Artigo, Tito Guarniere - Politicamente correto


Artigo, Tito Guarniere - Politicamente correto

Uma das pragas do nosso tempo é o politicamente correto. Os adeptos da seita, que estão em todos os lugares, principalmente na mídia e na academia, são chatos, mal-humorados, resolutamente convictos de conceitos discutíveis, e agressivos, muito agressivos. Veem o mundo através de uma ótica estreita, fragmentada e cinzenta. A virulência com que reagem diante de situações concretas, ao invés de servir aos seus propósitos, servem à causa inversa, agudizando males que dizem combater.

Em nome da luta contra a intolerância, se tornam eles mesmos fanatizados e intolerantes, afastando de vez amplos contingentes que - de outra maneira - poderiam permanecer indiferentes, senão encarar com simpatia a causa. As turbas politicamente corretas não se destacam pela inteligência na formulação de suas teorias, nem se apresentam minimamente hábeis para expandir suas crenças e valores.

Assim, uma frase en passant, sem maiores consequências, de um político ou celebridade - os politicamente corretos não se ocupam de pessoas comuns - é tomada ao pé da letra, fora do contexto, no seu sentido mais gravoso, no entendimento que mais se adapte aos cânones da seita. Está criado um incidente, um caso.

Ações e palavras que não teriam nenhum repercussão, se transformam em ataques vis de racismo, machismo e homofobia - entre outros - dando a impressão que o mundo está tomado por estes novos vilões da humanidade.

Mas a seita tem lá seus queridinhos. Lula da Silva, em momento de certa dificuldade, perguntou: "Onde estão as mulheres de grelo duro do partido?". (Perdão leitores!). Em outra ocasião, comentou com um companheiro de partido de Pelotas: "Pelotas é uma cidade exportadora de veados". (Perdão, de novo!). Fico a imaginar sobre a reação diante de tais palavras, se fossem ditas por Bolsonaro. Como foi Lula, não mereceram nenhum reparo, e não faltaram vozes que até o justificaram.

Não se trata - os politicamente corretos - de uma crença, de uma concepção de vida e mundo, que pretenda convencer os demais do acerto dos seus valores. O que eles não suportam, não admitem, é que os outros não tenham o mesmo engajamento, o mesmo grau de compromisso que eles, com as respectivas causas.

Dá para notar um certo prazer sádico quando alguém erra na medida e dá um passo em falso - ou que eles entendem como um passo em falso. O melhor exemplo foi o recente caso de William Waack. Eles vêm com tudo, caem de pau. É a glória!
Não deve ser feliz a vida de um politicamente correto. No seu mundo pequeno, cada pessoa, daquelas que não combinam com eles, que têm uma divergência de estilo ou de fundo, mesmo sem maior relevância, é um dissidente, um inimigo da causa. Trata-se de um mundo em que o ímpio tem destinação certa, que é o inferno. Porém é um mundo opaco, onde não há alegria, não há o paraíso, nem mesmo para eles, que se julgam tão próximos da perfeição. E como poderia haver, se eles estão em permanente alerta para flagrar, botar a boca no mundo, e denunciar o racista nojento, o machista grosseiro, o homófobo infame?
titoguarniere@terra.com.br



Artigo, J.R.Guzzo, Veja - Piores momentos


A prisão de Lula acabou sendo um episódio de pequenez

Tudo em que Lula encosta a mão, já há muito tempo, fica estragado na hora. Neste seu momento de desgraça, quando não podia mais evitar a prisão e sua única saída era tentar manter a cabeça erguida, fez o contrário – baixou a cabeça e acabou entrando na cadeia como um homem pequeno. Teve a oportunidade plena de fazer alguma coisa mais decente. Foi ajudado pela gentileza extrema da Polícia Federal e demais autoridades encarregadas de cumprir a ordem judicial, que lhe deram todo o tempo do mundo para preparar uma apresentação às autoridades que tivesse um pouco mais de compostura. Foi tratado com uma paciência que não está à disposição de nenhum outro brasileiro. Teve o privilégio de uma “negociação” sem pé nem cabeça para se entregar, como se o cumprimento da ordem dependesse da sua concordância. Mas acabou, apenas, estragando tudo. Conseguiu tornar a sua biografia, que já está para lá de ruim, ainda pior – este capítulo da sua ida para o xadrez, condenado a doze anos por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, concorre, certamente, para ser um dos piores da sua triste passagem pela política brasileira.

