"Quem bater em seu pai ou em sua mãe, seja condenado
à morte". (Exodus, 21:15).
"Se estamos diante de um ator social diferenciado,
que educador precisamos para potencializar essas capacidades e não as
adormecer?" (Mário Volpi, representante da UNICEF, ‘in’ "O Desafio da
Formação de Professores para a Educação dos Jovens", conferência realizada
na Faculdade de Ciências e Letras da UNESP (FCL) Campus de Araraquara, São
Paulo.
Considerações Preliminares
O Brasil é o país do improviso. Basta surgir um caso de
repercussão e já nos mobilizamos na busca de uma solução, como quase sempre,
eminentemente emocional e por isso, lotérica.
Quando surgiu a primeira lei antitóxicos, equiparando o
drogado ao traficante, achava-se que se tinha encontrado uma solução para o
problema social. Veio a década de setenta e com ela uma nova lei, também sem os
resultados esperados. Chegamos hoje, a uma lei bem mais humana, fruto do
amadurecimento e do exame mais acurado dos fatores que levam o indivíduo a
aquele tipo de delito.
Assim foi também com os chamados “crimes hediondos”. Como
toda a panacéia acabou tornando-se um simples e impotente placebo. Não resultou,
dela, mais que soluções representadas pelo atulhamento de presos nas cadeias, a
comandar o crime nacionalmente.
Tudo simplesmente porque não incluíram na draconiana
legislação, os elementos terapêuticos para a solução do problema nacional.
Resultado: O Supremo Tribunal Federal acabou por sepultar
a hedionda lei. Agora, bastou um acontecimento de grave ressonância nacional,
para que se tente buscar uma solução justamente onde ela não se encontra:
Redução da menoridade penal para dezesseis anos? Em breve, ante a ineficácia da
lei, sentiremos a necessidade da redução para os quatorze anos, e assim por
diante. E, de redução em redução chegaremos ao nada jurídico, à certeza de que
tivemos uma imensa perda de tempo.
Os que fazem o acompanhamento junto aos juizados da
infância e juventude sabem que, de nada adianta pensar em redução da menoridade
penal, e muito menos, no agravamento das medidas ditas como punitivas.
É bem verdade que a redução da maioridade penal encontra
forte eco na mídia nacional, quer pelo desconhecimento dos mecanismos
psicológicos que levam o adolescente a um ato infracional, quer por
desconhecimento da própria lei. E o que é mais grave: é a total ignorância da
necessidade de os poderes da república de dotarem as autoridades, de mecanismos
de recuperação dos jovens infratores. Sem isso, nada atingiremos.
A lição de Mário Volpi é no sentido de que, "não é
um conhecimento que você acumula para trabalhar com adolescentes, mas as
ferramentas que se adquire para poder desvendar este universo e adentrá-lo sem
preconceitos, limitações e repressões."
E essas ferramentas são sempre buscadas onde não estão as
soluções.
E a falta de conhecimento dos elementos intrínsecos que
leva o jovem à quebra de uma regra de comportamento social, é que nos faz
buscar solução em medidas, como a tal redução, sem nenhum conteúdo racional e
lógico.
Vale a pergunta: O que fizemos até aqui para prevenir a
delinqüência? Ora, o não uso de medidas preventivas, e o uso de soluções
equivocadas, jamais irá solucionar o problema. Mais ainda, não há na mídia
nacional o interesse em noticiar os índices de recuperação de menores
infratores de cada Estado da Federação.
Claro que a notícia de um crime praticado por um menor
interessa muito mais à mídia do que o informe de sua recuperação. E, para
alegria nossa, esses índices são muito mais animadores do que se pode imaginar.
De outro lado, há que se considerar que a lei, em alguns
aspectos, é muito mais rigorosa para com o menor do que com o adulto. A prisão
temporária, por exemplo, para o menor pode se estender a quarenta e cinco dias,
enquanto para o adulto se prende a apenas cinco dias.
Depois, como se sabe, e não temos dados estatísticos
confiáveis a ponto de nos permitir fazer algumas afirmações, mas, por certo,
que a delinqüência juvenil não atinge a dez por cento da criminalidade adulta.
É Volpi, quem nos noticia isto.
