Artigo, Darcy Francisco Carvalho dos Santos, Zero Hora - O impasse da despesa com pessoal


Para o economista , a pergunta que o governo deveria ter feito é se o TCE vai manter os critérios adotados até agora

A Lei 101/2000, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) limitou a despesa com pessoal a 60% da receita corrente líquida (RCL) e definiu no seu artigo 18 os vários itens que compõem essa despesa.
Como até hoje não foi criado o órgão encarregado de dirimir as possíveis dúvidas, esse papel vem sendo exercido pelos tribunais de contas estaduais. 
Em nosso Estado, o Tribunal de Contas excluiu do rol da despesa com pessoal uma série de itens, entre eles as pensões, que correspondem a um quarto do valor das aposentadorias. O total excluído atinge 15% da RCL. Como não desaparece a obrigação do pagamento dessa despesa, isso elevou o limite citado para 75%, na prática. Com isso, ficaram sem cobertura orçamentária os investimentos e as prestações da dívida. Daí os enormes e recorrentes déficits. 
Se os limites da LRF não forem obedecidos, o Estado nunca se equilibrará, porque a despesa será sempre maior do que a receita
Entre 2000 e 2015, em valores atuais, a despesa desconsiderada, excedente ao limite,  alcançou R$ 49 bilhões. Nesse período, os investimentos foram de R$ 22 bilhões e os déficits, R$ 18 bilhões. Isso quer dizer que, se a LRF tivesse sido cumprida, os déficits não existiriam e, ainda, seria possível fazer mais do que o dobro dos investimentos feitos. 
Além disso, foi gerado um impasse para a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal, junto ao Tesouro Nacional, porque o valor despendido com pessoal pelos critérios do TCE, diante exclusões feitas, está abaixo do limite exigido pelo citado Regime. 
Ocorre que, se esses limites da LRF não forem obedecidos, o Estado nunca se equilibrará, porque a despesa será sempre maior do que a receita. 
Além disso, em 2016 foi editada a lei de responsabilidade fiscal estadual (LRFE), que estabelece regras para que a despesa com pessoal, tal como definida na lei federal, convirja ao limite de 60%, citado. 
Diante disso, a pergunta que o governo deveria ter feito ao Tribunal de Contas é se ele vai manter os critérios adotados até agora, que estão em desacordo com a lei estadual referida, ou se vai aceitar seus termos e exigir seu cumprimento, caso em que tornaria o Estado enquadrado nas exigências do Tesouro Nacional. 

Elio Gaspari, Correio do Povo - Vale a pena ver 'O Mecanismo'

José Padilha enfiou uma novela na série da Lava Jato, mas contou a trama do andar de cima com correção

É bom negócio ver "O Mecanismo", a série de José Padilha na Netflix. Seus oito episódios contam a história da Lava Jato até as vésperas da prisão de Marcelo Odebrecht. Eles giram em torno de dois eixos.