O PT, a esquerda em geral e o próprio Lula imaginavam, talvez, uma despedida com mais cara de cinema, ou pelo menos de novela de televisão. O problema, como sempre acontece, é que esses planos bonitos exigem coragem para ser colocados em prática. E onde encontrar coragem, na hora de enfrentar a dureza? Nada de Salvador Allende e de sua heroica resistência até a morte, no Palácio de La Moneda em Santiago do Chile, onde enfrentou à bala a tropa do exército chileno que veio prendê-lo. Allende? Imaginem. O que o brasileiro viu pela televisão, durante as vinte e tantas horas de tumulto que se seguiram ao prazo concedido para o ex-presidente se apresentar à prisão, foi um homem confuso, vacilante, amedrontado, tentando pequenas espertezas – nada que lembrasse um líder em modo de “resistência”. Uma hora parecia querer uma coisa. Dali dez minutos estava querendo o contrário. Sua “trincheira” durante as horas que antecederam a prisão, o prédio do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, não era uma trincheira de verdade. Entravam engradados de cerveja, sacos de carvão e carne para churrasco. E que trincheira é esta, que só resiste porque a tropa do outro lado não aparece? Lula, mais uma vez, ficou fingindo que queria briga – mas amarelou, como sempre, na hora em que teria mesmo de ir para o pau.

O único gesto do ex-presidente e o seu entorno foi aproveitar a moleza da polícia encarregada de prendê-lo para dar a impressão de que ele se “recusava” a ser preso. Não se recusava coisa nenhuma – só ficou entocado dentro do prédio porque a Polícia Federal não foi buscá-lo. Que valentia existe nisso? O que houve de verdade, na vida real, foi o arrasta-pé de um político assustado, sem ação e obcecado com a própria pele, escondendo-se atrás da moita para ver se a confusão passa e ele pode sair ao céu aberto. As últimas horas que Lula passou em seu esconderijo, antes de tomar o avião que enfim o levou já preso para Curitiba, deixaram claro, também, que nem ele e nem toda a estrutura do seu partido tinham a menor noção do que estavam fazendo. Não tinham um plano, A, B ou C. Não tinham uma única ideia a respeito do que fazer. Não tinham nada. Até a última hora, na verdade, não imaginavam que fosse expedida, realmente, uma ordem de prisão contra ele; não conseguiam acreditar, simplesmente, no que estava acontecendo. Lula e o PT contavam, isto sim, com os escritórios de advocacia milionários que iriam salvá-lo no STF. Contavam com um Marco Aurélio, Lewandovski ou Gilmar Mendes para dar um golpe de última hora no tapetão. Contavam com qualquer coisa – menos a ordem de prisão que acabou por levá-lo ao xadrez da Laja Jato. Na hora que a realidade teve de ser encarada, entraram em parafuso.

O final desta comédia foi uma tristeza. Durante um dia inteiro, e a maior parte do dia seguinte, um bolinho de gente ficou em volta do sindicato — era o apoio popular que foi possível juntar. Às vezes, nas imagens aéreas da televisão, parecia uma concentração mais encorpada. Mas assim que o helicóptero se afastava um pouco ficava claro que a mobilização do povo brasileiro para defender Lula era só aquele bolinho mesmo – em Mauá, por exemplo, a quinze minutos dali, não havia um único manifestante à vista. Nem em Santo André, ou São Caetano, ou no resto do Brasil. A população estava trabalhando. No carro de som, falando para si próprios, sucediam-se dinossauros velhos e novos, de Luisa Erundina a Manoela D’Ávila, gritando coisas desconexas. Ninguém, ali, tinha qualquer relação com o mundo do trabalho. Nem na plateia, formada por sindicalistas, desocupados ou professores que faltaram ao serviço, com a coragem de quem não pode ser demitido do emprego. Dentro do prédio Lula limitou-se a não resolver nada, cercado por um cardume de puxa-sacos e mediocridades. Não havia, na hora máxima, ninguém de valor, mérito ou boa reputação em torno dele – só os serviçais de sempre, gente que sabe gritar, sacudir bandeira vermelha e atrapalhar o trânsito, mas não é capaz de ter uma única ideia ou fazer uma sugestão que preste. Como o nosso grande líder de massas pode acabar cercado, numa hora dessas, por figuras como Gleisi Hoffman e Eduardo Suplicy? Muita coisa, positivamente, deu muito errado.

