Artigo, Dênis Rosenfield, Zero Hora - Instituições e crimes

A Lava-Jato constitui um enorme ganho da democracia brasileira. Graças a ela, foi desvendando todo um processo de corrupção da política que tinha tomado de assalto o Estado brasileiro. Boa parte destes integrantes encontra-se na cadeia, outros sendo julgados e condenados. A limpeza institucional é de monta.
O PT, em seus respectivos governos, capitaneou toda uma articulação entre empreiteiras inescrupulosas, dirigentes corruptos e líderes partidários que fizeram da coisa pública uma coisa privada.
O partido dito dos trabalhadores, que, na verdade, era de seus dirigentes, debate-se, agora, com a sua sobrevivência como uma nau sem rumo. Seu líder máximo tudo faz, em uma encenação de quinta categoria, para escapar da prisão.
Ocorre que este esquema contou com a colaboração de outros partidos. Alguns já foram atingidos e outros o serão em um futuro próximo. O argumento petista de que o partido seria o único alvo voará pelos ares em pouco tempo. O caráter republicano da Lava-Jato ficará ainda mais nítido.
Contudo, a natureza dos crimes atingindo as instituições adquire, aqui, um novo contorno, pois a classe política, em seu conjunto, sofrerá um forte abalo. Imaginem o cenário, provável, com a Lava-Jato alcançando o PMDB e o PSDB.
De um lado, as instituições, sobretudo o Judiciário e o Ministério Público, vêm se fortalecendo pelas investigações e condenações em curso. O prestígio do juiz Moro é um exemplo disto. A segunda instância, o TRF-4 (Tribunal Regional Federal), em comportamento igualmente exemplar, tem confirmado suas decisões.
De outro lado, a classe política está sendo atingida em cheio, envolvendo tanto o Poder Executivo quanto o Legislativo. Um problema de governabilidade será certamente colocado.
Acontece que todos estão sendo engolfados em um mesmo processo, como se a política, em si, fosse criminosa. Há um amálgama, por exemplo, entre contribuições empresariais e crime. Ora, contribuições empresariais eram lícitas, sendo uma prática corrente até poucos meses atrás. Não se pode criminalizar retroativamente tal atividade.
Ademais, outro problema reside no crime do caixa 2, de tipo eleitoral, que, por sua vez, é também diferente dos crimes da corrupção, havendo graus que devem ser igualmente distinguidos. Roubo é crime; assassinato também. No entanto, são crimes diferentes.
Tais distinções são necessárias sob pena de que se venha a criminalizar toda a classe política. 

