Alon Feuerwerker, FSB Inteligência - O Planalto tem margem para aumentar o fogo que esquenta a chapa do Supremo, mas precisa fazer a coisa andar no Congresso


 Regra na política: um lado querer exatamente o que acusa o outro de tramar, quando o outro está no poder. O governo Bolsonaro, por exemplo, adoraria achar um caminho para alinhar completamente o Supremo Tribunal Federal ao Executivo. Há iniciativas abertas, como a CPI da #LavaToga, ou a amputação, escondida na reforma da previdência, da chamada Lei da Bengala. E há o sonho de mudar a aritmética do STF ampliando decisivamente o número de ministros.

Era previsível, e foi previsto: o maior risco político de 2019 seria a frustração do Bonaparte, atrapalhado pela profusão de núcleos de poder numa Brasília desorganizada pela fraqueza dos governos Dilma II e Temer. Parece uma aberração histórica, mas só parece: o Bonaparte da hora precisa dar um jeito de o seu “Congresso de Viena” não ficar só no papel, mas para tanto é essencial concentrar a força. E o único jeito é suprimir os focos de resistência. E o STF é a bola da vez.

Os últimos dois bolsões resistentes ao bonapartismo-raiz são o STF e o assim chamado centrão. Mas é difícil enquadrar o segundo se o primeiro continua a ser uma válvula de escape. Então é hora de colocar os tanques para rodar. A dúvida ? Se a empreitada vai acabar como a Batalha de Berlim (1945), na capitulação incondicional do inimigo, ou como a de Moscou (1941-42), com a necessidade de recuo. Ou se, desta vez, a Lava-Jato vai encontrar sua Stalingrado (1943).

O STF precisou bater em retirada da manobra do chega-pra-lá na imprensa. O acordo essencial entre esta e o bolsonarismo vai firme: se não mexerem na liberdade de imprensa, lato sensu, façam o que quiserem. Há lamúrias localizadas, por o combate à dita velha política atrapalhar a reforma da previdência, mas é só. No resto, vale o risco que a faca fez no chão. E o Planalto foi inteligente, não vacilou: aproveitou para declarar seu amor à imprensa livre. E marcou uns pontinhos.

Do episódio todo, a constatação de estarmos um pouco mais avançados que os americanos na partidarização aberta das instituições. Ali não teve como acusar formalmente Donald Trump de conspirar com os russos para se eleger, pois infelizmente os investigadores não acharam nenhum traço de prova. Agora, a oposição democrata agarra o fio desencapado da “obstrução”. Mas nem disso Trump foi acusado após a longa caçada. Como tuitaria ele próprio, SAD!

Se fosse aqui… Por isso, os ministros-alvo no STF preferem não ficar esperando sentados, na ilusão de que “as instituições estão funcionando”. Eles mesmos convivem há anos com o sepultamento do in dubio pro reo e do falecido art. 5º, LVII da Constituição, o que só define a culpa após o trânsito em julgado. Entre outras flexibilidades jurídicas. Mas, se o sistema de freios e contrapesos está desligado, uma hora a conta vai chegar. E chegou. Agora é correr atrás do prejuízo.

Como vai acabar ? E quando ? É improvável que o conflito aberto entre poderes esteja perto de terminar, talvez estejamos mais perto do fim do começo que do começo do fim. Mas o Planalto pode suportar bem uma loga queda de braço com o outro extremo da Praça dos Três Poderes, se a terceira ponta do triângulo entregar a mercadoria. Nesse jogo de três, ganha quem junta dois.

O Planalto pode aumentar o fogo que esquenta a chapa do Supremo mas precisa ao mesmo tempo fazer a coisa andar no Congresso. Se não, virá automaticamente o incremento do nervosismo no mercado financeiro, que hoje em dia é o parâmetro decisivo para as ações governamentais. Vide as idas e vindas do aumento do diesel. Bonapartes não podem dar a impressão de estarem manietados.