O heroísmo da “resistência” de Lula acabou limitado à agressão de um infeliz que despertou a ira dos “militantes” e foi surrado até acabar no hospital com traumatismo craniano. Ou à depredação no prédio da ministra Carmen Lucia em Belo Horizonte, mais pichações aqui e ali. Quanto ao próprio Lula, o que deu para verificar é que a soma total de suas ações no momento de ir para a cadeia resumiu-se a empurrar as coisas com a barriga até a hora de entregar os pontos — depois de fingir que “não estava conseguindo” se render por causa de um tumulto barato encenado pela turma que cercava o sindicato. Esperou escurecer para não ser preso à noite, no dia seguinte inventou uma espécie de missa, um discurso que não acabava mais, um almoço “com parentes” e, por fim, armou a farsa do tal bloqueio dos portões de saída por parte dos seus “apoiadores”, o que o “impediria” de se entregar. Chegou ao limite extremo da irresponsabilidade, mais uma vez – e só quando não deu para continuar fazendo a polícia de idiota, como fez durante dois dias seguidos, embarcou no camburão da PF, e depois, no avião rumo à Curitiba. No tal discurso, com frases mal copiadas de Martin Luther King, chegou a dizer que é a favor – isso mesmo, a favor – da Lava Jato, depois de passar os últimos dois anos fazendo os ataques mais enfurecidos contra a operação anticorrupção. Agora, na hora de ir para a cadeia, diz que é contra a roubalheira, e que só está preso por causa “da imprensa” – o que, além de falso, é mais uma demonstração de que está cuspindo no prato no qual tem comido há anos. Afirmou, enfim, que estava indo para a “prisão deles”. Mentira. Não é prisão deles. É do Brasil inteiro e do sistema legal que ainda existe por aqui.

A história está cheia de políticos que crescem com a própria prisão. Não foi o caso de Lula


André Luís Callegari: desrespeito à Justiça


André Luís Callegari: desrespeito à Justiça

Ninguém escolhe hora, lugar e como vai se entregar para cumprir a pena a que foi condenado, afirma advogado criminalista e professor de Direito Penal no IDP/Brasília

O bom exemplo deveria vir de uma pessoa que ocupou o mais alto cargo da nação, porém, lamentavelmente,  o que se viu foi o estímulo ao desrespeito a um dos poderes da República.

Após várias tentativas frustradas de elidir o início da execução da pena a que foi condenado, o ex-presidente Lula debochou da Justiça, como se estivesse acima do bem e do mal. Ultrapassado o prazo para se entregar, não o fez. Se fosse qualquer cidadão, teria a sua casa invadida e seria preso imediatamente. Não encontrei na lei onde há a prerrogativa de um ex-presidente escolher hora e local para se entregar, ainda mais quando ultrapassado o que lhe havia sido determinado.

Mas a festa e o deboche foram mais longe. O ex-mandatário, ainda com a síndrome do poder, disse que só se entregaria após a missa, o espetáculo, os discursos e o almoço com a família. Que maravilha! E o país assiste inerte a esse espetáculo.

Num país em que já se viu de tudo, faltava essa cena para manchar mais ainda a credibilidade das instituições.
Lula ignorou o juiz Sergio Moro, o TRF4, o STJ e o STF, ou seja, todas as instâncias do Judiciário literalmente foram desrespeitadas, porque em todas elas ele perdeu, mas nunca se curvou a nenhuma delas. Se não estamos satisfeitos com as decisões, recorremos, mas não desobedecemos. Faltou essa lição ao ex-presidente que agora se intitula mártir da justiça.

Este artigo não é contra o PT ou o ex-presidente, mas é uma defesa de que o Direito e a lei valem para todos. Entristece-me saber que esse fato mancha a história da Justiça, pois não tenho conhecimento de alguém que desafiou o Judiciário dessa maneira. Ninguém escolhe hora, lugar e como vai se entregar para cumprir a pena a que foi condenado. Mas, num país em que já se viu de tudo, faltava essa cena para manchar mais ainda a credibilidade das instituições.

Por fim, e voltando ao começo, foi justamente daquele de quem se esperava o exemplo que ele não veio. O que vimos foi a pregação da desobediência e dos discursos populistas, quiçá seja essa mensagem que devamos passar a nossos filhos: quando há uma ordem com que não concordamos, o correto é desobedecer mesmo. Bela lição de educação e civilidade nos deu o ex-presidente. O país é suficientemente maduro para saber se é esse o modelo a ser seguido. A lição foi certa ou errada? O caminho está dado.