No entender do Juiz da Infância e Juventude da cidade
missioneira de Santo Ângelo, João Batista da Costa Saraiva, em brilhante
trabalho, com toda a sua experiência, leciona que, “... a proposta anacrônica
de redução da idade de responsabilidade penal não passa de uma “pseudo solução”
para o enfrentamento da criminalidade juvenil”. (João Batista da Costa Saraiva,
‘in’ A Idade e asw Razões, Juiz da Infância e Juventude no RS, Professor de
Direito da Criança e do Adolescente na Escola Superior da Magistratura – RS,
http//:www.abmp.org.br/ publicações/ Portal/abmp_P..).
E não se venha com a idéia comparativa dizendo-se que
países há que adotam idade mais reduzida para a responsabilidade penal. Todos
os países trazidos à colação são nações que há mais de duzentos anos vêm dando
um tratamento especial ao problema.
Falar-se em Suécia e Noruega seria um absurdo,
especialmente quando se tem conhecimento que são países altamente civilizados e
onde a criminalidade contra o patrimônio é próxima de zero. E especialmente
quando se sabe que são os países do mundo onde há o menor índice de desemprego
e os maiores indicativos de escolaridade.
Outro fator importante a ser considerado: a menoridade
penal está entre as chamadas cláusulas pétreas da constituição. Sua modificação
só poderá ser feita por outro poder constituinte. (A Constituição Federal,
artigo 228: "São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos sujeitos,
as normas da legislação especial." O art. 27 do Código Penal reflete a
disposição da lei magna. (A Constituição Federal, artigo 228: "São
penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos sujeitos, as normas da
legislação especial."). Nem se há de falar em decisão plebiscitária, ou
qualquer outra formula mágica pela qual se queira violentar o sistema
representativo nacional.
Direito Penal do Menor e sua História
O direito penal do menor atravessou a história da
humanidade, partindo dos períodos das barbáries. O passeio sobre sua história
nos dá uma noção de como os povos passaram a sentir a necessidade, não da
punição do menor, e sim, da sua educação e socialização.
A Lei Mosaica e o Velho Testamento presenteava aos jovens
com penalidades iníquas, chegando à
condenação à morte, por exemplo, do filho rebelde. A legislação grega não
diferia daquelas do início das civilizações. O direito romano dava de início,
aos pais, o direito de vida sobre os filhos. Podiam matar aquele que nascesse
doente ou com defeito. E mais: toda a história punitiva do menor se prendia à
necessidade da preservação da autoridade do Pater Famílias, símbolo máximo da
realidade da sociedade então.
Assassinatos, chibatas, torturas, ordálias eram as
medidas sócio-educativas determinadas pelo espírito da época.
E não é preciso ir-se muito longe, basta se examine a
França de Luiz IX, o homem tido como modelo da Idade Média, exemplo imitado por
todos os príncipes cristãos. Ainda que tido como santo, permitiu estabelecer na
legislação de seu país a regra da punição com a pena de chicotadas para o menor
desobediente.
Desde as mais remotas eras da humanidade se procurou dar,
cada vez mais, e a cada passo, um tratamento diferenciado aos infantes. Tanto
que os romanos, a depois, e bem mais tarde, passaram a classificá-los em três
classes distintas: impúberes, púberes e infantes.
Conta-nos Heloisa Gaspar Martins Tavares que “a proteção
especial ao menor era da seguinte forma: os impúberes (homens de 07 a 18 anos e
mulheres de 07 a 14 anos) estavam isentos de pena ordinária aplicada pelo juiz,
uma vez que esta somente era aplicada após os 25 anos de idade, quando se
alcançava a maioridade civil e penal embora fossem passíveis de receber uma
pena especial, chamada de arbitrária (bastão, admoestação), desde que apurado o
seu discernimento. Assim prescrevia a lei romana: "os pupilos devem ser
castigados mais suavemente". A pena de morte era proibida.” .
Países há, também, que mantém o limite da
responsabilidade penal abaixo dos dezoito anos, todos eles altamente
civilizados, tanto que mantém, inclusive, cursos de ética e etiqueta em suas
escolas, desde seus cursos preliminares.
Tanto a Inglaterra quanto os Estados Unidos, mantém a
idade penal abaixo dos dezoito anos, mas sua juventude mantém altos índices de
escolaridade e cultura, o que se torna absurdo a equiparação.
Lá, para se chegar à Universidade, tem-se que percorrer
um longo caminho, onde a cultura é o parâmetro máximo de seu fim teleológico.
Com que orgulho se diria ter cursado Harvard, Michigan e MIT nos Estados
Unidos, ou Oxford e Cambridge na Inglaterra.
