Artigo, Guilherme Baumhardt, Correio do Povo - Manifestações

Centenas de milhares de brasileiros, em todo o país, foram às ruas vestindo verde e amarelo. Antes de chamá-los de golpistas (o caminho mais óbvio e, também, o mais preguiçoso) é preciso ir um pouco além. A Constituição traz o artigo 142 – “As Forças Armadas (...) destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. As situações nas quais o emprego da força deve ocorrer, porém, ainda são tema de debate. Alguns já veem motivos para isso – um Supremo Tribunal Federal que age além das suas atribuições é o mais latente.


Se é verdade que na soma dos votos Lula venceu, é verdade também que não foi uma disputa com paridade de armas e forças (e nem me refiro a recursos de campanha, mas do ponto de vista de justiça eleitoral, com decisões absurdas tomadas pela Corte a favor da campanha petista). Além disso, os sinais que surgiram após o pleito são preocupantes. Na manifestação após a votação, o atual presidente do TSE, Alexandre de Moraes, não economizou saliva na hora de falar em “controle” e “regulação” para as próximas disputas, inclusive sobre as redes sociais – coisa típica de republiqueta ditatorial.


Cobra-se de Jair Bolsonaro uma manifestação mais contundente no sentido de pacificar o país, de defender de forma veemente a liberação de rodovias. Bolsonaro, salvo uma hecatombe, tem data para sair do Palácio do Planalto. Mas pergunto: e Lula? Por que não se cobra dele sinais que poderiam trazer tranquilidade? No lugar de receber o esquerdista Alberto Fernández, por que ele não anuncia logo quem será o ministro da Economia? Não me venham com a desculpa esfarrapada de que é preciso esperar as negociações (argh) com partidos da base, na construção do “presidencialismo de coalizão” (o nome bonito e cheiroso dado a uma coisa fétida) para definir o titular da pasta.

O cabeça da economia sempre foi atribuição do presidente da República, nunca entrou nas negociações para composição de governo. Zélia Cardoso de Mello foi escolha de Fernando Collor. Itamar Franco definiu Fernando Henrique Cardoso. FHC, por sua vez, chancelou Pedro Malan, assim como Lula escolheu Antonio Palocci e, depois, Guido Mantega (uma tragédia). Jair Bolsonaro escolheu e chancelou Paulo Guedes. Lula poderia anunciar, por exemplo, Henrique Meirelles, um nome que está léguas distante em termos de liberalismo econômico de Paulo Guedes, mas que produziria algum efeito calmante, mas não o fez. Porque?


Sobre o risco de ditaduras – sim, no plural – cabe um alerta. Se as atuais manifestações populares são vistas com ressalvas, pelo risco de detonarem a volta dos militares, não podemos cair na armadilha da memória curta e da visão míope. Há um risco real de que o Brasil vire uma ditadura de esquerda. Um único mandato conservador não equilibrou forças. Ainda há maioria progressista no STF. Além disso, parcela do Congresso já mostrou que é apenas uma questão de preço para sair de um lado e ir para o outro.

A obsessão lulista em desarmar a população lembra muito a Venezuela de alguns anos atrás, em que uma população sem condições de reagir sucumbiu a milícias e grupos paramilitares. Os generais que eram oposição a Hugo Chávez, antecessor e criador de Nicolás Maduro, foram todos defenestrados. Ou seja, antes de falar em democracia e tomar como base o resultado das urnas – algo legítimo –, é preciso lembrar que há um conceito muito mais importante e anterior ao simples ato de votar e definir um vencedor: chama-se liberdade. Sem ela, a história nos ensina que até mesmo ditaduras podem produzir eleições – em Cuba, acredite, há votação, mas zero liberdade.


Não sou entusiasta da volta dos militares, algo sempre traumático e que traz a supressão de liberdades. Mas também não fecho os olhos para o risco real de uma ditadura de esquerda no país. As próximas semanas devem trazer respostas.