Aécio, o primeiro preso político julgado pelo STF, só voltará para casa daqui a 15 anos. Depoimento para a jornalista Ana Maria Cemin

Aécio, o primeiro preso político julgado pelo STF, só voltará para casa daqui a 15 anos. Depoimento para a jornalista Ana Maria Cemin

O extenso depoimento a seguir foi prestado pela advogada de Aécio, Juliana Medeiros, para a jornalista gaúcha Ana Maria Cemin, que se especializou na cobertura dos acontecimentos relacionados com as prisões e julgamentos do 8 de Janeiro. 

Aécio Lúcio Costa Pereira tem 51 anos e está preso na Penitenciária Papuda desde o dia 9 de janeiro. No dia 13 de setembro, ele foi o primeiro dos 1.390 manifestantes acusados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) a ser condenado pelo Superior Tribunal Federal, o julgamento de Aécio terminou no dia 14 de setembro. O morador de Diadema, SP, cumprirá 17 anos de prisão – 15,5 anos em regime fechado, além de ser obrigado a pagar 100 dias/multa no valor de 1/3 do salário-mínimo atual. Até pisar em Brasília para se manifestar, ele tinha uma vida estável e era o provedor do lar, sendo funcionário da Sabesp por 28 anos. Também era síndico do condomínio onde morava há 8 anos. O pai de um menino, de 9 anos, e de um rapaz, de 17 anos, tem poucas chances de redução da pena. Mesmo com a possibilidade de recurso, ainda assim o julgamento final será do STF. 

Conto aqui a história de uma família profundamente machucada pelo sistema judiciário brasileiro, pela voz da advogada Juliana Medeiros. 

“Em 8 de janeiro, o nosso escritório foi chamado para fazer um flagrante na Polícia Legislativa do Senado, quando a Dra. Larissa Mourão e o Dr. Mateus Duarte se dirigiram para lá.

 Ao chegarem no local, encontraram cerca de 40 pessoas detidas e todas já tinham sido ouvidas pela autoridade policial. Foi nesse ambiente que conhecemos o Aécio Lúcio Costa Pereira e ele mencionou precisar de um advogado para acompanhá-lo. Até aquele momento todos nós, advogados, imaginávamos que o processo tramitaria e se desenvolveria como qualquer outro, ou seja, com a realização da Audiência de Custódia no prazo de 24 horas e, possivelmente, as pessoas seriam liberadas para responder ao processo em liberdade. Tinha essa convicção, até porque Aécio não tinha condenação penal anterior, tinha residência fixa e, na época, também tinha trabalho fixo há 28 anos (posteriormente, ele foi demitido por justa causa pela Sabesp). 

Eles mesmos, os manifestantes detidos, tinham a certeza de que seriam liberados, tanto que em um vídeo que o Aécio gravou no Plenário do Senado ele diz: “Vocês estão vendo aquelas pessoas ali, que estão batendo, quebrando? São infiltrados! Mas eu já falei com a polícia e eles vão ser presos”. Essa fala do Aécio demonstra que ele acreditava que as pessoas que estavam agindo errado seriam presas, mas não era o caso dele. Ele estava dentro do prédio como um curioso, fazendo vídeos e passando mensagens pelo celular para familiares e amigos por ter encontrado acesso livre quando chegou. 


FRUSTRAÇÃO COM O PROCESSO PENAL

Todas as nossas expectativas baseadas nos procedimentos normais do Direito Penal e Processo Penal brasileiro foram frustradas e nós entramos em contato com a família para explicar a situação. Da Delegacia do Plenário, nosso cliente foi encaminhado ainda no dia 9 de janeiro para fazer Corpo Delito no IML e, posteriormente, foi levado para o CDP 2 na Papuda. Lá ele permanece até hoje. 

Durante todo o processo nunca tivemos qualquer problema com Aécio, muito pelo contrário: ele sempre foi solícito e respeitador, bem diferente do que estamos lendo da imprensa que o rotula como uma pessoa agressiva, homofóbica e machista. Esse não é o Aécio que conhecemos, é um Aécio construído pela mídia.

Nós também nos aproximamos muito da família dele, que é formada por pessoas trabalhadoras e honestas. Hoje, além de sofrer com a condenação completamente desproporcional, 17 anos, a família ainda sofre por esses ataques gratuitos da mídia, em especial O Globo, que divulgou matéria sobre a família receber uma espécie de vaquinha. É uma informação completamente mentirosa, nunca recebeu qualquer tipo de ajuda financeira de outras pessoas, muito pelo contrário: a ajuda que a esposa e os filhos vêm recebendo é dos próprios irmãos e da mãe de Aécio, bem como da família dela.

