Artigo, Roberto Teixeira da Costa, Estadão - A bolsa e os investidores estrangeiros

 A “bolha especulativa” citada em meu artigo publicado no Estadão de 13/1 continua sendo debatida como preocupação com o desempenho futuro da bolsa. Aspectos que foram apontados para fundamentar tal temor:
1) As ações brasileiras não estariam baratas. Muito embora, em termos referenciais aos mercados desenvolvidos, o “preço/lucro” das ações brasileiras que compõem o Ibovespa seja inferior ao dos países desenvolvidos, se compararmos a quocientes do passado estaria elevado. No entanto, para todos os que investem com visão de médio e longo prazos, admitindo que a economia brasileira continuará lenta e gradualmente melhorando, os preços não parecem absurdos numa análise criteriosa, e não superiores aos do México, por exemplo.
Analistas internacionais vêm alertando há algum tempo que podemos estar no fim de um processo de alta nas bolsas mundiais, o que afetaria o fluxo de capitais para países em desenvolvimento. Há controvérsias a esse respeito, pois os mercados têm demonstrado maior resiliência às crises vividas e alguns falam no que chamam o “novo normal”.
2) A venda em bloco de ações, seja de empresas públicas ou privadas, estaria indicando desconfiança na manutenção dos atuais preços em bolsa. Lembro que muitas dessas ações estiveram em suas carteiras por vários anos e não foram ao mercado por falta de qualquer possibilidade; surgindo a oportunidade de dar liquidez, não as deixaram passar. Assim, a colocação não é indicativa de uma desconfiança no mercado, e sim de uma oportunidade de reequilibrar carteiras e dar liquidez a parte de seu portfólio.
3) Dúvidas sobre o crescimento do nosso PIB e uma imagem negativa do Brasil não ajudam. Há que reconhecer essa realidade, mas a ênfase está em que alguns desses problemas não são novos e fatos recentes indicam que alguns segmentos do governo estão conscientes da necessidade de alterar essa imagem. Como exemplo, em 21/1 o presidente Jair Bolsonaro propôs a criação do Conselho da Amazônia e indicou o vice-presidente Hamilton Mourão para sua coordenação, bem como a criação da Força Nacional Ambiental, que preencherá importante espaço para equacionar a questão climática. Os dois aspectos transmitem iniciativa positiva com a indicação sobre mudança de sensibilidade em relação à Amazônia, que é uma questão crucial para nossa imagem.É certo que cada vez mais os investidores externos não olharão exclusivamente para o desempenho da economia brasileira, mas também para temas gerais, como a questão climática, nossa política de segurança interna e melhor educação. Isso ficou muito claro na 20.ª reunião anual do Fórum Econômico Mundial, realizada em Davos em janeiro.
Quanto ao crescimento do PIB, se 2,2% projetados para 2020 pelo FMI não são o número dos nossos sonhos, confirmam uma tendência positiva e mostram que estamos progredindo e nos diferenciando dos diversos países da América Latina.
4) Paixão asiática – os olhares dos investidores estariam direcionados principalmente para os países asiáticos, que na opinião de muitos investidores continuarão, em média, mantendo o crescimento com maior velocidade que países em desenvolvimento, como em nossa região. O surto do coronavírus deve ter efeito negativo no desempenho dos países asiáticos e suas consequências, particularmente sobre a China, ainda não são mensuradas. Portanto, essa paixão está sub judice.
5) Tensão social – alguns investidores de mercado pesam, em sua decisão de aplicar em bolsa, o temor de que se reproduzam no País manifestações sociais como as vistas no Chile, na Colômbia e no Equador. Isso sem falar nos resultados da eleição presidencial na Argentina. Considerando a situação diferenciada do nosso país, ainda assim líderes políticos do passado vêm estimulando reações populares contra o governo, quer por questões ideológicas ou por demora nos resultados de política econômica, que causam insegurança aos investidores de curto prazo.
Temos plena consciência desse risco potencial, mas devemos reconhecer que o Congresso, no seu ritmo, vem trabalhando para mitigar as distorções que nos acompanham há muitos anos.
A questão do emprego é complexa, dadas as sensíveis mudanças no mercado de trabalho, pela necessidade de reciclar nossa mão de obra para atender à demandas de emprego impostas pelas novas tecnologias.
Não quero, aqui, deixar um quadro róseo, como se tudo estivesse sob controle, mas não consigo olhar o Brasil com pessimismo nos anos vindouros, considerando os obstáculos que temos pela frente. Na minha visão, o quadro externo é certamente uma variável adicional, que não nos ajuda.
Assim, os investidores nacionais ou estrangeiros não devem deixar de lado a prudência, diversificando suas aplicações e avaliando claramente os riscos, considerando sempre não abrir mão de eventuais necessidades futuras de liquidez ao definirem sua política de investimento. Porém continuo vendo o Brasil como uma boa alternativa.
* ROBERTO TEIXEIRA DA COSTA É ECONOMISTA E CONSELHEIRO EMÉRITO DO CENTRO BRASILEIRO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E DO CONSELHO EMPRESARIAL DA AMÉRICA LATINA