Nestor Cerveró volta a delatar Lula e Dilma

Em depoimento prestado à Justiça Federal nesta terça-feira, o ex-diretor Internacional da Petrobras Nestor Cerveró reiterou acusações contra os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Ele declarou ter sido
indicado por Lula para diretor financeiro da BR Distribuidora, em 2008, como retribuição por ter ajudado a quitar uma dívida do PT com recursos de um contrato da estatal. Além disso, implicou Dilma numa suposta trama para livrá-lo da prisão.
A oitiva, por videoconferência, foi feita pela 10ª Vara, em Brasília, para instruir ação penal que avalia a suposta atuação de Lula e outros réus num esquema para evitar que Cerveró fizesse acordo de delação premiada. Lula não está entre os réus.
O ex-diretor contou que, em março de 2008, foi destituído do cargo de diretor Internacional da Petrobras. A demissão, segundo ele, se deu por pressão da bancada do PMDB na Câmara, que pretendia dar a cadeira a Jorge Zelada. Lula teria cedido ao pedido para que os parlamentares votassem contra o governo na sessão que decidiria sobre a CPMF.
Cerveró foi comunicado da decisão na reunião do Conselho de Administração da Petrobras, na manhã do dia 3 daquele mês. Ele chegou a arrumar suas coisas e a se despedir de sua equipe, quando o ex-presidente da BR, José Eduardo Dutra, atualmente já morto, o comunicou da indicação para a distribuidora.
"Já tinha sido tomada a decisão do presidente Lula de me indicar diretor financeiro da BR. A informação que me foi dada é de que isso seria um reconhecimento do trabalho que eu teria feito da liquidação da dívida do PT em 2006", declarou Cerveró.
Empréstimo
O ex-diretor atuou na contratação do Grupo Schahin para operar, por US$ 1,6 bilhão, o navio Vitória 10.000 na Bacia de Santos. Conforme a Lava Jato, o contrato, de 2009, foi firmado para que o Banco Schahin perdoasse dívida de R$ 12 milhões feita pelo pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula, com o partido.
Cerveró ponderou, contudo, que não soube por Lula que a indicação partiu do ex-presidente e se deu por "gratidão". "Na época, me foi dito pelo pessoal do Banco Schahin. Foi o que levou o presidente Lula a me indicar quando eu fui destituído da Diretoria Internacional."
Dilma
Cerveró falou por cerca de uma hora e meia. Durante o depoimento, reiterou os principais pontos de sua colaboração premiada. Explicou que, quando estava preso, seu advogado, Edison Ribeiro, levou a ele um recado do então senador e líder de governo, Delcídio Amaral (ex-PT), hoje cassado e sem partido, de que a então presidente Dilma Rousseff tratara de sua situação.
"Uma das informações que me foi dita pelo Edson é que o Delcídio, nesse período, teria mandado um recado dizendo que a presidente Dilma estava preocupada com os meninos e que precisava soltar os meninos. Os meninos, no caso, eram meu colega Renato Duque(ex-diretor de Serviços) e eu", contou Cerveró.
Preso no fim de 2015, depois desse suposto episódio, Delcídio fez acordo de delação e informou que o Planalto atuaria para que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) liberasse Cerveró. "Estava acertado que o meu HC (habeas corpus) sairia, mas que isso nãoseria suficiente. Depois haveria uma nova ordem de prisão e que eu precisava sair do País", acrescentou Cerveró no depoimento desta terça.
Gravação
Tanto Ribeiro quanto Delcídio também são réus da ação em curso na 10ª Vara. Durante a audiência, o ex-diretor confirmou que os dois se articularam para tentar evitar sua colaboração. O filho de Cerveró, Bernardo Cerveró, gravou reunião na qual ambospropuseram fazer pagamentos e ajudar na fuga do executivo para a Espanha. O áudio foi decisivo para que o então parlamentar petista e o criminalista fossem presos.
Cerveró reiterou que, em diversas ocasiões, seu advogado o desaconselhou a delatar o esquema de corrupção na Petrobras, supostamente por influência de Delcídio. Seria uma tentativa de evitar que o ex-diretor implicasse o senador no recebimento depropinas pela compra e pela modernização de Refinaria de Pasadena, no Texas (EUA), e pela aquisição de turbinas para usinas termelétricas.
Depois desses fatos, em sua delação, o ex-senador confessou o recebimento de suborno. Além disso, acusou o ex-presidente Lula de comandar a operação para "comprar o silêncio" de Cerveró.
"O doutor Edison, repetidas vezes, pediu que não implicasse Delcídio. Não sei se ele vislumbrou a oportunidade de negociações maiores. Ele dizia que (o senador) era a minha tábua de salvação. Era o contato mais forte que eu tinha junto ao governo",afirmou.
Cerveró disse que Bernardo chegou a receber R$ 50 mil de Delcício, via Ribeiro, mas pediu que o advogado ficasse com o dinheiro para cobrir despesas com a defesa.
Defesa
O advogado de Lula, José Roberto Teixeira, disse que nenhum dos depoimentos desta terça-feira, entre eles o de Cerveró, citou o ex-presidente de "forma direta". Acrescentou que, conforme o depoimento, o então diretor Internacional foi "sumariamente" demitido na gestão Lula. A nomeação para a BR Distribuidora, segundo ele, foi um ato do Conselho de Administração.
Cristiano Zanin, que também atua na defesa de Lula, comentou que nenhum dos depoimentos confirmou a tentativa de Lula de evitar a delação de Cerveró. Sobre o episódio da indicação para a BR, disse que o ex-diretor contou o caso por "ouvir dizer".