Era Aécio quem mantinha a família com o trabalho de 28 anos na Sabesp. A esposa Lucinéia cuidava dos filhos e do lar. Ele foi demitido ainda no dia 11 de janeiro, ou seja, a vida profissional simplesmente colapsou com ele dentro da prisão. Inclusive foi desligado enquanto estava de férias. A Sabesp encaminhou uma carta para a família informando o desligamento dele por justa causa, por ele ter feito um vídeo que mandou para os colegas onde ele dizia: Amigos da Sabesp, olhem onde eu estou! O vídeo chegou à gestão da companhia que considerou uma indisciplina e o demitiu. O fato é que uma pessoa que recebeu este vídeo denunciou para a Polícia Federal de que ele estava dentro do prédio. 

Tem uma reportagem que saiu na grande mídia dando a entender que ele era um dos grandes líderes do ônibus que veio de São Paulo para Brasília e essa informação não é real. Inclusive o vídeo em que aparece ele dentro do plenário do Senado falando no microfone foi divulgado pelo STF, porque este vídeo estava somente no celular do Aécio, que estava com a Polícia Federal. Esse vídeo nunca foi para as redes sociais, pelo simples fato de o nosso cliente não ter redes sociais. Ou seja, é um vídeo que só foi divulgado após a condenação dele. 

Esse massacre de reputação pode ser confirmado em matéria do Fantástico, divulgada na noite de 17 de setembro. O repórter editou apenas três entrevistados do condomínio onde Aécio residia com a família e, foi destacado Boletins de Ocorrência contra ele que, em sua maioria, foram até mesmo arquivados, pois não prosseguiram para uma ação penal. Assim, também Aécio fez Boletins de Ocorrência contra alguns moradores, mas isso não foi citado no Fantástico. A família relata que ele foi síndico durante oito anos e criou algumas inimizades com alguns moradores do prédio. Isso a gente vê agora mais nitidamente por meio da reportagem da Globo, com pessoas falando sobre situações no condomínio. 

É importante destacar, no entanto, que quando o repórter foi ao condomínio, a esposa de Aécio relata que ele colheu vários depoimentos de pessoas que falaram bem do Aécio, mas esses não passaram pelo crivo da edição. Restaram para ir ao ar os depoimentos de apenas três pessoas: da ex-síndica e sua filha e de um morador, que inclusive, pelas informações que recebemos, não mora mais no condomínio. A família relatou, ainda, que Aécio também registrou boletins de ocorrência contra este homem. Além disso, a família me participou que a ex-síndica foi sucedida por Aécio e ele, como síndico, apontou erros na sua gestão. 


COMO ESTÁ AÉCIO APÓS A CONDENAÇÃO A 17 ANOS DE PRISÃO?

Eu conversei com ele depois do julgamento e ele está bem triste, mas vinha se conformando com a situação. Ele me falava: “Doutora, eu sei que serei condenado, parece que não existe outra saída”. E quando a gente conversou depois do julgamento, ele me falou que se sentiu usado como um pano de fundo, como uma pessoa que eles pegaram para mandar um recado. Ele disse: “Eles me massacraram, mostraram vídeos e fotos de locais em que eu não fui, nunca estive presente. Mostraram fotos de armas e instrumentos que eu não tive conhecimento, que eu não vi. Portanto, essa foi a leitura que eu tive do meu julgamento: que eu fui usado como exemplo para todos que virão depois de mim, que terão a mesma pena”.

A análise dele foi boa, porque depois disso os demais julgados foram penalizados conforme o Aécio. O detalhe relevante do caso do meu cliente é que nada pesa contra ele, além de uns vídeos com algumas falas dele que poderiam levar ao entendimento dos ministros do STF como uma certa incitação à violência ou algo do tipo. Nós assistimos os vídeos no julgamento com imagens em que Aécio não estava agindo com violência e nem apresentava grave ameaça. Estava fazendo gravações, olhando para o celular. Ele não participou de nenhum ato violento e, mesmo assim, sem provas, ele foi taxado como se fosse o maior criminoso de todos.”

Fábula do passarinho insensato

Por Renato Sant'Ana

 

Muito satisfeito consigo mesmo, ostentando um rabo comprido e penas coloridas, o passarinho pousou na sebe do pomar. E logo se pôs a emitir seu trinado potente, um gorjeio que ele acreditava ser o mais genuíno e que lhe dava a presunção de pertencer a uma estirpe superior.