Enquanto olavistas, militares, lavajatistas, liberais, garantistas, neo-iluministas e outros bichos se engalfinham na disputa pelo poder, a oposição, inteligentemente, assiste de fora e cuida de seus próprios assuntos. Não tem problema dar uns pitacos, mas o mais arriscado seria se meter nessa briga de facções. 

Artigo, Ely José de Mattos - Pelo aumento do IPTU em Porto Alegre


- O autor é professor da Escola de Negócios da PUC do RS

A prefeitura de Porto Alegre tentará, novamente, a aprovação do projeto que reajusta o IPTU da cidade. Trata-se, basicamente, da atualização da planta de valores dos imóveis, que está defasada em 30 anos, e do reescalonamento de alíquotas. Esta planta indica os valores venais dos imóveis, sobre os quais incide a alíquota para determinação do valor do IPTU. De acordo com o texto do projeto, a média do valor registrado na planta, hoje, fica em torno de 31% do valor de mercado.

Apenas 17% dos contribuintes que não pagaram o IPTU aderiram ao parcelamento da guia
Isso aponta uma grosseira distorção no imposto, que gera dois efeitos. O primeiro é a injustiça tributária, uma vez que o critério de que quem tem mais deve contribuir com mais não é observado. O segundo é a queda da arrecadação – em 1997, o IPTU representava 0,79% do PIB, em 2015 esse número era 0,55%.

Com o projeto, a prefeitura afirma que 59% dos imóveis terão reajustes no IPTU, 19% redução e 22% isenção. Mas a questão não é essa. O ponto é que temos uma distorção que não se justifica, e que o projeto corrige com razoabilidade. É evidente que a prefeitura quer (e precisa) aumentar sua arrecadação. E por meio deste projeto consegue fazer isso com justiça tributária. Complicado seria se a proposta fosse para aumentar o imposto sobre serviços (ISSQN), que onera mais quem ganha menos!

No entanto, alguns agentes políticos se posicionam contra o projeto sugerindo que os aumentos serão exagerados – ainda que as simulações mostrem que, em termos absolutos, isso não procede. Os vereadores Filipe Camozzato e Ricardo Gomes chegaram a propor uma emenda, que foi rejeitada, sugerindo um fator de teto para o imposto cobrado de cada um, para que a arrecadação total de IPTU não aumente de um ano para o outro. Ou seja, um neutralizador, em termos de tributação, dos efeitos absolutos da valorização do patrimônio imobiliário. Dito de outra forma: seu patrimônio cresce, o imposto poderia se manter o mesmo – ou até cair!

Ainda que o fator esteja superado, o argumento persiste. É um posicionamento contra o aumento de impostos de quem mais pode pagar na cidade de Porto Alegre, ainda que se saiba que existe uma defasagem injustificável no sistema de cobrança. Além, claro, de ignorar que essa proteção aos mais ricos tem consequências sobre os mais pobres, que não terão o IPTU reduzido e não aproveitarão os recursos extras que a prefeitura poderia destinar, por exemplo, as questões urbanísticas. São escolhas!

Artigo, Hamilton Carvalho, Poder360 - Como pescar corruptos, escreve Hamilton Carvalho


Certo dia, em uma vila que era cortada por um rio, uma mulher notou um homem se afogando. O rio era por vezes caudaloso e, por isso, os moradores sabiam que não era uma boa ideia nadar por ali. A mulher era boa nadadora e, com a ajuda de seus vizinhos, conseguiu retirar o homem do rio.

Mal tinham feito o salvamento, apareceu outra pessoa se afogando. E mais outra. E mais outra. Depois de um tempo, dezenas de pessoas, muitas já inertes, eram carregadas pela correnteza. A vila toda, a essa hora já em pânico, foi mobilizada, mas a mulher percebeu rapidamente que as possibilidades de salvamento de tanta gente eram remotas.

