A prisão de Lula acabou sendo um episódio de pequenez
Tudo em que Lula encosta a mão, já há muito tempo, fica
estragado na hora. Neste seu momento de desgraça, quando não podia mais evitar
a prisão e sua única saída era tentar manter a cabeça erguida, fez o contrário
– baixou a cabeça e acabou entrando na cadeia como um homem pequeno. Teve a
oportunidade plena de fazer alguma coisa mais decente. Foi ajudado pela
gentileza extrema da Polícia Federal e demais autoridades encarregadas de
cumprir a ordem judicial, que lhe deram todo o tempo do mundo para preparar uma
apresentação às autoridades que tivesse um pouco mais de compostura. Foi
tratado com uma paciência que não está à disposição de nenhum outro brasileiro.
Teve o privilégio de uma “negociação” sem pé nem cabeça para se entregar, como
se o cumprimento da ordem dependesse da sua concordância. Mas acabou, apenas,
estragando tudo. Conseguiu tornar a sua biografia, que já está para lá de ruim,
ainda pior – este capítulo da sua ida para o xadrez, condenado a doze anos por
corrupção passiva e lavagem de dinheiro, concorre, certamente, para ser um dos
piores da sua triste passagem pela política brasileira.
O PT, a esquerda em geral e o próprio Lula imaginavam,
talvez, uma despedida com mais cara de cinema, ou pelo menos de novela de
televisão. O problema, como sempre acontece, é que esses planos bonitos exigem
coragem para ser colocados em prática. E onde encontrar coragem, na hora de
enfrentar a dureza? Nada de Salvador Allende e de sua heroica resistência até a
morte, no Palácio de La Moneda em Santiago do Chile, onde enfrentou à bala a
tropa do exército chileno que veio prendê-lo. Allende? Imaginem. O que o
brasileiro viu pela televisão, durante as vinte e tantas horas de tumulto que
se seguiram ao prazo concedido para o ex-presidente se apresentar à prisão, foi
um homem confuso, vacilante, amedrontado, tentando pequenas espertezas – nada
que lembrasse um líder em modo de “resistência”. Uma hora parecia querer uma
coisa. Dali dez minutos estava querendo o contrário. Sua “trincheira” durante
as horas que antecederam a prisão, o prédio do Sindicato dos Metalúrgicos de
São Bernardo, não era uma trincheira de verdade. Entravam engradados de
cerveja, sacos de carvão e carne para churrasco. E que trincheira é esta, que
só resiste porque a tropa do outro lado não aparece? Lula, mais uma vez, ficou
fingindo que queria briga – mas amarelou, como sempre, na hora em que teria
mesmo de ir para o pau.
O único gesto do ex-presidente e o seu entorno foi
aproveitar a moleza da polícia encarregada de prendê-lo para dar a impressão de
que ele se “recusava” a ser preso. Não se recusava coisa nenhuma – só ficou
entocado dentro do prédio porque a Polícia Federal não foi buscá-lo. Que
valentia existe nisso? O que houve de verdade, na vida real, foi o arrasta-pé
de um político assustado, sem ação e obcecado com a própria pele, escondendo-se
atrás da moita para ver se a confusão passa e ele pode sair ao céu aberto. As
últimas horas que Lula passou em seu esconderijo, antes de tomar o avião que
enfim o levou já preso para Curitiba, deixaram claro, também, que nem ele e nem
toda a estrutura do seu partido tinham a menor noção do que estavam fazendo.
Não tinham um plano, A, B ou C. Não tinham uma única ideia a respeito do que
fazer. Não tinham nada. Até a última hora, na verdade, não imaginavam que fosse
expedida, realmente, uma ordem de prisão contra ele; não conseguiam acreditar,
simplesmente, no que estava acontecendo. Lula e o PT contavam, isto sim, com os
escritórios de advocacia milionários que iriam salvá-lo no STF. Contavam com um
Marco Aurélio, Lewandovski ou Gilmar Mendes para dar um golpe de última hora no
tapetão. Contavam com qualquer coisa – menos a ordem de prisão que acabou por
levá-lo ao xadrez da Laja Jato. Na hora que a realidade teve de ser encarada,
entraram em parafuso.
O final desta comédia foi uma tristeza. Durante um dia
inteiro, e a maior parte do dia seguinte, um bolinho de gente ficou em volta do
sindicato — era o apoio popular que foi possível juntar. Às vezes, nas imagens
aéreas da televisão, parecia uma concentração mais encorpada. Mas assim que o
helicóptero se afastava um pouco ficava claro que a mobilização do povo
brasileiro para defender Lula era só aquele bolinho mesmo – em Mauá, por
exemplo, a quinze minutos dali, não havia um único manifestante à vista. Nem em
Santo André, ou São Caetano, ou no resto do Brasil. A população estava
trabalhando. No carro de som, falando para si próprios, sucediam-se dinossauros
velhos e novos, de Luisa Erundina a Manoela D’Ávila, gritando coisas
desconexas. Ninguém, ali, tinha qualquer relação com o mundo do trabalho. Nem
na plateia, formada por sindicalistas, desocupados ou professores que faltaram
ao serviço, com a coragem de quem não pode ser demitido do emprego. Dentro do
prédio Lula limitou-se a não resolver nada, cercado por um cardume de
puxa-sacos e mediocridades. Não havia, na hora máxima, ninguém de valor, mérito
ou boa reputação em torno dele – só os serviçais de sempre, gente que sabe gritar,
sacudir bandeira vermelha e atrapalhar o trânsito, mas não é capaz de ter uma
única ideia ou fazer uma sugestão que preste. Como o nosso grande líder de
massas pode acabar cercado, numa hora dessas, por figuras como Gleisi Hoffman e
Eduardo Suplicy? Muita coisa, positivamente, deu muito errado.
O heroísmo da “resistência” de Lula acabou limitado à
agressão de um infeliz que despertou a ira dos “militantes” e foi surrado até
acabar no hospital com traumatismo craniano. Ou à depredação no prédio da
ministra Carmen Lucia em Belo Horizonte, mais pichações aqui e ali. Quanto ao
próprio Lula, o que deu para verificar é que a soma total de suas ações no
momento de ir para a cadeia resumiu-se a empurrar as coisas com a barriga até a
hora de entregar os pontos — depois de fingir que “não estava conseguindo” se
render por causa de um tumulto barato encenado pela turma que cercava o
sindicato. Esperou escurecer para não ser preso à noite, no dia seguinte
inventou uma espécie de missa, um discurso que não acabava mais, um almoço “com
parentes” e, por fim, armou a farsa do tal bloqueio dos portões de saída por
parte dos seus “apoiadores”, o que o “impediria” de se entregar. Chegou ao
limite extremo da irresponsabilidade, mais uma vez – e só quando não deu para
continuar fazendo a polícia de idiota, como fez durante dois dias seguidos,
embarcou no camburão da PF, e depois, no avião rumo à Curitiba. No tal
discurso, com frases mal copiadas de Martin Luther King, chegou a dizer que é a
favor – isso mesmo, a favor – da Lava Jato, depois de passar os últimos dois
anos fazendo os ataques mais enfurecidos contra a operação anticorrupção.
Agora, na hora de ir para a cadeia, diz que é contra a roubalheira, e que só
está preso por causa “da imprensa” – o que, além de falso, é mais uma
demonstração de que está cuspindo no prato no qual tem comido há anos. Afirmou,
enfim, que estava indo para a “prisão deles”. Mentira. Não é prisão deles. É do
Brasil inteiro e do sistema legal que ainda existe por aqui.
A história está cheia de políticos que crescem com a
própria prisão. Não foi o caso de Lula