Frise-se que lá, seus dirigentes não se orgulham de ser
analfabetos, nem de não gostarem de leituras, e nem pretendem tirar o estudo de
línguas estrangeiras de seus cursos diplomáticos.
Lá os que os dirigem se orgulham da cultura.
Túlio Kahn, em trabalho intitulado “Delinqüência juvenil
se resolve aumentando oportunidades e não reduzindo a idade penal” depois de
uma larga análise sobre o tratamento dado a matéria, leciona: “Não se argumente
que o problema da delinqüência juvenil aqui é mais grave que alhures e que por
isso a punição deve ser mais rigorosa: tomando 55 países da pesquisa da ONU
como base, na média os jovens representam 11,6% do total de infratores,
enquanto no Brasil a participação dos jovens na criminalidade está em torno de
10%. Portanto, dentro dos padrões internacionais e abaixo mesmo do que se
deveria esperar, em virtude das carências generalizadas dos jovens brasileiros.
No Japão, onde tem tudo, os jovens representam 42,6% dos infratores e ainda
assim a idade penal é de 20 anos. Se o Brasil chama a atenção por algum motivo
é pela enorme proporção de jovens vítimas de crimes e não pela de infratores.
(Tulio Kahn, 35, é doutor em ciência política pela USP e coordenador de
pesquisa do Ilanud – Instituto Latino Americano das Nações Unidas para a
Prevenção do Delito e o Tratamento do Delinqüente. www.conjunturacriminal
.com.br.) São os especialistas, e não os aventureiros do saber que entendem
que, “responsabilizar diferentemente um jovem de 17 e outro de 18 anos por atos
idênticos é uma opção de política criminal adotada na maioria dos paises
desenvolvidos, que procuram oferecer oportunidades diferenciadas para que o
jovem supere o envolvimento com o crime.” E mais, é de ciência que não
interessa apenas a capacidade de entendimento do menor, e sim “da
inconveniência de submetê-los ao mesmo sistema reservado aos adultos, comprovadamente
falido.”
Pena Não! Medidas Sócio-Educativas, sim!
Será que o povo brasileiro, representado por seus
legisladores tem noção da quantidade e qualidade de nossa habitabilidade
carcerária? Será que têm eles noção do quanto se terá que aumentar o número de
vagas no nosso falido sistema penitenciário? Claro que nem pensam nisso.
É que, a redução da menoridade penal implica em uma série
de providências necessárias para abrigar o incalculável número de menores que,
injustamente, estarão em contaminação direta com os perversos comandantes da
criminalidade nacional.
Será que nossas autoridades, e os apregoadores do
ferretear menor têm consciência de que 90% dos adolescentes em conflito com a
lei sob o regime de privação de liberdade no país não completaram o ensino
primário, embora tenham idade compatível com ensino médio.
E esses dados são frutos de pesquisa divulgada pela
Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República alardeada
pela imprensa, recentemente. E é essa mesma mídia quem nos informa que dados
referentes ao ano de 2002, mostram que de um total de 9.555 jovens internados
em instituições, 51% não freqüentavam a escola.
E tristemente dito levantamento mostra-nos que esses
jovens, repita-se, pobres jovens, além de terem baixa escolaridade, 90% dos
internos são do sexo masculino, 76% tinham idade entre 16 e 18 anos, mais de
60% eram negros, 80% viviam com renda familiar de até dois salários mínimos e
86% eram usuários de drogas.
Ora, e se quer tirar essa triste população de instituições
ressocializadoras para colocá-la nos presídios. Melhor dito, colocá-los na
cadeia? Será que nossa ignorância social está chegando ao limite máximo de
desconhecer que a marginalização, o contato com a população carcerária,
transformarão o menor, no mais das vezes vítimas dos conflitos sociais, em um
delinqüente requintado e de primeiro grau?
A propósito, vale lembrar a lição sempre atual de Afrânio
Peixoto, quando diz que “importa talvez curar o criminoso de primeira culpa, ou
evitar o contágio das formas graves da criminalidade, que se realiza nas
prisões, que degradam e perdem definitivamente o culpado que se lhes deu a
corrigir: de um criminoso às vezes somenos, faz-se um profissional pela
desmoralização, pelo exemplo, pela aprendizagem nessas escolas normais da
criminalidade.” (Afrânio Peixoto, ‘in’ Medicina Legal, - vol. II, p. 125 Ed.
