Reportagem integral que foi censurada


O empreiteiro Marcelo Odebrecht entregou à Polícia Federal (PF) um documento no qual explica a identidade de alguns codinomes citados em e-mails apreendidos em seu computador. No material enviado à Lava Jato, em Curitiba ele diz que "amigo do amigo do meu pai" refere-se ao ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). O codinome foi citado em um e-mail de 13 de julho de 2007 enviado por Marcelo aos executivos Adriano Maia e Irineu Meireles.

À época, Toffoli era Advogado-Geral da União (AGU) no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Quem levantou o assunto com exclusividade, provocando desconforto e um mar de silencio no STF, foi a revista Crusoé, na última quinta-feira. Segundo a matéria, Marcelo Odebrecht pergunta a Irineu Meireles e a Adriano Maia, seus subordinados: " afinal, vocês fecharam com o amigo do amigo do meu pai"? É Adriano quem responde, duas horas depois: "em curso".

A conversa foi concluída no rol dos esclarecimentos solicitados a Marcelo. Eles queriam saber entre outras coisas, quem é o tal "amigo do amigo do meu pai". E pediram que Marcelo explicasse, " com o detalhamento possível", os "assuntos lícitos e ilícitos tratados, assim como a identificação de eventuais codinomes".

A resposta de Marcelo foi surpreendente, diz Crusoé. No documento enviado à Lava Jato, ele escreveu: " a mensagem amigo do meu amigo se refere a José Antonio Dias Toffoli. E prossegue dizendo que maiores detalhes podem ser fornecidos à Lava Jato pelo próprio Adriano Maia, pois foi ele quem conduziu as tratativas na AGU".

Adriano Maia, ex-advogado da Odebrecht, onde era diretor jurídico, se desligou da empresa em 2018. O nome dele já constava de depoimentos de Marcelo em delação premiada. Adriano, segundo Marcelo, tinha conhecimento do pagamento de propinas para aprovar em Brasília medidas provisórias de interesse da Odebrecht. E cita, entre outros casos, a MP do "Refis da Crise", que permitiu a renegociação de dívidas bilionárias após "acertos pouco ortodoxos" com os ex-ministros Guido Mantega e Antonio Palocci, de acordo com a revista.

Em outros inquéritos da Lava Jato o nome de Adriano Maia aparece na troca de mensagens com Marcelo. Em uma dessas mensagens, de 2007, Marcelo orienta Adriano a estreitar relações com Dias Toffoli na Advocacia-Geral da União. A Odebrecht estava de olho para ganhar a licitação para construção e operação da hidrelétrica de Santo Antonio, no Rio Madeira. "Toffoli, no comando da AGU montou uma força tarefa com mais de 100 funcionários para responder, na justiça, às ações que envolviam o leilão da usina. Esse leilão", salienta Crusoé.

O leilão aconteceu em dezembro de 2007, cinco meses após a mensagem em que Marcelo pergunta aos dois subordinados se eles "fecharam com o amigo do amigo do meu pai". O leilão foi vencido por um consórcio formado pela Odebrecht, Furnas, Andrade Gutierrez e Cemig.

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, recebeu uma cópia do material em que o nome de Toffoli é citado para que ela estude se é caso ou não de investigar o ministro do STF. Por integrar a mais alta corte de Justiça do país, Toffoli, que é o atual presidente do STF, é detentor de foro privilegiado. Ou seja, só ela e a PGR podem investigá-lo.

Em 2003, Toffoli foi escolhido subchefe da Casa Civil no governo de Lula e ficou no cargo até julho de 2005. Em 2007 foi nomeado por Lula chefe da AGU. Em 2009, Lula o pôs no cargo mais cobiçado do mundo jurídico nacional, o de ministro do STF.

Nas planilhas de propina da Odebrecht, Lula aparace com o codinome "amigo de meu pai". Procurado por Crusoé para explicar a citação de seu nome e codinome por Marcelo Odebrech, o presidente do STF não respondeu. Não se sabe, também, se Raquel Dodge pretende ouvir Toffoli antes de decidir que atitude irá tomar.

O Brasil está cada dia mais divertido.

Ingerência indevida na Petrobras


Se o governo tem a intenção de conter as tarifas artificialmente, precisa dizer de onde virão os recursos necessários, sem impor a conta do prejuízo à estatal petrolífera

A semana começa sob o impacto de uma das maiores quedas recentes do valor de mercado da Petrobras, resultante da inoportuna intervenção do presidente Jair Bolsonaro no preço do diesel. Com a intromissão indevida, o presidente da República contraria frontalmente a defesa do livre mercado de seu ministro da Economia, Paulo Guedes. A atitude chega a lembrar as da ex-presidente Dilma Rousseff, que impôs prejuízos consideráveis à estatal brasileira com sua política intervencionista. Além de tumultuar um mercado sensível como o de combustíveis, a mais recente decisão nessa área, tomada na última quinta-feira à noite, provocou perdas bilionárias nas ações da empresa e encurtou suas receitas, o que é uma temeridade.

