Artigo, Francisco Ferraz, Estadão - A tara do adesismo na política brasileira

Ela compromete - e pelo visto continuará comprometendo - a qualidade da democracia

Sendo a política predominantemente concebida no Brasil como “o que ocorre em torno do Estado”, não há vacina poderosa o suficiente para imunizar os políticos da forte atração centrípeta do Estado e que se manifesta sob a forma de um adesismo generalizado a quem o ocupa que tende à unanimidade. Essa é uma das “taras” mais peculiares da cultura política brasileira que caracteriza o comportamento das elites políticas com relação aos governos, sejam eles quais forem.
Só não tem base política no Legislativo aquele governante que não a quiser. Na realidade, qualquer novo governo no Brasil, se não fechar as portas do poder, será invadido. Não há barreira programático/ideológica, partidária ou ética que seja capaz de conter o vício tentador da adesão ao poder, aos cargos, mordomias e o acesso às facilidades para a corrupção.
A expressão mais acabada dessa característica da cultura política brasileira se manifesta nas ondas de unanimidade nacional que varrem os cenários políticos, uma vez definido o vencedor. Foi assim com os governos da Arena durante o regime militar; com a campanha das Diretas Já, transferindo-se logo após para o processo de constituição da Aliança Democrática e ao governo Tancredo/Sarney; com o Plano Cruzado, episódio emblemático do adesismo, quando o PMDB elegeu todos os governadores estaduais, com apenas uma exceção!
O mesmo processo repetiu-se com o impeachment de Collor e, logo em seguida, na formação do governo Itamar. Fernando Henrique, com o Plano Real, obteve vitória em primeiro turno e, navegando mais uma onda de quase unanimidade, não teve problemas para conquistar maioria no Congresso, sempre que se empenhou.
A comprovar que a tara do adesismo não conhecia limites partidários, o governo Lula, não obstante o escândalo do mensalão levou o adesismo ao paroxismo, chegando à quase unanimidade decorrente da corrupção, como ficou visível e conhecido por meio da Operação Lava Jato.
O adesismo do governo Lula, bem lubrificado pela sua popularidade e pelo seu peculiar carisma, não se limitou à sua pessoa. Passou para Dilma, a sucessora que elegera e que, embora destituída de todos os atributos de imagem que Lula possuía, não teve problemas em contar com ampla maioria no Legislativo.
Por fim, com o impeachment de Dilma, o adesismo, como uma “ameba gigante”, não teve maior dificuldade de se reagrupar, com inegável disposição no governo Temer.
Como se vê, o adesismo não é uma peculiaridade de um determinado grupo de partidos, pertencentes ao setor de centro-direita do espectro político; tampouco não dependia da prática democrática, já que soube se acomodar sem dificuldade na Arena do período autoritário; conseguiu também se alojar na nova República do governo Sarney; sobreviveu à ampla modificação do sistema político, com a Constituição de 1988; depois ajustou-se ao Plano Real, à rigorosa Lei de Responsabilidade Fiscal e ao governo FHC; chegando ao “paraíso” no governo Lula e Dilma, com o estímulo extra do pagamento mensal por serviços prestados e, para espanto do mundo, com o petrolão ainda em investigação, um escândalo numa escala de país altamente desenvolvido e multinacional.
O fato é que o adesismo não pertence ao mundo da conjuntura, já que foi capaz de saltar sobre todos os obstáculos e mudanças que se sucederam na política brasileira desde Getúlio, passando pelo regime de 64, pela Nova República, pela Constituinte, pelo governo Itamar, pelo governo FHC, por Lula e Dilma, até chegar aos nossos dias com Temer.
Curiosamente, só o breve governo Collor não se beneficiou deste adesismo, até onde se sabe em grande medida por que não o quis e, segundo muitos, foi essa recusa a razão principal para o impeachment.
Ao contrário dos países de cultura política de democracias estáveis, no Brasil, ser da oposição é ser amaldiçoado; o trágico é “perder a boquinha” no governo. Nossa cultura política está muito mais para um processo tendente à unanimidade do que para o conflito.
Em consequência, não temos oposição como uma estrutura política independente, que se mantém como alternativa ao governo. Somente um raciocínio político desligado da realidade, portanto, pode conceber como “solução” política para o País, por exemplo, o parlamentarismo, regime político que depende de modo absoluto da existência de uma oposição para sua dinâmica de funcionamento.
O eufemismo mais recente para revestir de dignidade o oportunismo adesista é o conceito de governabilidade: a pretensa necessidade de formar maioria parlamentar permanente para governar. Depois que esta “justificativa nobre” foi encontrada, o processo atingiu as raias do indecoroso, atenuado por um conceito com pretensões acadêmicas – presidencialismo de coalizão – que logo passou a ser utilizado de forma deturpada pela linguagem política como uma justificativa elegante para o adesismo.
O adesismo é, pois, um traço estrutural do sistema político. Diante de sua força, chega a ser irônica a tentativa de modernizar nosso sistema político por mais uma soidisant reforma da legislação política.
Tais reformas não passam de aperitivo para a fome incontrolável da tara adesista, a mesma que não hesitou em engolir todos os artigos, parágrafos e incisos da nova Constituição.
Como traço estrutural, o adesismo ainda vai viver conosco por um bom tempo, corroendo e corrompendo nossas práticas políticas, no estado de instabilidade política crônica em que vivemos e que ainda vamos ter de viver por muito tempo, como detalhadamente analisei no meu livro Brasil: a cultura política de uma democracia mal resolvida.
Esta “tara adesista” de boa parte da classe política e empresarial, tão característica de nossa cultura e prática política, compromete – e pelo visto continuará comprometendo – severamente a independência dos poderes, a eficiência do governo e, em consequência, a qualidade de nossa democracia.

