Felipe Hermes, Spotnik - O Rio faliu. E o Brasil tem muito a aprender com esta história.

O ano é 2010. O Brasil é a bola da vez no mundo. Em meio a uma crise que assola os países mais desenvolvidos do planeta, ocupamos a capa da revista “The Economist”, uma das mais importantes publicações já criadas, com a imagem de um cristo redentor decolando. O Brasil vivia uma festa. O país iria sediar a Copa do Mundo e as Olimpíadas e apenas alguns meses depois descobriria seu maior crescimento econômico em 35 anos. Do outro lado do Atlântico, na Europa, o cenário era o exato oposto. Apenas seis anos após sediar uma olimpíada, a Grécia era o centro de um continente em crise, o símbolo de um modelo que deu errado. Passado o mesmo tempo, já em 2016, prestes a sediar as Olimpíadas, a cena se repete – o Rio de Janeiro acaba de declarar falência. Muito mais do que coincidência, a história é, no fundo, uma grande lição.
Do Caburaí ao Chuí, os governos estaduais estão quebrados (dez deles já parcelam salários). Todos, sem exceção, gastam mais do que o recomendado com pagamento de funcionalismo público. Em três deles, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, já se gasta mais com aposentadorias e pensões do que com educação e saúde. Para onde quer que se olhe, o cenário é quase sempre o mesmo.
Para muitos estados, como o Rio Grande do Sul, por exemplo, que convive há mais de quatro décadas com déficit nas contas públicas, a situação pode ser considerada dentro dos padrões normais, ou ao menos dentro do esperado. Em outros casos, como o do Rio, no entanto, a situação ainda parece difícil de acreditar. Trata-se do mesmo Rio de Janeiro que há 10 anos esperava crescer o dobro da média nacional e atingir até 20% de participação no PIB brasileiro em 2016. O motivo pra euforia? A descoberta da camada pré-sal lá em 2007. O otimismo não rolou à toa. Apenas entre 2014 e 2016 o estado recebeu nada menos do que R$ 235 bilhões em investimentos, boa parte deste valor destinado à indústria do petróleo e à infraestrutura necessária para sediar os jogos olímpicos.
No papel, o Rio estava bombando. Como em uma das famosas apresentações de Eike Batista, seu ilustre morador, tudo parecia ajustado e pronto para explodir. Na prática, porém, as coisas desandaram tão rápido quanto pareciam crescer.
Poucos meses antes de sediar as Olimpíadas para as quais vem se preparando há quase uma década, o Rio declarou “estado de calamidade pública”. A medida emergencial significa que na prática o governo estadual terá acesso mais rápido à liberação de recursos por parte do governo federal (estimados em R$ 3 bilhões), permitindo pagar salários e horas extras, além de continuar investindo nas obras fundamentais para a realização dos jogos olímpicos.

Artigo, Ascânio Seleme, O Globo - Temer, o reformista

Bom articulador, mas dono de histórias mal contadas, o presidente teve coragem para aprovar medidas importantes

Pode-se acusar o presidente Michel Temer de tudo, menos de não ter coragem. Fez uma carreira que muitos outros percorreram. Bom articulador, mas dono de histórias mal contadas, que alcançaria o ápice quando presidiu a Câmara. Seria apenas um Henrique Alves com mais estatura se não acabasse virando presidente. A má fama do PMDB ajudou a consolidar sua péssima imagem, que foi potencializada quando sucedeu a Dilma Rousseff. E que desmilinguiu-se depois daquela conversa estranha, para não dizer criminosa, com o empresário Joesley Batista no subsolo do Jaburu.

Temer tem o maior índice de rejeição de um presidente na História da República. E não foi poupado sequer pelo carnaval. No caso da crítica da Paraíso do Tuiuti às reformas, a escola acertou em cheio, Temer é mesmo o principal responsável por elas. Em pouco mais de um ano e meio de mandato, o presidente fez aprovar no Congresso inúmeras leis reformistas encaminhadas por ele ou elaboradas no Parlamento, mas com o seu aval. Pode-se gostar ou não das reformas, mas elas foram feitas. E por Temer. A ver.

Gastos públicos. Lei que estabeleceu limite de gastos públicos. Sem qualquer dúvida, trata-se da mais importante ferramenta para o equilíbrio das contas públicas desde a Lei de Responsabilidade Fiscal. A oposição se opôs, alegando que a lei limitava as ações públicas.

Trabalhista. A reforma trabalhista e a Lei da Terceirização, aprovadas em duas etapas, acabaram com a contribuição sindical, reduziram custos de mão de obra e possibilitaram contratações sem vínculos empregatícios formais. As medidas flexibilizaram a legislação de maneira a ampliar a empregabilidade. O PT diz que elas retiraram direitos do trabalhador.

Taxa de juros. Medida Provisória mudou a taxa de juros que remunera o BNDES da TJLP para TLP. Levou o banco de fomento a operar com as taxas de juros do mercado, o que faz todo o sentido num mercado repleto de crédito bom e barato. Numa economia com inflação baixa, não tem mesmo por que subsidiar crédito. Os empresários chiaram.

Autonomia do Banco Central. Decisão de devolver a autonomia ao Banco Central foi importante para a queda da inflação de um patamar de 11% para 3% ao ano. Teve também como consequência a redução da taxa de juros. Houve resistência até mesmo dentro do BC.