O que está por trás da crise na segurança pública do Ceará

 - Reportagem da Deutshe Welle.


Policias militares, encarregados de manter a ordem e a lei, se tornaram nesta semana pivô de caos e violência no Ceará. Insatisfeitos com uma proposta de reajuste salarial, parte dos policiais da cidade de Sobral se amotinou, ocupou quartéis com capuzes que escondiam seus rostos e ordenou que o comércio fechasse as portas.
O auge da tensão ocorreu na (4ª) feira (19.fev), quando o senador licenciado Cid Gomes (PDT) foi atingido por dois disparos de arma de fogo ao tentar entrar, com uma retroescavadeira, num batalhão da Polícia Militar ocupado pelos amotinados. Cid, irmão do ex-governador do Ceará e ex-candidato à Presidência Ciro Gomes (PDT), já deixou a UTI do hospital e passa bem.
Os policiais protestam contra a proposta apresentada pelo governo de Camilo Santana (PT) que aumenta o salário dos soldados de 3.475 reais para 4,5 mil reais, escalonado em três vezes até 2022. Eles querem o reajuste total imediato e 1 plano de carreira.
A Constituição proíbe greves de policiais militares, restrição confirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2017. Ainda assim, há diversos casos registrados de paralisações de agentes nos últimos anos no país, em geral seguidos de picos de violência.
Entre as manhãs desta quarta e 6ª feira, o Ceará registrou 51 assassinatos – uma média de 25,5 por dia (ou mais de 1 por hora), mais do que quatro vezes a média estadual até então neste ano, de seis homicídios diários.
Na tentativa de controlar os policiais amotinados e garantir a segurança pública no estado, o ministro da Justiça, Sergio Moro, autorizou o envio da Força Nacional de Segurança, e o presidente Jair Bolsonaro editou 1 decreto que autoriza o uso das Forças Armadas para Garantia da Lei e da Ordem no estado.
A cena de comércios fechando portas mais cedo por ordem de homens encapuzados e a escalada da violência no Ceará lembraram a crise de segurança pública que atingiu o estado em janeiro de 2019, quando uma onda de ataques a veículos, prédios públicos, comércios e instalações de infraestrutura também exigiu o envio da Força Nacional de Segurança.
A crise do ano passado, porém, havia sido provocada por 1 conflito entre facções criminosas que disputavam o controle do tráfico de drogas, e eclodiu após o estado se tornar 1 dos mais violentos do país. Os episódios deste mês não têm, até o momento, relação com facções criminosas, e acontecem após o Ceará ter reduzido significativamente o número de homicídios.