*Professor de ciência política, ex-reitor da UFRGS, pós-graduado pela Universidade de Princeton, é criador e diretor de Política para Políticos (www. politicaparapoliticos.com.br)


Artigo, Marcelo Aiquel - A desiggualdade e a hipocrisia

          Nesta madrugada, alguns deputados da nossa Assembleia Legislativa do RS demonstraram sua estatura ínfima ao – de forma sorrateira e contraditória – ajudarem a derrotar a proposta do Governador Sartori para limitar o repasse aos poderes (a PEC do duodécimo).
                Ao assistir as justificativas dos contrários lembrei-me de uma frase do pensador e escritor George Orwell – autor do imperdível livro “A revolução dos bichos” – que sentenciou: “TODOS OS ANIMAIS SÃO IGUAIS, MAS ALGUNS SÃO MAIS IGUAIS DO QUE OUTROS”.
                Trazendo a grave crise financeira do Estado à luz da análise imparcial dos fatos, vemos que ela (crise) é de TODOS OS GAÚCHOS, e não como os revanchistas legisladores do PT, do PC do B, parte do PDT e mais alguns que votaram visando o próprio interesse (o legislativo estadual também foi beneficiado pela derrota da PEC), pugnaram.
                Que cambada de hipócritas!
                Utilizando-se do mesmo discurso que era proferido pela oposição ao governo Tarso Genro, aqueles que antes o apoiavam agora resolveram “ser do contra”. Ser a favor da DESIGUALDADE que a Constituição Federal veda, ao estabelecer (artigo 5º) que “todos serão iguais perante as leis...”.
                E ainda fomos obrigados a escutar aberrações, como a proferida pelo deputado Enio Bacci (PDT) ao declarar que votava contra “porque, caso fosse julgado, queria sê-lo por um juiz de bom humor”. Tal justificativa não encontra sequer uma única definição plausível em nenhum dicionário da língua portuguesa.
                E a Manuela D’Ávila? Com aquela pose (dissimulada) de justa e defensora do povo, não teve vergonha de tratar a população como desigual.
                Agora, só espero sinceramente que TODOS os gaúchos, especialmente aqueles que foram fazer arruaças na praça defronte a ALERGS, pensem bem antes de eleger qualquer dos hipócritas e revanchistas que concederam privilégios a uma casta da nossa sociedade.
                Uma casta que É MAIS IGUAL DO QUE OUTROS.

                Feliz Natal!

Análise - Ritmo de corte dos juros será acelerado

Esta análise dos economistas do Bradesco, enviada esta manhã ao editor, diz  que o principal sinal emitido pelo Relatório Trimestral de Inflação, divulgado ontem, é de que há condições suficientes para acelerar o ritmo do corte de juros na próxima reunião, em janeiro. 

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O que reforça a mensagem trazida na ata do Copom, poucas semanas atrás, sustentando nossa expectativa de queda da Selic de 0,50 p.p. na próxima decisão do Banco Central. Ainda assim, o BC enumerou incertezas sobre (i) o processo de aprovação e implementação de medidas de ajuste fiscal e (ii) sinais de interrupção da desinflação de componentes do IPCA mais sensíveis à atividade. Em relação ao segundo ponto, os dados do IPCA-15 de dezembro, divulgados ontem, apontam para importante desaceleração da inflação desses itens, que deverá seguir ao longo do primeiro trimestre de 2017 (vale lembrar que o RTI foi escrito com as informações disponíveis até o dia 9 deste mês). Somado a isso, os cenários de projeções de inflação foram revisados modestamente para baixo. No cenário de referência, que contempla a taxa de juros constante em 13,75% e taxa de câmbio estável em R$/US$ 3,40, a inflação projetada ficou abaixo da meta em 2017 e 2018, em 4,4% e 3,6%, respectivamente. Já no cenário de mercado, que utiliza as hipóteses de câmbio e juros da pesquisa Focus, a inflação projetada é de 4,7% e de 4,5%, na mesma comparação. A relativa estabilidade das projeções nos cenários apresentados pelo RTI, a despeito da taxa de câmbio ligeiramente mais depreciada (R$/US$ 3,30 no documento anterior) e dos juros estarem 0,50 p.p. abaixo do nível do terceiro trimestre, refletiu, em certa medida, a expectativa de retomada mais lenta da economia para o próximo ano. De fato, o BC revisou o PIB projetado para este ano, de uma queda de 3,3% para outra de 3,4%. Já o crescimento previsto para 2017 foi alterado de 1,3% para 0,8%. Em suma, na nossa visão, diante (i) da ligeira melhora das expectativas de inflação; (ii) das surpresas baixistas com a inflação corrente e (iii) da expectativa de recuperação mais gradual da economia em 2017, o BC já possui elementos suficientes para acelerar o ritmo de queda de juros na próxima reunião, em janeiro. Acreditamos, adicionalmente, que à medida que a incerteza sobre o ajuste fiscal diminuir e a trajetória de desinflação dos preços de serviços no curto prazo ficar mais evidente, o ritmo de corte de juros poderá ser intensificado nas próximas reuniões. Com isso, a taxa Selic chegará a 10,25% ao final de 2017.