Lei das Estatais. Foi aprovada no Congresso a Lei das Estatais, que cria regras para a indicação de diretores de empresas públicas. O primeiro impacto depois da sua aprovação foi a nomeação de funcionários de carreira para a direção da Caixa para substituir outros, acusados de envolvimento em falcatruas.

Pré-Sal. Lei desobrigou a Petrobras de participar de todos os contratos de exploração dos campos de petróleo do Pré-Sal com no mínimo 30% de participação. A medida destravou os investimentos que estavam parados por absoluta falta de capacidade financeira da estatal de participar de tudo. A oposição diz que o Brasil abriu mão de sua soberania.

Conteúdo local. Lei reduziu a exigência da participação da indústria nacional na produção de equipamentos e produtos em contratos governamentais. O percentual anterior estabelecia uma espécie de reserva de mercado para diversos setores, mas encareceria os produtos ao evitar concorrência externa.

Recuperação fiscal dos estados. Medida Provisória permitiu que estados com alto endividamento e problemas graves de caixa tivessem suspenso por três anos o pagamento de suas dívidas com a União. Provisoriamente, salvou estados como o Rio, que estavam em condição de pré-insolvência.

Ensino médio. Reforma reduziu as matérias obrigatórias de 13 para cinco por ano, possibilitando que o aluno tenha ainda duas cadeiras eletivas, que podem ser cadeiras profissionalizantes, o que ajuda a inserção de jovens no mercado de trabalho. A reforma do ensino médio pode possibilitar também a redução da repetência e da evasão escolar.

Ministério da Segurança. Ao decretar a intervenção na Segurança do Rio e ao mesmo tempo propor a criação de um ministério para cuidar do assunto, Temer levou para dentro do Planalto um problema do qual seus antecessores sempre fugiram. Claro que Segurança é assunto nacional e há décadas deveria estar sob o comando do governo federal.


Reforma da Previdência. Seria o último grande teste para Michel Temer. Se conseguisse aprová-la, sua imagem não melhoria aos olhos dos brasileiros, na verdade poderia até piorar, mas com certeza entraria para história como o senhor das reformas. E como a esta altura o presidente não tem mais nada a perder, ninguém conseguiria fazer tanto, fora Temer.

Editorial, Folha - Os reveses do Facebook

Gigante das redes sociais sofre seus primeiros reveses

Depois de anos de crescimento robusto em faturamento e usuários, o Facebook começa a enfrentar os primeiros reveses no que parece ser uma mudança de percepção do público em relação à rede social —ou, na linguagem da empresa criada de início para classificar a beleza das estudantes de Harvard, suas primeiras "descurtidas".

O ataque mais recente veio da Unilever. Na semana que passou, a multinacional ameaçou cortar os anúncios dirigidos ao Facebook e à outra perna do duopólio digital, o Google, se não houver mais transparência e combate às "fake news" e ao conteúdo tóxico.

Seu poder de persuasão vem dos US$ 9 bilhões que gasta em anúncios por ano para promover marcas como Dove, Omo e Hellman's.

Antes dela, a Procter & Gamble, maior anunciante mundial, uniu ação às críticas e cortou US$ 100 milhões em marketing digital em um trimestre de 2017. Segundo a empresa, não houve nenhum impacto nas vendas após a decisão.

No lado dos usuários, o Facebook registrou ao final do ano passado declínio no tempo médio gasto na rede social nos EUA, seu principal mercado: 50 milhões de horas a menos por dia, a primeira queda desde que a empresa foi criada.

A perda se dá principalmente entre os mais jovens, segundo a consultoria eMarketer: 2,8 milhões de pessoas com menos de 25 anos deixaram a rede em 2017; outros 2 milhões devem sair em 2018.

Em Washington e na Europa, executivos têm sido chamados a dar explicações sobre a divulgação de notícias falsas e as práticas monopolistas —de acordo com a mesma consultoria, Facebook e Google detêm 50% da publicidade digital mundial e 60% da americana.

Em sua defesa, o Facebook insiste na tese de que não é uma empresa de mídia e, assim, não tem controle sobre o que veicula —apesar de divulgar conteúdo e cobrar pelos anúncios que o acompanham, a definição clássica de uma empresa de mídia. Tudo o que não quer é estar submetido às mesmas regulações e grau de escrutínio.

Esta Folha já escreveu que gigantes da tecnologia se tornaram também gigantes de mídia. Devem, pois, assumir responsabilidades referentes à segunda condição, prestando contas do que transmitem.

Em janeiro, na tentativa de livrar-se da cobrança crescente, Mark Zuckerberg decidiu que o algoritmo que rege as interações entre usuários seria mudado de modo a privilegiar postagens pessoais, em detrimento das promovidas por marcas e empresas.

A medida deve banir de fato o conteúdo divulgado por veículos de jornalismo profissional e, ainda que indiretamente, facilitar a propagação das "fake news", em geral de muito mais apelo e estridência que as notícias factuais.

De fato, nos últimos quatro meses as interações em páginas que produzem "fake news" subiram 61,6%; nas de jornalismo profissional, houve queda de 17%.

Por tudo isso, a Folha anunciou, em 8 de fevereiro, que deixou de atualizar com notícias sua página no Facebook.

As redes sociais surgiram com a promessa de ser um ambiente de convívio e intercâmbio de ideias e dados, e em boa medida atingem esse objetivo. Mas as empresas por trás delas se tornaram um dos poderes emergentes de nossa era.


Cabe a jornais como a Folha, que cultivam uma atitude crítica, manter olhar vigilante também sobre esse poder.