"Ele diz que alguém teria dito isso a ele. Ele diz que foi o Sandro Tordin, que era da Schahin e com quem tinha relacionamento. Ele diz que não veio nenhuma confirmação oficial do Lula sobre isso. Entre ser e ouvir dizer de alguém tão distante doex-presidente Lula, como é o Tordin, mostra como não tem qualquer sentido essa afirmação", afirmou Martins.

Artigo, Tito Guarniere - O parâmetro é a lei

TITO GUARNIERE
O PARÂMETRO É A LEI
Na política, é espantoso como as facções em litígio, cegas de paixão,  acusam os adversários de práticas que elas mesmas cometem. Não estou falando de governantes que, na oposição, censuram duramente o  governo, mas quando assumem o poder fazem a mesma coisa, senão pior. Isso é velho e comum: não há nada mais parecido com o governo, do que a oposição quando chega no governo. E vice-versa.
Vejam essa declaração de Raimundo Bonfim, coordenador da Central dos Movimentos Populares-CMP, a respeito do Movimento Brasil Livre, que andou tentando, de uma forma meio tosca, desocupar escolas no Paraná: “O Movimento Brasil Livre - MBL agora atua como um  grupo paramilitar”.
Não se trata de uma opinião inocente, superficial. Que eu saiba, o MBL usa quando muito um microfone, uma câmera e as redes sociais. A sua ação é basicamente política, isto é, o MBL dá razões, contesta, argumenta, tenta persuadir. É verdade, porém, que depois do impeachment, suas abordagens têm resvalado para a ameaça e a truculência. O MBL, nessa batida, vai se tornar um MST da direita. Dentre outras razões, é por isso que não aprecio o movimento. Mas vamos com calma: está distante, muito distante de ser um grupo paramilitar.
Esse não é, entretanto, o equívoco principal de Bonfim. O MBL vira um “grupo paramilitar” porque age em favor da desocupação de escolas no Paraná. Mas ocupar a escola, paralisar as aulas, só deixar ingressar no prédio quem “o coletivo” autorizar, não estará mais próximo de um ato militar ou paramilitar do que agir na retomada do prédio para a sua única, verdadeira e nobre finalidade, que é o ensino e a aprendizagem?
Ambas as ações são ilegais. O MBL pode ser contra a invasão das escolas, mas deve ater-se ao combate político, isto é, entrar no debate, dar razões e argumentos, mostrar a contradição. Quando, entra no jogo como um protagonista e se concede poder de polícia, avança o sinal e perde a razão.
O que fazem as forças que patrocinam e promovem as invasões, partidos políticos de esquerda e seus braços estudantis, como a UNE e a UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundários), quando se valem da violência implícita na invasão e ocupação, senão pretender a justiça com as próprias mãos? Agora, também o MBL, para não ficar atrás, imita o erro, cai em contradição e tenta fazer a mesma coisa - justiça com as próprias mãos.
A norma a seguir, o parâmetro justo, legítimo e incensurável, na democracia, é a lei. Não pode invadir escola. Ponto. Não pode alguém, que não tenha autoridade para tanto, querer desalojar os invasores. Ponto. O resto é caminho aberto para o caos e a barbárie.
A propósito, uma pesquisa do Ibope, encomendada pelo Ministério da Educação, mostrou que 70% dos entrevistados é favorável à reforma do ensino médio do governo Temer. É só uma pesquisa, mas é o que temos de melhor para medir a vontade da população. O resultado é mais do que previsível. O povo, que às vezes se engana nas suas escolhas, mas em geral não é tolo, tem clareza que falta a tantos “intelectuais”: qualquer reforma deve ser melhor do que isto que aí está.
titoguarniere@terra.com.br