Preço de combustível não pode se prestar para demagogias, pois os danos costumam ser irrecuperáveis, e não só para os acionistas. Normalmente, a conta acaba recaindo mais tarde sobre os consumidores. É compreensível que, com a sua queda de popularidade, em boa parte devido à falta de articulação entre os que assumiram o governo em janeiro, o presidente se esforce por contentar uma categoria influente como a dos caminhoneiros. É óbvio também que o país não pode dar margem a qualquer possibilidade de repetição da greve que, entre maio e junho do ano passado, praticamente paralisou o país, gerando consequências que até hoje não foram contornadas. Nada justifica, porém, que o presidente, eleito sob a alegação de ter revisto seu discurso intervencionista, passe a interferir em decisões que são de mercado.

João Villaverde, Poder360 - - A década perdida de 1980 e a década frustrada de 2010


A incessante troca de ministros da Fazenda e o fracasso da bala de prata. Esse pode ser um resumo da “década perdida” na economia brasileira, isto é, os anos 1980. Mas também serve para a “década frustrada”, isto é, a década atual, de 2010.
Entre 1981 e 1990, a Esplanada dos Ministérios em Brasília viu seis pessoas diferentes ocuparem o cargo máximo do prédio da Fazenda, todos em busca de uma derrota da inflação descontrolada e da retomada do crescimento econômico. O último deles, inclusive, comandou até troca de nome – o Ministério da Fazenda passou a ser chamado de Ministério da Economia.
Sounds familiar?
Ernane Galvêas, Francisco Dornelles, Dilson Funaro, Luiz Carlos Bresser-Pereira, Maílson da Nóbrega e Zélia Cardoso de Mello foram os seis ministros da Fazenda entre 1981 e 1990. No caso de Zélia, da Economia.
Em maior ou menor grau, todos tiveram os mesmos objetivos. Nenhum deles conseguiu atingir a meta. Nem mesmo equipes qualificadas tecnicamente, como aquelas que formularam os planos Cruzado I e Bresser, foram suficientes para debelar a inflação e trazer o crescimento sustentável de volta.
Já a década frustrada, apelido que tomo emprestado de https://www.valor.com.br/opiniao/6205137/decada-frustrada do economista Ricardo Barboza, nasceu diferente. Em 2010, o PIB crescera a 7,5%, a maior taxa desde – vejam só – o ano do Cruzado (1986). Era grande a expectativa quando 2011 começou e as projeções, tanto do governo Dilma Rousseff quanto do mercado financeiro, incorporavam grande otimismo.
Olhando de forma retrospectiva, de fato 2011 foi o melhor ano da década, ainda que tenha ficado abaixo das estimativas do boletim Focus (janeiro, 2011) e do próprio governo Dilma: o PIB, afinal, cresceu 3,9%, com saldo comercial rondando US$ 30 bilhões, um expressivo saldo de criação de vagas de trabalho formais e um superávit primário, sem qualquer anabolizante ou contabilidade criativa, foi de 2,3% do PIB. Dali em diante, ladeira abaixo.
Guido Mantega, Joaquim Levy, Nelson Barbosa, Henrique Meirelles, Eduardo Guardia e Paulo Guedes são os seis ministros da Fazenda entre 2011 e 2019. No caso de Guedes, da Economia.
Em maior ou menor grau, todos tiveram os mesmos objetivos. Nenhum deles, até aqui, conseguiu atingir a meta. No caso de Guedes, claro, a análise está longe de ser determinística, dado que ele tem apenas 100 dias no cargo.
A título de pensata, vamos estabelecer uma comparação entre os dois períodos. Há três constantes visíveis: 1) Seis ministros diferentes em uma década; 2) Baixo crescimento estrutural; 3) Não cumprimento das metas estabelecidas. De resto, que fique claro, as diferenças são enormes. Não apenas de estilo de liderança e equipes, mas de contextos políticos e culturais (os anos 1980 eram dramaticamente diferentes da atual década de 2010). As comparações a seguir servem como food for thought.
Galvêas tinha como parceiro de equipe econômica o ministro do Planejamento, Antônio Delfim Netto, apontado pelo próprio presidente à época, o general João Figueiredo, como o responsável de fato pela estratégia. A inflação descontrolada não foi o objetivo maior de ambos, mas sim a retomada do crescimento após a explosão da grave crise de 1981-83, quando o salto nas taxas de juros do Federal Reserve fez as taxas reajustáveis dos empréstimos soberanos e privados em moeda forte (os “petrodólares” dos anos 1970) chegarem ao céu, deixando o governo de joelhos.
A estratégia econômica dos militares fracassou de forma retumbante, embora por um período razoavelmente longo, especialmente entre 1973 e 1979, foi possível mascarar. A crise externa serviu de gatilho, não de variável explicativa. De certa forma, Galvêas/Delfim na década perdida seriam os equivalentes a Mantega na década frustrada.
