A vingança dos acusados
Quem tem medo de Sergio Moro?
Por Carlos Fernando dos Santos Lima
Ao costurar uma aliança de conveniência entre Bolsonaro e Lula, por meio da deputada Margarete Coelho
(PP-PI), o Centrão acaba de revelar qual é o pior medo da classe política brasileira. Aquele medo que faz
seus caciques acordarem suados no meio da madrugada, como se houvesse um bicho-papão escondido dentro
do closet ou debaixo da cama king-size em que dormem todas as noites.
O nome desse terror que invade gabinetes do Planalto, do Congresso Nacional e até mesmo do Supremo
Tribunal Federal é Sergio Moro. E a forma pela qual resolveram enfrentar o receio de que o ex-magistrado da
Lava-Jato seja eleito presidente em 2022 é cassando os seus direitos políticos.
Certamente, haverá os ingênuos a acreditarem que não se trata de um casuísmo a proposta de mudança no
Código Eleitoral. Mas a proposta de retroação da inelegibilidade para os cinco anos anteriores às eleições
para membros do Judiciário e do Ministério Público é medida que tem alvo certo, a Operação Lava-Jato.
É perfeitamente compreensível o receio de que os princípios que nortearam a Lava-Jato cheguem ao poder,
pois a classe política, especialmente o Centrão, sabe que estará no poder com Bolsonaro ou Lula. Mas teme
que a eventual chegada ao poder de Sergio Moro lhe traga dificuldades para manter seu controle sobre a
política brasileira e, em decorrência, sobre os recursos públicos.
Para isso, ao estilo Putin ou Ortega, demonstram agora seu desapreço pela democracia, desferindo um
verdadeiro golpe contra o direito do povo brasileiro em expressar sua vontade em eleições livres e plurais.
Tudo vale para que continuem no poder, usando da lei para impedir possíveis candidaturas de opositores ao
atual modo de se fazer política no Brasil e à cleptocracia que nos governa.
Não fosse a destinação específica da regra para impedir a candidatura do ex-magistrado, a regra cassa
direitos políticos de quem já não é magistrado ou membro do Ministério Público no momento de sua
promulgação, retroagindo para atingir pessoas somente pela natureza do cargo público que ocuparam,
colocando-os no mesmo patamar de políticos ficha-suja. É a transformação definitiva do juiz e do procurador
da República ou promotor de Justiça em cidadãos de segunda classe ou pior.
Para quem fala tanto em criminalização da política, é revelador que busquem tratar como criminosos
justamente aqueles que têm por função colocar corruptos na cadeia. Isso só traz ainda mais luz ao movimento
da classe política, aproveitando-se da distração de todos com o deprimente espetáculo de ignorância e
autoritarismo de Bolsonaro, ao destruir todo o sistema de combate à corrupção e de busca de uma nova
política livre das deformações decorrentes do abuso desse dinheiro ilícito.
Jair Bolsonaro é o bode na sala de nossa democracia, tornando para muitos aceitáveis medidas claramente
inconstitucionais como essa. Magistrados no sentido amplo da palavra, sejam eles juízes ou membros do
Ministério Público, não podem fazer política partidária, nos termos da Constituição. Mas tornar inelegíveis
cidadãos que já não são magistrados — ainda mais só e exclusivamente por terem sido em época anterior à
da nova lei — é um atentado ao estado democrático de direito e à Constituição Federal.
É, enfim, a vingança dos acusados, que pretendem agora punir seus acusadores e julgadores. Pretendem eles,
vejam a ironia, destruir a Lei da Ficha Limpa, anular condenações e permitir que condenados em três
instâncias como Lula concorram à Presidência, e proibir Sergio Moro de se candidatar.
Nem sei se Moro realmente iria tentar ser presidente, mas agora é que realmente sua candidatura é essencial
para o país. Moro para presidente, mesmo que não seja eleito, mas pela defesa de nossa democracia