Livraria Francisco Alves, 4ª Ed., 1935.) Luiz Eduardo Pascuim, Mestre em
Direito das Relações Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
pós-graduado pela Universidade de Castilla La Mancha de Toledo, Espanha,
questiona se não há interesse da legislação em apenas punir, mas tentar
resgatar esse adolescente entregue á delinqüência enquanto ele ainda é passível
de tratamento eficaz de revitalização. Segundo ele, em geral, os jovens que
cumprem medidas sócio-educativas em unidades de internação, são filhos de pais
que também não concluíram nem o Ensino Fundamental. (Luiz Eduardo Oascuim, ‘in’
Menoridade Penal, pág. 191, Curitiba: Juruá, 2006.) Vejamos as palavras de
Delgado, a respeito do tema e que bem demonstra a época em que vivemos: “a
menoridade penal, assim como acontece com muitos temas jurídicos, assume uma
discussão eminentemente modista, ou seja, está sujeita as variações sazonais
que acontecem de tempos em tempos, e, não obstante o fato de todos saberem
quais as conseqüências de possíveis alterações, a serem perpetradas por puro
sentimentalismo, ou mesmo emocionalismo, a verdade é que, perde-se tempo em
demasia com referidas discussões, posto que as soluções que são engendradas não
podem ser adotadas, sob pena de instituírem o caos social.”
E conclui dizendo: “Por essas razões, que falam por si
mesmas, acreditamos que reduzir a menoridade penal seja para que patamar for,
não reduzirá, por via de conseqüência, a criminalidade em nosso país, nem muito
menos a violência. A violência é, antes de um problema jurídico, um problema
sociológico arraigado desde longa data no bojo de nossa sociedade. Somente com
o tempo e com as políticas adequadas este mal poderá ser minimizado. (Rodrigo
Mendes Delgado, ‘in’ www.direitonet.com.br/artigos/x/18/86/1886/ - 23k -)
Note-se, por propósito, que o governo consumiu 65% mais dinheiro para pagar os
bilhetes aéreos de servidores públicos federais. Gastou R$ 1,8 bilhão em passagens
aéreas e despesas de locomoção, despesa 65% maior do que o valor registrado nos
quatro anos iniciais da gestão de seu antecessor.
E com a educação do povo, gastou quanto por cento a mais?
O rigor da lei até agora não demonstrou seus bons efeitos
no combate a criminalidade. Aí está estampada a reincidência. Aí está a
evidência a nos mostrar que hoje o crime é comandado de dentro dos presídios.
Aí está estampada a certeza certa de que, ao colocarmos o menor na cadeia,
estaremos, sem dúvida, incluindo-o como meeiro dos criminosos maiores.
Até agora não se tem qualquer estatística e,
consequentemente, os malefícios da penalização do menor não foram por nós
aferidos. No momento em que as autoridades nacionais se aperceberam da
inocuidade do sistema, por certo, mudarão.
Não será, jamais, a punição rigorosa e sistemática que
irá resolver o grave problema. Em obra magnífica, sobre psicologia criminal,
Luiz Dourado leciona que, “pouco adiantarão castigos, perseguições,
internamento em casas de saúde ou prisões, se não houver a indispensável
psicoterapia de cada caso.” (Luiz Ângelo Dourado, ‘in’ Ensaio de Psicologia
Criminal, p. 59, Rio de Janeiro, 1969.) Psicoterapia e educação, binômios
inseparáveis, únicos capazes de resolver o grave problema que pretendemos tratar
com o placebo da diminuição da menoridade penal.
Discípulo de Freud, Arnaldo Rascovsky ensinava que
“muitos dos fenômenos que afligem o homem moderno seriam mais bem esclarecidos
quando percebêssemos o que significa uma criança para os seus pais.”
E aqui, o grande pai é o Estado que deve, o mais breve
possível, se aperceber que a diminuição da menoridade penal é uma maldade, uma
crueldade social inominável. E que, enquanto não nos apercebermos do que
significa para uma pátria, o cuidado com o seu menor, viverá ela escrava da
criminalidade sempre crescente.
Para concluir, vale a eterna lição de Beccaria, “a moral
política não pode oferecer à sociedade qualquer vantagem perdurável, se não
estiver baseada em sentimentos indeléveis do coração do homem”. E, com a
grandeza que caracterizava suas idéias, ensinava: “Façamos uma consulta,
portanto, ao coração humano; encontraremos nele os preceitos essenciais do
direito de punir.” (César Beccaria, ‘in’ Dos Delitos e das Penas, p. 14,
Editora HEMUS, 1971.)