Francisco Dornelles assumiu o Ministério da Fazenda porque o presidente eleito, Tancredo Neves, o escolhera. Sarney, o presidente de fato, manteve a indicação, mas rapidamente tirou o tapete debaixo de seus pés. Dornelles herdara uma situação difícil da ditadura, mas as máxis desvalorizações cambiais de 1983 e 1984 acabaram empurrando as contas externas para o azul, permitindo um respiro – que durou pouco, como sua gestão. Dornelles tentou seguir o livro-texto, administrando a casa sem sobressaltos. Sua curta gestão pode ser comparada a de Levy.
Quando Funaro assumiu, em meados da “década perdida”, as expectativas se elevaram. Ele trouxe uma equipe de ouro para Brasília: Persio Arida, Edmar Bacha, André Lara Resende, entre outros. Gestaram um plano, o Cruzado, que, de início, foi um sucesso completo. Logo em março de 1986, a inflação caiu fortemente. O gatilho de 8% de reajuste unilateral nos salários, decisão que veio do presidente, combinado ao congelamento de preços, inicialmente temporário, geraram uma bolha de consumo e euforia. O PIB de fato cresceu forte (somente sendo equiparado 24 anos depois, em 2010, como dissemos). Mas era um acidente esperando para acontecer, como a própria equipe previra, mas não conseguiu evitar.
O ano de 1986 termina com enorme pessimismo. Funaro deixa o governo após declarar a moratória da dívida externa, algo que já ocorrera sob Galvêas/Delfim, embora sem o mesmo estardalhaço (o que faz grande diferença para o credor, ao reduzir ainda mais os incentivos para renegociação). Entra Bresser-Pereira e nova equipe, com Rubens Barbosa, Yoshiaki Nakano, Fernando Milliet e contando com apoio externo direto de Chico Lopes. Um novo plano é gestado, o Bresser, com resultados positivos no curto prazo (os meses de junho, julho e agosto), mas ainda mais rapidamente que o Cruzado, o plano deságua. A falta de comprometimento do próprio presidente e do Congresso com um ajuste fiscal impossibilitam qualquer avanço.
Bresser-Pereira e equipe também saem, em dezembro de 1987, e o pessimismo na virada do ano é ainda maior, com um presidente da República, do PMDB e originalmente vice-presidente, em descrédito popular, apesar de contar com o comando do Centrão no Congresso. Sounds familiar? Se o Sarney pós-1987 pode ser comparado a Temer, não é de todo enganoso, ao menos a título de pensata, comparar Funaro/Bresser com a gestão Meirelles. Avanços institucionais relevantes foram feitos, como o fim da conta-movimento no Banco do Brasil, a retomada da renegociação da dívida externa, a unificação orçamentária (sim, havia um orçamento monetário…), mas vencer a inflação e recuperar o crescimento sustentável não foram objetivos atingidos.
Entra então Mailson da Nóbrega, servidor de carreira da área econômica, que acompanhara de perto o início da década e que desde abril de 1987 era o secretário-geral da Fazenda. Com pouca margem de manobra – seu mandato, de 1988 e 1989, foi combinado à reta final da constituinte e em seguida das primeiras eleições diretas para presidente em três décadas –, Mailson buscou uma gestão para “tocar o barco”, apesar de também ter gestado um plano de combate à inflação, o Plano Verão, de 1989. Sua gestão pode ser comparada à de Guardia, embora, reforço, mais uma vez, que a comparação se dá a título de pensata.
Por fim, a mudança total. Eleito por um partido pequeno, Collor bate o PT no segundo turno de 1989, tendo o PDT em terceiro e o PSDB em quarto. Assume com um discurso contra “a roubalheira” e os “marajás” no setor público, buscando combater o sistema tradicional. Na área econômica, o Ministério da Fazenda muda de nome para Ministério da Economia. Assume Zélia e, com ela, nova bala de prata – a mais radical, além de inconstitucional e assustadoramente terrível. Era o Plano Collor. Deu errado do começo ao fim e 1990 termina com a inflação mais uma vez descontrolada, com o PIB mergulhando 4,3% e com todas as expectativas no chão. Completávamos, então, a “década perdida”.
Agora que caminhamos para o fim da “década frustrada”, eis o que temos. Eleito por um partido pequeno, Bolsonaro bate o PT no segundo turno de 2019, tendo o PDT em terceiro e o PSDB em quarto. Assume com um discurso contra a corrupção, buscando combater o sistema tradicional. Na área econômica, o Ministério da Fazenda muda de nome para o Ministério da Economia. Assume Paulo Guedes e, com ele, as expectativas dão um salto: não só o governo, mas também o mercado financeiro estimava um salto no PIB de 2019 na faixa de 2,5%, com vozes apontando que poderia ser mais.
Nos aproximamos de maio e já está claro que o PIB dificilmente chegará a 2% — se tanto, superará os anêmicos 1,1% de 2017 e de 2018. Caminhamos para o fim da “década frustrada”, embora ainda há história a ser escrita.

- João Villaverde é jornalista e mestre em Administração Pública e Governo pela FGV-SP. Foi pesquisador visitante na Universidade de Columbia, em Nova York (EUA), e escreveu o livro “Perigosas Pedaladas – os bastidores da crise que abalou o Brasil e levou ao fim o governo Dilma Rousseff” (Geração Editorial, 2016).