Intrigada com o problema, ela subiu em seu cavalo e tomou um atalho até o ponto mais próximo da nascente do rio. Chocada, descobriu a causa do problema. Naquele trecho do rio, de águas calmas, havia um píer com um letreiro em neon bem convidativo. Nele, lia-se: “Venha nadar conosco. É seguro e gostoso”.

Essa parábola foi por muito tempo usada para ilustrar como nossas sociedades lidavam mal com o problema do cigarro.

Enquanto gastávamos (e ainda gastamos) uma fortuna para tratar cânceres e outros problemas causados pelo tabaco, a indústria deitava e rolava com propagandas atrativas, festivais de música e outras iniciativas que convidavam seu público-alvo, os mais jovens, a dar um pulo refrescante no rio onde nadavam os adultos de sucesso.

A parábola, porém, serve para ilustrar erros comuns no enfrentamento de virtualmente qualquer problema social complexo, como corrupção e violência. Tipicamente olhamos lá para a parte de baixo do rio, isto é, tentamos lidar com os sintomas e consequências. Raramente são enfrentadas as causas efetivas, na parte de cima.

Vamos usar essa imagem como ponto de partida para entender por que o pacote do ministro Sérgio Moro contra a corrupção é tímido. O pacote basicamente aumenta a possibilidade de pescar mais corruptos da água. Além disso, coloca uma pequena barreira na parte de cima do rio, ao tornar crime a ocorrência de Caixa 2. Vai dificultar um pouco, mas os mergulhos continuarão acontecendo.

De fato, as evidências mostram que a moqueca da corrupção (e de desvios éticos em geral), nos mais diversos contextos, é composta por ingredientes como concentração de poder, diluição de responsabilidades, pressão de negócios, incentivos distorcidos, baixa transparência e facilidade de racionalização.

SOCIEDADES SECRETAS
Essa moqueca costuma ser cozida nos ecossistemas sociais em que ocorre a interface do Estado com a sociedade civil, como o tributário, o regulatório, o político e o policial. Nesses ecossistemas, nichos rentáveis criam não apenas redes duradouras de gente que mama no status quo, mas também culturas de corrupção que se replicam e normalizam o anormal.

Como é comum em problemas sociais complexos, essas redes passam a ser a maior barreira para redesenhar o sistema. Os ganhos expressivos fazem com que se fortaleçam ao longo do tempo e ponham em prática uma das principais dinâmicas do poder –a cooptação.

Em um excelente estudo publicado no ano passado, pesquisadores brasileiros mapearam as redes envolvidas com os grandes escândalos de corrupção no Brasil desde a década de 80. Essas redes não só são estáveis e fortemente interligadas, como vêm se expandindo. Assim como acontece com redes terroristas, nas redes de corrupção há personagens que centralizam as principais conexões, garantindo o vigor dos esquemas.

O que esse estudo não mostra, obviamente, são as redes que não são descobertas, aquilo que alguns autores chamam de sociedades secretas. Presentes em vários andares do edifício social, sociedades secretas precisam conciliar objetivos contraditórios, como coordenar seus membros para obter ganhos máximos, manter o sigilo de suas operações e obter legitimidade. Milícias cariocas e fiscais corruptos, por exemplo, costumam se imiscuir em redes políticas para gerenciar esse desafio.

Sociedades secretas e redes de corrupção são produzidas por sistemas estruturados lá na parte de cima do rio da nossa parábola.

Ali não é difícil enxergar uma confluência perversa de ecossistemas: o político, que torna as eleições caras e concentra poder na mão de caciques partidários; o tributário, que cria obrigações impossíveis de cumprir, ao mesmo tempo em que gera canais de exceção; o da gestão pública, que é focado em burocracia estéril, mas não em resultados. Entre outros.

Fortalecer a punição ajuda a pescar mais peixes graúdos, mas é improvável que altere fundamentalmente o quadro da corrupção no país. O buraco é mais em cima.