O primeiro é uma novela-padrão onde há sexo, traições, doenças, rivalidades, muitos palavrões e até mesmo uma menina com deficiência. A quem interessar possa: o agente Ruffo nunca existiu. Pena que ele seja um narrador do tipo "faço-sua-cabeça", numa espécie de reencarnação do Capitão Nascimento de "Tropa de Elite". A agente Verena é uma exagerada composição.
É a segunda história, a da Operação da Lava Jato, que valoriza a série. E é ela que vem provocando a barulheira contra Padilha. A ex-presidente Dilma Rousseff (Janete Ruscov na tela) acusa "O Mecanismo" de duas fraudes. Jogaram para dentro do consulado petista a operação-abafa que decapitou as investigações das lavagens de dinheiro do caso Banestado, ocorrida durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. (Há uma referência a "dez anos depois", mas ela ficou embaralhada.) Noutro lance, puseram na boca de Lula (Higino, igualzinho ao original, graças ao ator Arthur Kohl) a frase "é preciso estancar a sangria", do senador Romero Jucá. Também não há prova de que "Higino" tenha pedido a "Janete" para trocar a direção da "Polícia Federativa".
A narrativa do caso será útil para muita gente que perdeu o fio da meada da Lava Jato. Essa é a razão pela qual é melhor ver a série do que não vê-la. A Lava Jato fez um memorável serviço de faxina e hoje parece banalizada, o que é uma pena. O câncer de que fala o agente Ruffo estava lá e ainda está. Entrou areia no mecanismo das empreiteiras, mas ele funciona em outras bocas.
Num primeiro momento Padilha explicou-se: "O Mecanismo é uma obra-comentário, na abertura de cada capítulo está escrito que os fatos estão dramatizados. Se a Dilma soubesse ler não estaríamos com esse problema". Seja lá o que for uma "obra-comentário", Dilma sabe ler e essa explicação tem o valor de um balanço de empreiteira. Seria como se o diretor Joe Wright, de "O Destino de uma Nação", atribuísse a trapaça que fez com Lord Halifax a uma licença cinematográfica.
Num comentário posterior, Padilha disse que expôs a corrupção do PT e do MDB. É verdade, pois o vice de Dilma chama-se “Tames" e foi posto no jogo. O tucano Aécio Neves também está no mecanismo: “Se o 'Lúcio' vence a eleição, breca isso na hora". O procurador-geral Rodrigo Janot ficou por um fio. Padilha pegou pesado ao mostrar os pés dos ministros do Supremo entrando numa sessão enquanto Ruffo fala nas "ratazanas velhas" de Brasília. A dança dos presos comemorando uma decisão do STF também foi forte, mas como se viu há pouco, o Supremo decide e réus festejam.
Padilha bateu num caso histórico. A série é dele e fez o que bem entendeu, mas a trama novelesca e as catilinárias de "Ruffo" tiraram-no de outro caminho, o de uma série e de um filme recentes. "The Crown" é factualmente impecável e mexeu com os mecanismos da Casa de Windsor. "A Guerra Secreta" não precisou demonizar Richard Nixon para contar a história da briga do Washington Post pela publicação dos "Papéis do Pentágono". Nos dois casos não houve novela paralela, pois o recurso não era necessário.

Astor Wartchow - Patologia da Loucura


      Patologia da Loucura
      Astor Wartchow
      Advogado
      Predomina um sentimento de indignação e desesperança ante o conjunto das omissões e crimes praticados no âmbito das esferas de representação e poder do estado brasileiro.
      É oportuno observar que a história é farta nas demonstrações dos erros decorrentes na indevida proteção de representantes e governantes flagrados em delito, em detrimento da hierarquia dos valores permanentes de uma nação.
      Do mesmo modo, importa denunciar a idolatria, o messianismo e o populismo. Afinal, líder nenhum é fiel e exclusivo depositário das lutas de um povo, de suas esperanças e desejos político-sociais.
      Independentemente de opções e opiniões políticas, ideológicas e partidárias, não podemos prescindir da crença num sistema de valores nacionais, regras constitucionais, dispositivos legais e conceitos éticos.          Estes valores são frutos do esforço coletivo, sofrimento e resignação de várias gerações. Não podem ser contaminados pela fraqueza, incompetência e desonestidade de indivíduos que não estão, ou não estiveram, à altura de determinado momento histórico da nação.
      A fidelidade partidária (e ao líder) não pode se constituir em compromisso inalterável, uma vez confrontado com fatos graves e ilegais, imorais e antiéticos, relevantes à nação.  
          Neste sentido, as opções político-partidárias individuais e coletivas merecem revisão e repactuação permanente.  
          E a medida que a utopia e a paixão dão lugar à compreensão acerca das fraquezas humanas e das vocações autoritárias dos grupelhos políticos, aprendemos a valorizar os instrumentos básicos de um Estado Democrático de Direito.
      Finalmente, a aprender, também, é que na política, como no amor, por conta de nossa idealização, demoramos em ver os defeitos de nosso objeto amoroso.