Naquele instante de enlevo e auto-exaltação, ele notou que um homem se aproximava. O homem avançava de olhos fitos, passo a passo, bem devagar, como quem dissimula um propósito: caminhava em silêncio, sem qualquer ruído a não ser um assobiar baixinho, muito suave, imitando o trino de um pássaro tranquilo. Mas o pequeno cantor não deu tino da encenação diversionista e não viu razão para fugir. E se deixou ficar.

Foi quando uma idosa andorinha, que procurava lugar seguro para pousar e descansar um pouco da longa viagem que empreendia, percebeu a cena que se desenrolava. Pousando no galho de um limoeiro, ela gritou aflita:

- Foge depressa, companheiro, que este homem há de fazer-te mal!

Todavia, o passarinho colorido não se inquietou, replicando com altivez:

- Oh, não! Isso é antropofobia! Nunca ouviste falar de Francisco, o santo de Assis, aquele que amava os passarinhos? O seu exemplo mostra-nos que os homens são bons!

- Ai de ti, meu irmão estimado, que ele te vai apanhar! - exclamou a andorinha, fechando os olhos para não ver.

E foi assim, de olhos cerrados, que ela ainda ouviu um axioma de filosofia barata e em completa dissonância com a realidade:

- Oh, é muito feio e inaceitável ter preconceitos. Como podes tu predizer o comportamento de alguém? - perorou o passarinho.

No instante seguinte, todas as aves emudeceram e um silêncio de morte envolveu o pomar.

Dias mais tarde, um pequeno cadáver com penas coloridas foi jogado no monturo. E os enlutados companheiros do defunto passaram a fazer conjecturas sobre a causa mortis do desafortunado cantor.

O papagaio, que tem o mau vezo de repetir palavras alheias e é por isso tachado de inautêntico pelos mais velhos, limitou-se a chamar o falecido de imbecil. Entretanto, como é sabido, palavras que não vêm da alma não são recebidas por corações consternados e morrem na indiferença.

A andorinha, que permaneceu pelas redondezas antes de retomar sua longa viagem, atribuía à tristeza da prisão na gaiola a causa do trespasse do infeliz.

A pomba, apesar de nada ter visto, acreditava que aquele homem, dado a bebedeiras que lhe turvavam o discernimento, devia esquecer de alimentar seu prisioneiro, matando-o de fome.

Já a coruja, que espera o entardecer para alçar voo, que tudo observa em silêncio reflexionando com grande vagar, ponderou que uma e outra coisa poderiam estar certas. Mas sentenciou que, acima de tudo, o que de fato condenara o passarinho havia sido a sua presunçosa insensatez.

Viam-se assim as aves a confabular numa espécie de tertúlia fúnebre quando, à ocorrência de um fato inusitado, tiveram um estremecimento e se encolheram nos galhos em que estavam empoleiradas. É que o corvo, de cuja voz ninguém sequer se lembrava e que até então parecia alheio a tudo, falou no tom mais solene e advertiu com dicção de profeta:

- Maior desaventurado é o espírito presunçoso e crédulo que se atribui a si mesmo a virtude que não tem, porque, em razão de tamanha pobreza de discernimento, estará sujeito a tornar-se presa da sagacidade alheia. Se vós quereis preservar a liberdade, este bem mais precioso que o ouro e mais belo e mais frágil que a orquídea, aprendei a ver além das aparências e a desconfiar de vossas próprias crenças e convicções.

 

Renato Sant'Ana é Advogado e Psicólogo.

E-mail: sentinela.rs@outlook.com



STF retomará, hoje, julgamento sobre Marco Temporal

  O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quarta-feira o julgamento sobre a constitucionalidade do marco temporal para demarcação de terras indígenas. 

O placar do julgamento está 4 votos a 2 contra a tese.

Há forte oposição no Congresso, que denuncia invasão de prerrogativas por parte do STF.

Entenda

No julgamento, os ministros discutem o chamado marco temporal. Pela tese, defendida por proprietários de terras, os indígenas somente teriam direito às terras que estavam em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, ou que estavam em disputa judicial na época. Os indígenas são contra o entendimento.

O processo que motivou a discussão trata da disputa pela posse da Terra Indígena (TI) Ibirama, em Santa Catarina. A área é habitada pelos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, e a posse de parte da terra é questionada pela procuradoria do estado.