A SITUAÇÃO DA VIOLÊNCIA NO CEARÁ

No Atlas da Violência de 2019, que compilou dados de 2017, Fortaleza despontou como a capital mais violenta do país, e o estado do Ceará alcançou a terceira maior taxa de homicídios do Brasil, 48% superior à do ano anterior.
Naquele momento, o aumento da violência se relacionava à crescente atratividade do Ceará como via de exportação de drogas, em função de a região de Fortaleza ter ganhado 1 novo porto e se tornado 1 hub para companhias aéreas que fazem trajetos para a Europa.
Essa facilidade de conexão com países europeus chamou a atenção de facções criminosas. O Primeiro Comando da Capital (PCC), originado em São Paulo e já presente no estado, passou a investir no tráfico de drogas no atacado e entrou em confronto com facções cearenses aliadas ao Comando Vermelho, do Rio de Janeiro, afirmou à DW Brasil o pesquisador Bruno Paes Manso, do Núcleo de Estudos da Violência da USP e autor do livro A guerra: a ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil.
Em 2016, surgiu no Ceará uma nova facção, a Guardiões do Estado, próxima do PCC e formada por integrantes mais jovens e muito violentos, que entrou em conflito com o Comando Vermelho, com chacinas de pessoas inocentes e vinganças seguidas entre os dois grupos. Esse confronto, segundo Paes Manso, elevou o número de homicídios no estado e atingiu seu ápice em 2018.
Em 2019, no início do governo Camilo Santana, o novo secretário de Administração Penitenciária decidiu mudar as regras de disciplina em presídios e de separação das facções, o que promoveu uma série de revoltas entre os presos e deflagrou a onda de violência.
“Houve mais de 300 ataques na capital e na região metropolitana, quase terroristas, com bombas em viadutos, incêndios em ônibus. As pessoas ficaram em pânico”, lembra Paes Manso.
Durante essa reação, os grupos rivais se uniram para atacar as forças do estado, e dali nasceu uma trégua entre as facções que acabou levando a uma “redução sem precedentes” do número de homicídios. Em 2019, o Ceará foi o estado que registrou a maior queda no número de assassinatos no país, de cerca de 50%. Agora, “o [governador] Camilo ainda estava festejando essa queda, e veio a crise dos policiais”, relata Paes Manso.

AS CIRCUNSTÂNCIAS DO LEVANTE DA POLÍCIA

O motim dos policiais militares cearenses tem como motivo declarado a pressão por maiores salários, mas também inclui 1 componente da disputa política local, afirma Rafael Alcadipani, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
“O líder dos policiais amotinados, Cabo Sabino, faz oposição ao governador do Ceará. Há uma questão política para tentar desestabilizar o governo, que estava indo bem na redução dos índices criminais”, diz.
Para Alcadipani, o fato de Bolsonaro ser o atual presidente da República também ajuda a criar 1 “clima positivo” para os policiais amotinados. “Bolsonaro e seu grupo têm historicamente apoiado policiais amotinados pelo país, propondo anistias. Ele tende a ter mão leve nessas situações. O próprio Bolsonaro foi1 amotinado, e por isso foi expulso do Exército”, afirma.
O professor da FGV acrescenta uma questão de fundo que ajuda a fomentar a insatisfação dos policiais: a baixa remuneração e a falta de estrutura de polícias de todo o país, incluídas as do Nordeste. Mas ele diz que isso não pode justificar atos como os do Ceará.
“É importante, primeiro, ter uma polícia bem estruturada, para que não haja motivos para greve. Agora, na medida em que isso acontece, é preciso agir com mão dura. Isso não pode acontecer, é muito grave uma polícia se amotinar contra a população”, afirma. Para Alcadipani, os policiais encapuzados filmados ordenando o fechamento do comércio em Sobral agiram como criminosos e deveriam ser presos e expulsos da corporação.
Paes Manso concorda que é necessária uma reação exemplar contra os policiais amotinados. “Eles devem ser punidos e demitidos, não se pode aceitar esse tipo de chantagem criminosa”, afirma, lembrando que há cerca de 500 mil policiais armados no país. “E se eles quiserem mandar no país, como vai ser? Se os governadores perderem o controle, teremos uma situação difícil.”
O pesquisador da USP também cita o reajuste de até 47% concedido aos policiais pelo governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), apesar de o estado estar em crise fiscal, como estímulo ao motim no Ceará.
“Ele assumiu prometendo rigor fiscal, mas é 1 novato na política e, pelo jeito, fraquejou diante da pressão da corporação em Minas. Isso promoveu 1 efeito enorme de tensão em várias polícias no Brasil”, avalia Paes Manso, que teme eventuais futuras mobilizações em outros estados.