.
A interpretação dos fatos da conjuntura só ganha solidez, adquirindo, portanto, importância própria e relevância como conhecimento confiável, quando lógica e rigorosamente articulada, sob a forma de indicadores de resposta ao estresse a que os marcos estruturais estão sendo submetidos, pela pressão por mudança.
A autêntica análise política é exatamente a que consegue interpretar os fatos da conjuntura com referência à configuração estrutural a ela subjacente e identificar no fluxo conjuntural os sinais indicadores das reações do processo estrutural. Essa análise só pode ser feita se respaldada pelos procedimentos teóricos consagrados da ciência política, abordando os fatos correntes da conjuntura em dois planos: no plano da sua relação contextual, qual seja, a da conexão dos fatos da conjuntura entre si; e no plano da sua relação estrutural, qual seja, a conexão dos fatos da conjuntura com a matriz estrutural da sociedade.
Visualizada dessa forma, a análise de conjuntura revela-se uma disciplina extremamente complexa, difícil e intelectualmente desafiadora.
Interpretar processos políticos, relacionando os eventos que os integram entre si e com a matriz societária, é interpretar a História enquanto ela está ocorrendo, e não ex post facto. Portanto, a análise de conjuntura é um empreendimento intelectual que supõe conhecimentos sólidos, de amplo espectro e dotados de consistência metodológica.
O desprezo acadêmico pela área conjuntural reflete mais um certo tipo de formação... que levou a um certo tipo de definição de carreira... um certo tipo de preconceito... e, por fim, a um certo tipo de desconforto para lidar com uma matéria sujeita a um dinamismo tão rebelde. Matéria de trabalhosa e difícil interpretação para encontrar seus vínculos com os fundamentos estruturais da sociedade, mediante os quais a projeção de tendências, perspectivas e mudanças podem ser previstas.
Essa sempre foi a forma de interpretar a política corrente, praticada por seus mais qualificados representantes.
Desde o momento em que, com Maquiavel, a política conquista a sua autonomia ante os princípios morais e religiosos, algumas das mais privilegiadas cabeças políticas da História praticaram, nas suas obras, esses procedimentos. Na sua obra, a matriz estrutural da sociedade italiana do Renascimento é o “sujeito oculto” da política italiana, conferindo ao jogo político conjuntural seu significado, estatuindo o que funciona e o que não funciona e definindo padrões de comportamento para o príncipe conquistar e manter o poder.
Se a obra de Maquiavel, como aparece à primeira vista, se reduzisse a uma análise conjuntural, não teria sobrevivido cinco séculos como livro de cabeceira de reis e revolucionários e obra constitutiva da ciência política.
Tocqueville, tanto na sua magistral análise da sociedade americana quanto no clássico L’Ancien Régime et la Révolution, vai encontrar nos hábitos políticos peculiares dos EUA, em padrões sociais e culturais evidentes no seu cotidiano, indicadores sólidos para identificar marcos estruturais poderosos das duas sociedades que pesquisou. Na América Tocqueville analisa como as características estruturais sociais, culturais e históricas determinaram a forma de democracia que lá se instituiu e, na mesma obra, o impacto da democracia política na economia, na vida familiar e associativa, na cultura, nos valores e na forma de viver dos americanos.
No Ancien Régime Tocqueville, mediante uma cuidadosa pesquisa dos cahiers da revolução, assim como do período que a precede e dos eventos que lhe sucedem, é capaz de concluir de forma absolutamente inesperada pela identificação de uma linha de continuidade entre o antigo regime e a revolução (que antecipa Napoleão) mais consistente do que a dramaturgia da revolução, com seus personagens heroicos e trágicos, que povoaram os breves ciclos de sua evolução conjuntural.
Outro não foi o método de análise de Burke sobre a Revolução Francesa, comparada com a evolução política da Inglaterra.
Com Maquiavel, Tocqueville e Burke, a interação entre a matriz estrutural e a dinâmica conjuntural permitiu a eles dar significado em suas obras à frágil, mutável e instável conjuntura e identificar, por entre as brechas e fendas que se abriam na sociedade francesa, os pilares estruturais que sustentavam tanto a sua estabilidade como a sua mudança.
*Professor de ciência política e ex-reitor da UFRGS (www.politicaparapoliticos.com.br)